Mais policiamento
e maior controlo das fronteiras será o suficiente para travar o terrorismo?
|
Revisão de Schengen divide
eurodeputados portugueses
Intensificar as políticas de policiamento e de controlo das fronteiras é o
passo certo na luta contra o terrorismo? Os eurodeputados portugueses
dividem-se - e não entre direita e esquerda.
Miguel Santos /
15-1-2015 / OBSERVADOR
Qual é a melhor
resposta para travar o terrorismo na Europa? As hipóteses em cima da mesa
incluem a criação de um Registo de Nomes de Passageiros (aéreos) e a revisão do
Acordo de Schengen que fixa as regras de livre circulação na União Europeia.
Mas estas são matérias polémicas que não opõem de modo simples quem é de
direita e de esquerda. Os eurodeputados portugueses dividem-se. Ana Gomes, do
PS, e Nuno Melo, do CDS, aparecem, por exemplo, de braço dado no que toca a
avançar rapidamente com o Registo de Nomes de Passageiros, mas rejeitam
qualquer alteração a Schengen. Já Carlos Coelho, do PSD, tem reservas contra
quaisquer mexidas nestes dois dossiês pouco tempo depois dos atentados terroristas
em Paris.
Carlos Coelho (PSD): “Não devemos reagir a quente
a um acontecimento trágico”
O
social-democrata, relator do Parlamento Europeu para as matérias de Schengen, é
contra a adoção do Registo de Nomes de Passageiros (em inglês, Passenger Name
Record ou PNR). “Tenho sérias dúvidas de que a medida e que os recursos humanos
e financeiros a que ela obriga se justifiquem. Controlar alguns milhares de
suspeitos não deve servir de argumento para afetar milhões de cidadãos
inocentes. É precisamente aquilo que os terroristas querem – que nós reajamos
com medo”.
Apesar de não
descartar por completo a revisão de alguns dos mecanismos previstos pelo Acordo
Schengen, o eurodeputado acredita que é mais importante “verificar se as
medidas estão a ser bem aplicadas” e “promover uma verdadeira coordenação entre
os serviços de informação europeus – o que em, bom rigor, não existe ou é quase
nula”. Carlos Coelho lembrou, também, que o novo sistema de avaliação de
Schengen foi aprovado pelo Parlamento Europeu apenas em junho de 2013 – o novo
regime prevê visitas surpresas e fiscalizações programadas às fronteiras
internas dos países que pertencem ao Espaço Schengen e, por isso, vai permitir
perceber o que está a falhar. “É preciso analisar os resultados do novo sistema
antes de reagir a quente a um acontecimento trágico”.
O eurodeputado do
PSD denunciou, ainda, aquilo que acredita ser o “oportunismo” de certos
governos europeus que estão aproveitar “para se apropriarem de bandeiras dos
partidos de extrema-direita em ascensão”, como forma de mostrar que estão a
tomar medidas para estancar a ameaça terrorista e, assim, conquistar
eleitorado.
“A questão do
controlo de fronteiras no caso concreto do ataque em Paris nem sequer se
coloca, até porque os suspeitos eram cidadãos franceses. O que falharam foram
as medidas de prevenção e de segurança da polícia francesa”, acusou Carlos
Coelho. O social-democrata lembrou, a exemplo disso, que um dos suspeitos
“estava com pulseira eletrónica, pregava regularmente na mesquita e as
autoridades sabiam que ele tentava recuperar combatentes para o Estado
Islâmico” e nada fizeram para o deter.
Ana Gomes (PS): “Estes ataques bárbaros são,
também, o reflexo de uma série de falhanços das políticas da União Europeia”
Ana Gomes
mostra-se também preocupada com uma eventual revisão do Acordo Schengen. “Mudar
as regras de Schengen é, no fundo, fazer o jogo dos terroristas”, alertou,
acrescentado, ainda, que o “aumento das restrições à liberdade de circulação
dos cidadãos” seria “um recuo em relação à Europa” e ao espírito europeu.
Apesar de se
manifestar contra a revisão do Acordo de Schengen, a socialista não se opõe à
adoção do programa PNR e explica porquê: “Os Estados Unidos e outros países já
estão a utilizar este sistema, por isso é importante que a Europa em conjunto
defina autonomamente as linhas vermelhas que não devem nunca ser ultrapassadas
em matéria de liberdades individuais”. Ainda assim, deixou o alerta: “Não
aceito que os Governos utilizem o PNR como uma bala mágica que vai resolver
todos os problemas”.
Até porque,
acredita, “estes ataques bárbaros são, também, o reflexo de uma série de
falhanços das políticas da União Europeia”, sobretudo no que respeita às
políticas sociais. O falhanço da Europa neste capítulo “lançou para o
desemprego e para a pobreza milhões de cidadãos europeus” e “promoveu o aumento
do racismo e da exclusão”, um terreno fértil para o crescimento destes
fenómenos, argumentou.
Nesse sentido,
Ana Gomes defende que a solução de fundo passa pela “prática de melhores e mais
eficazes políticas de cooperação entre os países da União, um maior
financiamento dos serviços de inteligência europeus, uma melhor formação dos
agentes de autoridade – sem nunca entrar numa deriva securitária – e pela
adoção de medidas de prevenção e de desradicalização”. “No fundo, a Europa deve
dirigir esforços para perceber que motivações estão na base deste fluxo
migratório que levou milhares de jovens a alistarem-se no Estado Islâmico”,
atentou a Ana Gomes.
Nuno Melo (CDS): Acontecimentos como os ataques em
França “deviam motivar uma alteração” à posição de alguns eurodeputados sobre a
proteção de dados
O eurodeputado
centrista tem uma posição semelhante à de Ana Gomes, no que diz respeito à
necessidade de aprovar o PNR. “Este mecanismo vai permitir criar um sistema de
rastreamento integrado” dos passageiros que circulam no espaço aéreo europeu,
algo que já acontece, por exemplo, nos Estados Unidos e que é “fundamental”
para ajudar a identificar eventuais terroristas.
Nesse sentido, o
centrista fala numa dependência da Europa em relação aos Estados Unidos para
detetar eventuais movimentos de organizações terroristas. A adoção do PNR “vai
permitir regulamentar a situação”, defende.
Nuno Melo
sublinhou, aliás, que “já há muito que defende este programa”, ao contrário do
que acontecia antes com a maioria dos eurodeputados. “Acho curioso ouvir agora
alguns dos deputados no Parlamento Europeu apoiarem uma medida que antes
criticavam”.
Ainda assim, faz
questão de avisar que “uma revisão do Acordo Schengen, um pilar fundamental do
processo de construção europeu, é uma questão distinta”. “Não me parece que a
livre circulação de pessoas, mercadorias e bens tenha tido alguma implicação
direta neste caso ou nos atentados em Londres, a 7 de julho de 2005″. Tanto num
caso como no outro, os autores dos atentados “eram cidadãos europeus”, lembrou.
Inês Zuber (PCP): A adoção do PNR “coloca em causa
os direitos fundamentais dos cidadãos”.
“A solução que
vários ministros europeus estão a colocar em cima da mesa é uma não-solução.
São apenas medidas de maquilhagem”. Pelo menos é aquilo que defende a
eurodeputada do PCP.
Inês Zuber
denuncia aquilo que acredita ser o aproveitamento dos acontecimentos em França
para “colocar na agenda medidas securitárias e de vigilância em nome do combate
ao terrorismo”.
“A linha entre o
que a polícia considera um terrorista e uma pessoa que defende um pensamento
não dominante é uma linha ténue”, sublinhou a eurodeputada comunista, que
acredita que a adoção do PNR “coloca em causa os direitos fundamentais dos
cidadãos”.
Todavia, Inês
Zuber lembra que o problema já vem de trás: “Schengen trouxe outra coisa: se
abriu as fronteiras internas para uns, fechou as fronteiras externas para
outros”, isto é, promoveu “o tratamento seletivo da imigração”. Os países,
agora, distinguem entre “os imigrantes de primeira e de segunda”, denuncia.
Este tipo de comportamento potencia e fomenta a criação de “graves
desigualdades e de exclusão” já de si alimentadas pela “grave crise económica e
social que afetou toda a Europa”.
O caminho,
defende, mais do que combater o terrorismo através da força, passa por cultivar
políticas sociais europeias que erradiquem os problemas sociais.
Marisa Matias
(BE): “Este tipo de policiamento só faz engordar os lucros das redes de tráfico
humano”
A eurodeputada
eleita pelo Bloco de Esquerda considera que a mais do que provável revisão do
Acordo Schengen e o aumento das políticas de policiamento e de patrulhamento
das fronteiras dos países que integram o Espaço Schengen “é a pior resposta
possível que os Estados-membros podem dar”, na sequência dos ataques
terroristas em Paris.
A bloquista
acredita que esta discussão “é um aproveitamento indecente” dos acontecimentos
recentes em França para fazer passar uma medida que é “uma clara violação dos
direitos à privacidade” dos cidadãos europeus.
A vice-presidente
da delegação para as relações com os Países do Maxereque (DMAS) – Egito,
Jordânia, Líbano e Síria – acredita que os ataques que vitimaram 17 pessoas em
França são, também, um sinal do “falhanço completo” das políticas de Schengen,
que promoveram o “policiamento e a perseguição constante dos imigrantes” e o
seu “não-reconhecimento como cidadãos de pleno direito”. E deu como exemplo a
situação atual dos imigrantes que tentam entrar na Europa através de países
como a Grécia e a Itália. “O mar Mediterrâneo há muito que deixou de ser um mar
e é agora um cemitério. Este tipo de policiamento só faz engordar os lucros das
redes de tráfico humano” enquanto a “Europa lava a suas mãos”.
Unidos no combate
ao tráfico de armas
Alguns dos
eurodeputados ouvidos pelo Observador levantaram outras questões que constituem
verdadeiros desafios para a Europa, no sentido de combater a ameaça terrorista.
Desafios acrescidos porque envolvem as próprias estruturas da União e porque
dizem respeito ao modo como a Europa se relaciona com o exterior.
O problema do
tráfico de armas e a facilidade com que as organizações terroristas acedem às
armas é “preocupante” sublinhou Ana Gomes. A eurodeputada socialista acredita
que é preciso “pôr fim ao tráfico entre países aliados do Ocidente, como a
Arábia Saudita, a Turquia e o Catar e essas organizações”. A própria reconhece
que “a diplomacia europeia tem falhado nesse sentido”. “Não podemos continuar
lidar com esses países aliados como se nada se passasse”, avisou Ana Gomes.
Uma preocupação
partilhada, aliás, por Carlos Coelho. Depois de os ataques terroristas em
Paris, o social-democrata acredita que uma das prioridades das autoridades
francesas “deve ser rastrear a origem das armas” e confirmar as aparentes
“ligações de Said e Cherif Kouachi a organizações terroristas do Iémen”
Mas se os
franceses e os restantes povos europeus querem evitar ataques semelhantes ao do
Charlie Hebdo devem começar já por repensar a forma como lidam com os
muçulmanos radicais detidos nas prisões europeias. “As prisões são verdadeiros
centros de recrutamento, onde jovens que cometeram crimes menores estão
misturados com fanáticos que os sujeitam à radicalização”, alertou o
social-democrata.
Inês Zuber do PCP
tem, ainda, uma opinião mais crítica sobre a posição da UE. “Fomos nós (UE), em
conjunto com os Estados Unidos, que demos armas aos combatentes que lutavam
contra Assad na Síria e que, depois, se tornaram, uma grande fatia dos
militantes do Estado Islâmico”. “Não podemos desligar a corrente apenas quando
não nos dá jeito”, avisou Inês Zuber.
A eurodeputada do
PCP lembrou, também, que o Ocidente, em especial os Estados Unidos, sempre
tiveram relações privilegiadas com Osama Bin Laden e com Abu Bakr al-Baghdadi,
nomeado califa do Estado Islâmico. “A família Bush sempre foi próxima de Bin
Laden até ao 11 de setembro de 2001. E, mais recentemente, o senador McCain –
candidato republicano às presidenciais norte-americanas em 2008 – reuniu-se com
Abu Bakr al-Baghdadi, antes deste se tornar o líder do EI”, fez notar.
Sem comentários:
Enviar um comentário