sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

Chamar os bois pelos nomes, por PEDRO SOUSA CARVALHO

Há quatro anos, numa entrevista à revista Visão, Henrique Granadeiro dizia sentir-se "encornado" depois de ter descoberto que a Portugal Telecom fazia parte de um alegado plano do Governo de José Sócrates para controlar a comunicação social em Portugal. Quatro anos volvidos, os accionistas, os credores, os trabalhadores e os fornecedores da PT sentem-se encornados por Henrique Granadeiro. 

Chamar os bois pelos nomes
PEDRO SOUSA CARVALHO 09/01/2015 / PÚBLICO

Há quatro anos, numa entrevista à revista Visão, Henrique Granadeiro dizia sentir-se "encornado" depois de ter descoberto que a Portugal Telecom fazia parte de um alegado plano do Governo de José Sócrates para controlar a comunicação social em Portugal. Quatro anos volvidos, os accionistas, os credores, os trabalhadores e os fornecedores da PT sentem-se encornados por Henrique Granadeiro. Sim, vamos chamar os bois pelos nomes. O que está a acontecer à Portugal Telecom não aconteceu por obra e graça do Espírito Santo. É verdade que o Espírito Santo teve muito a ver com o descalabro da PT. Mas não é o único culpado. O que aconteceu na PT aconteceu por causa de Henrique Granadeiro, de Zeinal Bava, de Luís Pacheco de Melo, de Carlos Cruz, de Ricardo Salgado, de Amílcar Morais Pires, da CMVM e dos administradores da Oi. Por incompetência, má-fé, omissão, cumplicidade, amiguismo, laxismo ou talvez até actos criminosos nalguns casos.

A PT está a afundar-se a cada dia que passa. Isabel dos Santos, com o sentido de oportunidade de fazer inveja a um abutre, lançou uma bóia de salvação para os accionistas, propondo uma OPA a 1,35 euros por acção. A actual administração da PT SGPS enjeitou e desdenhou a oferta porque o valor era baixo. A CMVM agarrou-se a tecnicidades da lei para não deixar os accionistas pronunciarem-se. Esta semana as acções da PT chegaram a valer menos de metade do valor da OPA. Agora os 1,35 euros oferecidos pela angolana já parecem ser de uma generosidade descomunal. Quem está na iminência de se afundar não se deve armar em esquisito na altura de deitar mão a uma bóia de salvação.

Mas a OPA já faz parte do passado. Agora o futuro da PT passa por um de dois cenários. O mais provável é que os accionistas da PT não se oponham à venda da PT Portugal na assembleia geral de segunda-feira. Neste cenário a PT SGPS funde-se com a Oi e os activos da empresa em Portugal passam a ser geridos pela Altice. Não sou da opinião de que os franceses virão a Portugal destruir a PT. Pelo menos não a vão destruir mais do que aquilo que já está. Ninguém enterra 7,5 mil milhões de euros (equity mais dívida) numa empresa para a destruir e para esturricar o dinheiro investido. Os franceses chegaram a Portugal com a alcunha de "fundo abutre" e com certeza que farão jus a essa epíteto. Tornarão a PT numa empresa mais enxuta, provavelmente farão despedimentos e terão uma gestão mais rigorosa, profissional e com menos mordomias. E passada a crise (na PT e no país) vão vender a PT pelo dobro do que compraram. A PT vale hoje 700 milhões em bolsa. Há uma década valia mais de 10 mil milhões. É fazer as contas.

O outro cenário para o futuro da PT, esse mais improvável, é abortar a venda da PT Portugal e reverter a fusão com a Oi. Tecnicamente e juridicamente pode ser difícil, já que o primeiro passo para a fusão (aumento de capital da Oi por incorporação dos activos da PT Portugal e da Africatel) já está consumado. Mas há quem, como Fernando Ulrich, defenda a reversão da fusão: "Espanta-me que ninguém faça nada para travar esta fusão, que é uma tragédia para os accionistas da PT." Ulrich não é calculista, mas sabe fazer cálculos. Ulrich não é accionista, mas sabe que pode vir a sê-lo. Se a fusão PT-Oi borregar e se o BPI ganhar a corrida para comprar a Novo Banco, o BPI herda uma posição de 10,06% na PT e passa a ser o maior accionista. Isabel dos Santos, que é a segunda maior accionista do BPI, agradece. O que não conseguiu pela porta principal talvez venha a conseguir pela porta dos fundos.

Seja com Isabel dos Santos, seja com a Altice, a PT Portugal estará melhor do que está com a Oi e será com certeza mais bem gerida do que no passado, quando a empresa era gerida a partir do n.º 195 da Avenida da Liberdade, sede do BES. A auditoria feita pela PriceWaterHouseCoopers (PwC) para avaliar as relações entre a PT e as empresas do grupo Espírito Santo é a prova de que para além da relação financeira incestuosa entre a PT e o BES continua a haver muitos podres para descobrir no Fórum Picoas.

É vergonhoso o pingue-pongue da auditoria, entre a sede da PT SGPS e a PwC, dando a nítida sensação de que o relatório estava a ser “martelado” à vontade do freguês. E mais vergonhoso é a notícia de que a PT terá pedido à PwC que omitisse do relatório os nomes dos responsáveis pelo investimento ruinoso da PT no grupo GES. A culpa é da CMVM, que, em vez de fazer como o Banco de Portugal (que ordenou uma auditoria forense ao BES), esperou que fosse a PT SGPS (que é parte interessada) a pedir e a pagar uma auditoria. A forretice, o comodismo e o laxismo pagam-se caro. E é bom que o regulador se lembre que desde 2001, desde os tempos de Murteira Nabo, que a PT punha o dinheiro no BES. E que desde sempre o BES mandou e desmandou na PT. A diferença é que agora a coisa correu mal, porque o Espírito Santo faliu.


E, mais extraordinário, segundo dita a auditoria, é que a PT não se limitou a colocar no BES os excedentes de tesouraria; a PT também pedia dinheiro emprestado para emprestar ao BES. Afinal a PT é que era o banco do BES e não o contrário. E emprestava ao BES a juros mais baixos do que os que pagava aos credores. E foi por causa desta e doutras liberalidades que o império BES-PT se desmoronou.

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