quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

Revisão de Schengen divide eurodeputados portugueses / OBSERVADOR.

Mais policiamento e maior controlo das fronteiras será o suficiente para travar o terrorismo?
Revisão de Schengen divide eurodeputados portugueses
Intensificar as políticas de policiamento e de controlo das fronteiras é o passo certo na luta contra o terrorismo? Os eurodeputados portugueses dividem-se - e não entre direita e esquerda.
Miguel Santos / 15-1-2015 / OBSERVADOR

Qual é a melhor resposta para travar o terrorismo na Europa? As hipóteses em cima da mesa incluem a criação de um Registo de Nomes de Passageiros (aéreos) e a revisão do Acordo de Schengen que fixa as regras de livre circulação na União Europeia. Mas estas são matérias polémicas que não opõem de modo simples quem é de direita e de esquerda. Os eurodeputados portugueses dividem-se. Ana Gomes, do PS, e Nuno Melo, do CDS, aparecem, por exemplo, de braço dado no que toca a avançar rapidamente com o Registo de Nomes de Passageiros, mas rejeitam qualquer alteração a Schengen. Já Carlos Coelho, do PSD, tem reservas contra quaisquer mexidas nestes dois dossiês pouco tempo depois dos atentados terroristas em Paris.

Carlos Coelho (PSD): “Não devemos reagir a quente a um acontecimento trágico”

O social-democrata, relator do Parlamento Europeu para as matérias de Schengen, é contra a adoção do Registo de Nomes de Passageiros (em inglês, Passenger Name Record ou PNR). “Tenho sérias dúvidas de que a medida e que os recursos humanos e financeiros a que ela obriga se justifiquem. Controlar alguns milhares de suspeitos não deve servir de argumento para afetar milhões de cidadãos inocentes. É precisamente aquilo que os terroristas querem – que nós reajamos com medo”.

Apesar de não descartar por completo a revisão de alguns dos mecanismos previstos pelo Acordo Schengen, o eurodeputado acredita que é mais importante “verificar se as medidas estão a ser bem aplicadas” e “promover uma verdadeira coordenação entre os serviços de informação europeus – o que em, bom rigor, não existe ou é quase nula”. Carlos Coelho lembrou, também, que o novo sistema de avaliação de Schengen foi aprovado pelo Parlamento Europeu apenas em junho de 2013 – o novo regime prevê visitas surpresas e fiscalizações programadas às fronteiras internas dos países que pertencem ao Espaço Schengen e, por isso, vai permitir perceber o que está a falhar. “É preciso analisar os resultados do novo sistema antes de reagir a quente a um acontecimento trágico”.

O eurodeputado do PSD denunciou, ainda, aquilo que acredita ser o “oportunismo” de certos governos europeus que estão aproveitar “para se apropriarem de bandeiras dos partidos de extrema-direita em ascensão”, como forma de mostrar que estão a tomar medidas para estancar a ameaça terrorista e, assim, conquistar eleitorado.

“A questão do controlo de fronteiras no caso concreto do ataque em Paris nem sequer se coloca, até porque os suspeitos eram cidadãos franceses. O que falharam foram as medidas de prevenção e de segurança da polícia francesa”, acusou Carlos Coelho. O social-democrata lembrou, a exemplo disso, que um dos suspeitos “estava com pulseira eletrónica, pregava regularmente na mesquita e as autoridades sabiam que ele tentava recuperar combatentes para o Estado Islâmico” e nada fizeram para o deter.

Ana Gomes (PS): “Estes ataques bárbaros são, também, o reflexo de uma série de falhanços das políticas da União Europeia”

Ana Gomes mostra-se também preocupada com uma eventual revisão do Acordo Schengen. “Mudar as regras de Schengen é, no fundo, fazer o jogo dos terroristas”, alertou, acrescentado, ainda, que o “aumento das restrições à liberdade de circulação dos cidadãos” seria “um recuo em relação à Europa” e ao espírito europeu.

Apesar de se manifestar contra a revisão do Acordo de Schengen, a socialista não se opõe à adoção do programa PNR e explica porquê: “Os Estados Unidos e outros países já estão a utilizar este sistema, por isso é importante que a Europa em conjunto defina autonomamente as linhas vermelhas que não devem nunca ser ultrapassadas em matéria de liberdades individuais”. Ainda assim, deixou o alerta: “Não aceito que os Governos utilizem o PNR como uma bala mágica que vai resolver todos os problemas”.

Até porque, acredita, “estes ataques bárbaros são, também, o reflexo de uma série de falhanços das políticas da União Europeia”, sobretudo no que respeita às políticas sociais. O falhanço da Europa neste capítulo “lançou para o desemprego e para a pobreza milhões de cidadãos europeus” e “promoveu o aumento do racismo e da exclusão”, um terreno fértil para o crescimento destes fenómenos, argumentou.

Nesse sentido, Ana Gomes defende que a solução de fundo passa pela “prática de melhores e mais eficazes políticas de cooperação entre os países da União, um maior financiamento dos serviços de inteligência europeus, uma melhor formação dos agentes de autoridade – sem nunca entrar numa deriva securitária – e pela adoção de medidas de prevenção e de desradicalização”. “No fundo, a Europa deve dirigir esforços para perceber que motivações estão na base deste fluxo migratório que levou milhares de jovens a alistarem-se no Estado Islâmico”, atentou a Ana Gomes.

Nuno Melo (CDS): Acontecimentos como os ataques em França “deviam motivar uma alteração” à posição de alguns eurodeputados sobre a proteção de dados

O eurodeputado centrista tem uma posição semelhante à de Ana Gomes, no que diz respeito à necessidade de aprovar o PNR. “Este mecanismo vai permitir criar um sistema de rastreamento integrado” dos passageiros que circulam no espaço aéreo europeu, algo que já acontece, por exemplo, nos Estados Unidos e que é “fundamental” para ajudar a identificar eventuais terroristas.

Nesse sentido, o centrista fala numa dependência da Europa em relação aos Estados Unidos para detetar eventuais movimentos de organizações terroristas. A adoção do PNR “vai permitir regulamentar a situação”, defende.

Nuno Melo sublinhou, aliás, que “já há muito que defende este programa”, ao contrário do que acontecia antes com a maioria dos eurodeputados. “Acho curioso ouvir agora alguns dos deputados no Parlamento Europeu apoiarem uma medida que antes criticavam”.

Ainda assim, faz questão de avisar que “uma revisão do Acordo Schengen, um pilar fundamental do processo de construção europeu, é uma questão distinta”. “Não me parece que a livre circulação de pessoas, mercadorias e bens tenha tido alguma implicação direta neste caso ou nos atentados em Londres, a 7 de julho de 2005″. Tanto num caso como no outro, os autores dos atentados “eram cidadãos europeus”, lembrou.

Inês Zuber (PCP): A adoção do PNR “coloca em causa os direitos fundamentais dos cidadãos”.

“A solução que vários ministros europeus estão a colocar em cima da mesa é uma não-solução. São apenas medidas de maquilhagem”. Pelo menos é aquilo que defende a eurodeputada do PCP.

Inês Zuber denuncia aquilo que acredita ser o aproveitamento dos acontecimentos em França para “colocar na agenda medidas securitárias e de vigilância em nome do combate ao terrorismo”.

“A linha entre o que a polícia considera um terrorista e uma pessoa que defende um pensamento não dominante é uma linha ténue”, sublinhou a eurodeputada comunista, que acredita que a adoção do PNR “coloca em causa os direitos fundamentais dos cidadãos”.

Todavia, Inês Zuber lembra que o problema já vem de trás: “Schengen trouxe outra coisa: se abriu as fronteiras internas para uns, fechou as fronteiras externas para outros”, isto é, promoveu “o tratamento seletivo da imigração”. Os países, agora, distinguem entre “os imigrantes de primeira e de segunda”, denuncia. Este tipo de comportamento potencia e fomenta a criação de “graves desigualdades e de exclusão” já de si alimentadas pela “grave crise económica e social que afetou toda a Europa”.

O caminho, defende, mais do que combater o terrorismo através da força, passa por cultivar políticas sociais europeias que erradiquem os problemas sociais.

Marisa Matias (BE): “Este tipo de policiamento só faz engordar os lucros das redes de tráfico humano”

A eurodeputada eleita pelo Bloco de Esquerda considera que a mais do que provável revisão do Acordo Schengen e o aumento das políticas de policiamento e de patrulhamento das fronteiras dos países que integram o Espaço Schengen “é a pior resposta possível que os Estados-membros podem dar”, na sequência dos ataques terroristas em Paris.

A bloquista acredita que esta discussão “é um aproveitamento indecente” dos acontecimentos recentes em França para fazer passar uma medida que é “uma clara violação dos direitos à privacidade” dos cidadãos europeus.

A vice-presidente da delegação para as relações com os Países do Maxereque (DMAS) – Egito, Jordânia, Líbano e Síria – acredita que os ataques que vitimaram 17 pessoas em França são, também, um sinal do “falhanço completo” das políticas de Schengen, que promoveram o “policiamento e a perseguição constante dos imigrantes” e o seu “não-reconhecimento como cidadãos de pleno direito”. E deu como exemplo a situação atual dos imigrantes que tentam entrar na Europa através de países como a Grécia e a Itália. “O mar Mediterrâneo há muito que deixou de ser um mar e é agora um cemitério. Este tipo de policiamento só faz engordar os lucros das redes de tráfico humano” enquanto a “Europa lava a suas mãos”.

Unidos no combate ao tráfico de armas

Alguns dos eurodeputados ouvidos pelo Observador levantaram outras questões que constituem verdadeiros desafios para a Europa, no sentido de combater a ameaça terrorista. Desafios acrescidos porque envolvem as próprias estruturas da União e porque dizem respeito ao modo como a Europa se relaciona com o exterior.

O problema do tráfico de armas e a facilidade com que as organizações terroristas acedem às armas é “preocupante” sublinhou Ana Gomes. A eurodeputada socialista acredita que é preciso “pôr fim ao tráfico entre países aliados do Ocidente, como a Arábia Saudita, a Turquia e o Catar e essas organizações”. A própria reconhece que “a diplomacia europeia tem falhado nesse sentido”. “Não podemos continuar lidar com esses países aliados como se nada se passasse”, avisou Ana Gomes.

Uma preocupação partilhada, aliás, por Carlos Coelho. Depois de os ataques terroristas em Paris, o social-democrata acredita que uma das prioridades das autoridades francesas “deve ser rastrear a origem das armas” e confirmar as aparentes “ligações de Said e Cherif Kouachi a organizações terroristas do Iémen”

Mas se os franceses e os restantes povos europeus querem evitar ataques semelhantes ao do Charlie Hebdo devem começar já por repensar a forma como lidam com os muçulmanos radicais detidos nas prisões europeias. “As prisões são verdadeiros centros de recrutamento, onde jovens que cometeram crimes menores estão misturados com fanáticos que os sujeitam à radicalização”, alertou o social-democrata.

Inês Zuber do PCP tem, ainda, uma opinião mais crítica sobre a posição da UE. “Fomos nós (UE), em conjunto com os Estados Unidos, que demos armas aos combatentes que lutavam contra Assad na Síria e que, depois, se tornaram, uma grande fatia dos militantes do Estado Islâmico”. “Não podemos desligar a corrente apenas quando não nos dá jeito”, avisou Inês Zuber.


A eurodeputada do PCP lembrou, também, que o Ocidente, em especial os Estados Unidos, sempre tiveram relações privilegiadas com Osama Bin Laden e com Abu Bakr al-Baghdadi, nomeado califa do Estado Islâmico. “A família Bush sempre foi próxima de Bin Laden até ao 11 de setembro de 2001. E, mais recentemente, o senador McCain – candidato republicano às presidenciais norte-americanas em 2008 – reuniu-se com Abu Bakr al-Baghdadi, antes deste se tornar o líder do EI”, fez notar.

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