Salvar o clima implica desistir
de um terço do petróleo e 80% do carvão
RICARDO GARCIA
08/01/2015 - PÚBLICO
Estudo apresenta contas detalhadas das reservas de combustíveis fósseis que
não podem ser utilizadas, de modo a conter o aumento da temperatura global a
dois graus Celsius até 2100.
Um terço do
petróleo, metade do gás e mais de 80% do carvão existentes nas reservas a nível
global têm de ser deixados no subsolo, inexplorados, se o mundo quiser travar o
aquecimento do planeta, segundo um estudo científico publicado esta
quinta-feira na revista Nature. Realizado por dois investigadores da University
College de Londres, o estudo reforça a ideia, que já vem sendo discutida há
alguns anos, de que as empresas e os investidores devem olhar com cuidado para
as reservas de combustíveis fósseis como activos financeiros.
Não é a primeira
vez que se fazem cálculos de quanto petróleo, gás e carvão é possível queimar. Mas
os cientistas Christophe McGlade e Paul Ekins apresentam uma análise muito mais
detalhada, mostrando o que o pode acontecer à produção de combustíveis fósseis
nas diversas regiões do mundo.
As contas globais
são relativamente simples. Resultam da diferença entre a quantidade de gases
com efeito de estufa que seria libertada se todas as reservas de combustíveis
fósseis fossem utilizadas e o máximo que se pode ainda lançar para atmosfera
para que a temperatura da Terra não suba acima de dois graus Celsius até ao
final do século.
Nas contas do
IPCC – o painel científico da ONU para as alterações climáticas – o “orçamento
de carbono” que ainda temos para gastar está entre 0,87 e 1,24 biliões de
toneladas de dióxido de carbono (CO2). O estudo na Nature assume um valor
intermediário: 1,1 biliões.
Mas as reservas
de petróleo, gás e carvão representam 2,9 biliões de toneladas. Se a elas for
adicionada a quantidade de combustíveis fósseis que se julga existir no subsolo
mas cuja exploração por ora não é economicamente viável, então o número
disparar para 11 biliões.
Considerando
apenas as reservas exploráveis, o que os investigadores mostram é que uma boa
parte não pode ser de facto explorada. No Médio Oriente, onde estão três
quintos das reservas mundiais de petróleo, cerca de 38% deveriam ficar onde
estão, debaixo da terra. É na mesma região que se concentra quase metade das
reservas de gás natural. Segundo os investigadores, 61% não poderão ser
explorados.
Para o carvão – o
combustível fóssil mais poluente e com mais emissões de CO2 – a situação é
potencialmente ainda mais crítica. Nos Estados Unidos, detentores das maiores
reservas, 95% estão comprometidas.
A nível global, o
mundo não pode contar com 35% das reservas de petróleo, 52% de gás natural e
88% de carvão. Mesmo com a disseminação das tecnologias de captura e
armazenamento de carbono – ou seja, recolher o CO2 das chaminés e enterrá-lo no
subsolo –, o panorama não se altera muito. Os números ficam em 33%, 49% e 82%.
“Os nossos
resultados mostram que o instinto dos decisores políticos de se explorar rápida
e completamente os combustíveis fósseis dos seus territórios é, no geral,
inconsistente com os seus compromissos para limitar o aumento da temperatura”,
concluem os investigadores.
Também
incompatível com a meta dos dois graus Celsius, segundo os autores, é a
exploração de petróleo no Árctico e a produção não-convencional de combustíveis
fósseis – através sobretudo da técnica de fracturação hidráulica (fracking). Ambas
são questões polémicas, combatidas arduamente por organizações
não-governamentais locais e internacionais. Mas a segunda delas não só já está
em marcha, como está a provocar uma autêntica revolução no mercado dos
combustíveis fósseis. O fracking promete transformar a curto prazo os Estados
Unidos no maior produtor mundial de petróleo e está a empurrar os preços do
carvão para baixo no mercado internacional.
O estudo agora
publicado adiciona argumentos a campanhas já existentes para desviar os
investimentos dos combustíveis fósseis em favor de alternativas mais
sustentáveis. Organizações como a britânica Carbon Tracker têm advogado a
existência de uma “bolha carbónica”, que irá rebentar quando as políticas
internacionais forçarem os países a reduzirem drasticamente as suas emissões de
CO2. Daí que se fale de activos “imobilizáveis”, ou seja, de reservas que nunca
poderão ser usadas e por isso não podem ser consideradas como fonte de
rendimento no futuro.
Para James
Leaton, director da Carbon Tracker, o estudo “é uma advertência para o facto de
as companhias terem de justificar gastos de capital em projectos de elevado
custo, dado o caminho claro em direcção a uma economia de baixo carbono”.
A preocupação já
chegou a algumas instituições financeiras e fundos de investimento, alguns dos
quais figuram entre as 181 entidades que já se comprometeram a desinvestir nos
combustíveis fósseis. Entre elas está o Rockfeller Brothers Fund, que em
Setembro anunciou um processo para materializar esta intenção.
Do lado das
empresas petrolíferas, a Shell tem vindo a argumentar que, mesmo com mudanças
políticas bruscas, quaisquer alterações na rede de infra-estruturas energéticas
levarão décadas a tomar forma. O grupo contesta o conceito de activos não utilizáveis,
apontando-lhe falhas metodológicas, em particular a de não levar em conta o
aumento na demanda mundial de energia, que manterá os combustíveis fósseis como
a principal fonte energética global nas próximas décadas. “Como tal, não
acreditamos que nenhuma das nossas reservas se tornem ‘imobilizáveis’”, refere
a Shell, num comunicado de Maio do ano passado.
Muito vai
depender do que ficar decidido a nível internacional para combater as
alterações climáticas. Um passo decisivo será dado em Dezembro deste ano, em
Paris, numa conferência das Nações Unidas que deverá definir um novo tratado
climático internacional.
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