"António Costa está demasiado satisfeito com a sua gestão em Lisboa"
João Semedo Defende que "Lisboa não pode ser só hotéis de charme" e elege a habitação, os transportes e a emergência social como prioridades. A presença do BE será uma garantia de "pluralidade" na câmara da capital
Aos 62 anos, o deputado à Assembleia da República
João Semedo entra na corrida para a Câmara de Lisboa para recuperar o vereador
perdido pelo BE. Esse vereador foi José Sá Fernandes, que integra agora a lista
de António Costa, o presidente de câmara e dirigente do PS que volta a
candidatar-se. Crítico das maiorias absolutas, quer à esquerda, quer à direita,
o coordenador do BE defende que o PS acordou demasiado tarde para a pobreza na
capital.
Candidatou-se a Lisboa com a justificação de recuperar o vereador perdido do Bloco. Esse vereador, que foi José Sá Fernandes, está na lista de António Costa.
Isso não é uma justificação, é um objectivo. Candidatei-me por duas razões muito diferentes. A primeira é que este é o primeiro confronto eleitoral com o Governo de direita. O Bloco de Esquerda deve disputar estas eleições com a máxima intensidade. Por isso me candidatei.
Para medir forças com o Governo no principal centro urbano, a capital?
Os líderes são como os amigos, são para as ocasiões. A outra razão é porque sou lisboeta. Cresci em Lisboa, vivo em Lisboa, passei a maior parte da minha vida em Lisboa, portanto é natural que, enquanto activista político, queira dar o meu contributo à cidade de Lisboa.
Não era importante que PS, PCP e BE conseguissem dar um sinal ao país de que são capazes de se coligar em Lisboa?
Era tão importante que fizemos esse convite na nossa convenção de Novembro de 2012. O PCP disse que não. O PS demorou quatro ou cinco meses a responder. Quando respondeu, propôs que apoiássemos os seus candidatos em quatro municípios. Ora isso não é uma proposta de aliança ou de convergência, é uma proposta de rendição.
Por que é que o BE não contra- argumentou com uma proposta de negociações, antecipando-se à proposta do PS?
Nós antecipámo-nos. Fizemos a proposta em Novembro de 2012. Mas quando nos confrontam com uma proposta de entendimento em quatro municípios em que já há candidatos...
Quais eram os municípios?
Lisboa, Porto, Alter do Chão e Gaia. Se me perguntar as razões que levaram o PS a escolher em trezentos e tal municípios estes quatro, ignoro-as. O PS não justificou e é difícil entendê-las. Mas, por exemplo, propor-nos uma aliança em Alter do Chão não faz qualquer sentido. O que nós propusemos foi uma aliança ampla das esquerdas. O PCP não quis, o PS não quis. Enfim, ficará seguramente para outra oportunidade.
A proposta do BE era de coligações com o PS e o PCP. O PCP disse primeiro que não, se o PS propusesse alianças amplas o BE não iria?
Não, porque nós achamos que o caminho das esquerdas não é um caminho fácil, não vale a pena inventar atalhos. Nós não queremos estar nuns municípios com o PS contra o PCP, noutros municípios com o PCP contra o PS. Isso transformaria o BE numa manta de retalhos que nos tiraria qualquer identidade e o principal objectivo de um partido é conservar a sua identidade.
Ana Drago é cabeça de lista à assembleia municipal, renunciou ao mandato. Como vê esta saída do Parlamento?
Da Ana Drago não direi nem uma palavra mais do que ela já disse, porque é bastante esclarecedor. A vida política tem de se renovar. A Ana Drago vai fazer o seu doutoramento. É perfeitamente natural, normal que ela tenha essa aspiração, depois de ter tido nos últimos dez anos uma intervenção política tão rica e com uma qualidade que é reconhecida por todos aqueles que acompanham a actividade política em Portugal. Era uma deputada de grandes qualidades. Continuará a ser uma activista e uma dirigente com as mesmas qualidades e será seguramente membro da próxima Assembleia Municipal de Lisboa. E julgo que isso é compatível com a sua situação de doutoranda.
Quais são as suas prioridades para Lisboa?
Naquilo que conta, naquilo que é difícil, naquilo que é mais importante, os seis anos de António Costa à frente da Câmara Municipal de Lisboa ficaram aquém do que era necessário fazer. Isso é particularmente visível no que eu considero que são os três mais importantes problemas da cidade de Lisboa: urbanismo e habitação, transportes e emergência social.
Está a fazer uma avaliação crítica de António Costa?
O nosso programa constrói-se a partir dessa base crítica. Achamos que no domínio do urbanismo e da habitação, da área dos transportes e na resposta social à emergência que este Governo criou também em Lisboa, as propostas de António Costa não têm correspondência com a dimensão de qualquer um destes problemas. Esta avaliação crítica significa também que em muitas circunstâncias António Costa não tirou partido dos vereadores que tinha, alguns até vão deixar a câmara municipal.
Está a falar de Helena Roseta?
De Helena Roseta, de Nunes da Silva, que deixam funções executivas, para irem para a Assembleia Municipal. António Costa, durante estes seis anos, foi alimentando um equívoco entre posições muito diferentes do seu executivo. Há quem ache que a Câmara Municipal de Lisboa só deve ter intervenção no que é público, nos equipamentos e no espaço público. E há quem, além dessa intervenção, ache que tem também de se intervir sobre o parque habitacional edificado. António Costa foi gerindo este conflito, não o resolvendo. Permitiu que quem tem força fosse ganhando terreno e espaço e quem tem força são os interesses imobiliários, particularmente aqueles que estão ligados à especulação proveniente dos principais grupos financeiros.
Está a concordar com a crítica que o PCP faz a António Costa de que ele serve os interesses imobiliários?
O que estou a dizer é que António Costa preferiu gerir este conflito e não resolver este conflito em favor do interesse público. Isso é visível em muitas coisas que aconteceram nestes seis anos. Por exemplo, o PDM, que do nosso ponto de vista deve ser revisto, os planos de pormenor, alguns deles do nosso ponto de vista também têm de ser revistos, são portas abertas à especulação imobiliária. A Câmara de Lisboa deve defender o interesse de todos os lisboetas. E não deve tomar decisões que facilitem a concretização dos interesses particulares da grande especulação imobiliária. Isso aconteceu nesta Câmara Municipal de Lisboa. Por isso consideramos que um vereador do BE fará toda a diferença porque contribuirá para que este conflito não se mantenha e se resolva a favor dos lisboetas e não dos interesses privados.
A esse propósito há um caso que tem dominado a pré-campanha, que é o da Colina de Santana...
A primeira pergunta é: qual é a pressa de António Costa? Aqueles edifícios hospitalares, estamos a falar de S. José, dos Capuchos e de Santa Marta, são de hospitais que só serão desactivados daqui a seis, oito ou dez anos. Aqueles hospitais fecharão no dia em que houver um novo Hospital de Todos os Santos, em Chelas, que substituirá sete velhos hospitais em Lisboa. Se um dia for construído o novo. Na realidade não se percebe porque é que houve um período tão curto de discussão pública sobre uma área central de Lisboa. O que dizemos é que deve ser suspenso o processo de loteamento e é preciso haver um plano para uma área tão central de Lisboa.
Mas concorda que é preciso requalificar aquela zona?
Sim, claro. Mas consideramos que alguns daqueles equipamentos podem ser requalificados, transformados em unidade de saúde de outro tipo, que prestem outro tipo de cuidados. Há necessidade de novos equipamentos naquela zona para prestar cuidados médicos. E claro que não podemos generalizar. Alguns daqueles edifícios foram construídos ao longo dos anos, são anexos, não têm interesse arquitectónico nenhum. Mas há edifícios que têm história, têm memória, são património, devem ser salvaguardados. Devem ser aproveitados para a construção de um Museu Nacional da História da Medicina. Para quê estar a pressionar o loteamento sem que se pense noutras utilizações de interesse público? Lisboa não pode ser só hotéis de charme.
As prioridades da gestão de António Costa têm sido o turismo e a hotelaria?
A concepção de urbanismo a que presidiu durante estes seis anos resume-se nesta frase feita: temos muita gente sem casa e muita casa sem gente.
Já existia essa realidade antes.
Sim. Mas é por isso que eu acho que António Costa está demasiado satisfeito com a sua gestão.
E qual a crítica que faz à gestão dos transportes?
Durante uma boa parte do tempo, António Costa conviveu com este Governo de direita. Este Governo de direita tratou o Metro e a Carris com os pés, cortou carreiras, diminuiu a sua frequência, aumentou os preços, em média 25%. O problema de fundo é que António Costa não fez a mudança que é necessário fazer, do nosso ponto de vista. Se a câmara quer ter e tem de ter responsabilidades no domínio dos transportes, é evidente que tem de ter uma intervenção e uma capacidade de gestão que não tem. Isto passa, do nosso ponto de vista, pela criação de uma empresa pública mista, constituída pela Câmara Municipal de Lisboa e pelo Estado. O Governo quer privatizar os transportes. Quem ficar com a Carris e com o Metro não vai ficar com a dívida. Não se pode usar o argumento da dívida para dizer que a Câmara Municipal de Lisboa não tem condições para ser accionista e gestor dos transportes. Pelo contrário, é condição indispensável para que a câmara possa determinar com mais sucesso qual é a rede de transportes em Lisboa. Em muitas zonas da cidade, durante a madrugada, não há pura e simplesmente transportes. Não me refiro apenas ao transporte dos que se divertem durante a noite. Há milhares de lisboetas que trabalham durante a noite e que chegam a casa ou saem de casa durante a madrugada.
E em relação à pobreza?
António Costa e a Câmara Municipal de Lisboa acordaram tarde e a más horas para o problema da emergência social. Em 2011 e 2012 a situação social já se degradava muito em Lisboa. Em 2011 a câmara aprovou um fundo social, creio que na ordem do milhão e quinhentos mil euros e não executou um euro. Em 2012, o mesmo valor, não o gastaram todo. Em 2013, manteve-se esse fundo e agora há um programa vocacionado para as freguesias na ordem dos cinco milhões de euros, vamos ver como é usado.
Mas essas verbas não foram usadas?
Como acontece em muitos organismos públicos em que as verbas são orçamentadas, mas não são gastas, são gastas noutra coisa. Não ficam seguramente como saldo.
Qual é o seu objectivo eleitoral? É o primeiro desafio depois de o BE perder metade dos deputados nas últimas legislativas...
O principal objectivo é o BE recuperar o seu vereador, o que significa a minha eleição.
Evitar a maioria absoluta do PS também é um objectivo?
A direita vai ter uma derrota pesadíssima em Lisboa. Não sei se o candidato será Fernando Seara. É presidente da Câmara de Sintra, é comentador desportivo, mas de facto como candidato à câmara ainda quase não apareceu. E considero que as maiorias absolutas não são boas nem à direita, nem à esquerda. As maiorias absolutas dão traços de um certo autoritarismo, decisões precipitadas, porque não têm confronto, pelo que a presença do BE no executivo dá essa pluralidade.
Se for eleito vereador, deixa a coordenação do BE?
Não estou a pensar deixar de ser coordenador, seja qual for o resultado das eleições. Só deixarei de ser coordenador no dia em que eu e o Bloco o decidirmos.
E vai assumir o mandato de vereador?
A minha disposição, caso seja eleito, é exercer o mandato, porque julgo que é compatível com o ser deputado e ser coordenador. Salvo alguma circunstância excepcional. Tudo depende dos resultados e do que vier a ser o programa da câmara.
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