CRÓNICA
Catarina ganhou o debate, mas quem pode ganhar as
eleições é Rio
Rui Rio perdeu mais uma oportunidade de mostrar propostas
consistentes e atacar o Governo PS (o que teria sido fácil na questão do SNS, a
avaliar pelas opiniões dos médicos sociais-democratas). Mas é Rui Rio, e não
Catarina Martins, que pode ganhar as eleições de 30 de Janeiro
Ana Sá Lopes
5 de Janeiro de
2022, 23:28
Rui Rio continua
a perder tempo nos debates pré-eleitorais. Depois de ter passado 25 minutos com
André Ventura enrolado na agenda do “Chega”, apareceu muito pouco preparado no
debate desta quarta-feira, na SIC, com a líder do Bloco de Esquerda. Catarina
Martins dominou completamente o frente-a-frente e teve a sua melhor performance
até agora.
O debate começou
de forma inusitada. Rio foi questionado sobre a sua posição sobre a prisão
perpétua – que tinha ficado em dúvida no debate com André Ventura – e por
motivos misteriosos, enquanto se afirmava contra qualquer alteração às leis
penais, Rui Rio insistiu que Ventura não era assim tão defensor da prisão perpétua
como anda por aí a vender: “Ficou provado que o Chega não quer exactamente a
prisão perpétua mas uma solução mitigada”. Catarina Martins afirma-se
“preocupada” por o “dr. Rui Rio estar a normalizar a extrema-direita”, mas Rio
insiste.
Primeiro, comete
a gaffe de dizer “sou católico, mas não sou crente” (que ficará certamente como
uma das frases da campanha) e depois voltou a insistir na alegada moderação de
Ventura sobre prisão perpétua: “O que ficou provado é que depois de tanto
barulho o dr. André Ventura não defende aquilo que dizia mas uma versão
mitigada”. Não se percebe a intenção de Rui Rio, a menos que esteja a tentar
convencer a passar para o seu campo o eleitorado do Chega que quer mesmo a
prisão perpétua e não versões mitigadas. É uma hipótese de trabalho.
Rui Rio tentou
mostrar que, se for governo, fará diferente do executivo PS apoiado durante uns
anos pelo Bloco de Esquerda. “Aquilo que o PS fez – e o Bloco de Esquerda
apoiou – foi tentar o crescimento da economia pelo consumo. Isso gera
inflação.” Catarina Martins quase respondeu com “contas certas” (mas não usou a
expressão) e lembrou que o maior crescimento do país foi entre 2015 e 2019,
período em que o país “mais reduziu a dívida”. E lembrou o que Rui Rio disse na
altura do aumento do salário mínimo, “que ia aumentar o desemprego, aumentar
falências”. Rui Rio respondeu que o país tem um problema de salários médios e
que “a política de nivelar por baixo aproxima o salário mínimo do salário
médio”.
Catarina Martins
insistiu em que parte do problema está na manutenção da legislação laboral da
troika – “as leis do seu partido” – que fizeram com que “despedir fosse fácil e
barato”. Rui Rio respondeu à acusação de que não tinha “qualquer proposta para salários
dignos” defendendo que a “maior flexibilidade facilita o investimento” e
dinamiza a economia e sem isso não se consegue “melhorar salários em Portugal”.
Em duas questões
essenciais, Rui Rio não tinha a lição bem estudada e bastava, pelo menos no SNS,
aconselhar-se com os médicos do seu partido. Insistiu no recurso aos privados
de uma forma que ficou pouco clara e deixou todo o espaço a Catarina Martins
para defender o SNS, acabando até a dizer que concordava com ela. “Atirar mais
dinheiro para o SNS não é a prioridade”, disse Rio, para quem a solução passa
por “gerir bem o que está mal gerido”.
Catarina Martins
não tem dúvidas de que “vai ser preciso mais dinheiros públicos na saúde e é
natural que assim seja” e como Rio não se explica bem sobre a sua defesa dos
privados, a líder do BE aproveita para desafiar o presidente do PSD: “Quer
entregar o São José ao grupo Mello? Quer entregar o São José aos chineses da
Fosun? Depois de sabermos que foi o SNS que nos salvou [da pandemia] este é o
momento de o reforçar”. Rui Rio apenas quer “gerir bem o SNS”: “Se o privado
ganha e o Estado ganha ficamos todos a ganhar”. Mas Rio não quer acabar com o
SNS, nem “pôr os ossos no SNS e a carne no privado. Não é por aí”.
Outro dos
momentos complexos de Rui Rio foi, num assunto tão delicado como a
sustentabilidade da Segurança Social, dizer que ainda “anda a estudar” a
possibilidade de um sistema misto. Grande parte tem que ser público: “Se nós
privatizássemos a Segurança Social, colocávamos o futuro das pessoas na Bolsa.
Imaginem o perigo que isso era”. Mas admite que “outra coisa diferente”, a tal
que está a ser estudada ou vai ser estudada, “é ter um sistema misto em que há
uma base pública que pode ser complementada com uma base de capitalização”.
Abriu, evidentemente,
espaço à resposta directa de Catarina Martins: “É incompreensível que reconheça
que colocar as pessoas na bolsa é um perigo e defenda o sistema misto. Por que
hão-de perder alguma coisa?”. E lembrou que o tão mal-amado (pela direita)
imposto Mortágua financia a Segurança Social – 477 milhões.
Rui Rio perdeu
mais uma oportunidade de mostrar propostas consistentes e atacar o Governo PS
(o que teria sido fácil na questão do SNS, a avaliar pelas opiniões dos médicos
sociais-democratas). Mas é Rui Rio, e não Catarina Martins, que pode ganhar as
eleições de 30 de Janeiro.
Debates Legislativas: Rio quis que lhe lessem nos lábios
o que não tinha para dizer e deixou líder do BE gabar-se das contas do Governo
Rui Rio bem pediu que lhe lessem nos lábios sobre o que
quer para o País, mas uma Catarina Martins, que até chegou a puxar pelos galões
por ter contribuído para as boas contas do Governo PS, expôs que o líder do PSD
entra em mais um debate sem conseguir explicar o que verdadeiramente defende
LEGISLATIVAS 2022
05.01.2022 às
23h09
NUNO MIGUEL ROPIO
JORNALISTA
Se o líder de um
partido chega a um frente a frente e falha a oportunidade, logo no início, de
explicar com clareza o que não conseguiu transmitir três dias antes sobre algo
que se tornou um caso político, como foi a questão da prisão perpétua, tudo o
que vier a seguir arrisca-se a ter a mesma toada. E assim foi com Rui Rio, no
embate com Catarina Martins, na noite desta quarta-feira, ao quarto dia de
debates.
Mesmo tendo
apelado por “read my lips” [trad.: “leiam-me os lábios”], para que melhor
entendessem a sua mensagem, o líder do PSD, confrontado com a necessidade de
apresentar as medidas que defende para importantes setores do Estado, mais
atingidos pelo esforço com a pandemia, como a Segurança Social e o Serviço Nacional
de Saúde, agarrou-se a umas quantas ideias soltas, atirando para um programa de
Governo que só verá a luz do dia no final desta semana.
A coordenadora do
BE acabou por aproveitar a dificuldade discursiva de Rio, insistiu nas suas
bandeiras para o seu eleitorado, colou o social-democrata à gestão de Passos e
da Troika, e até chegou a frisar que “o BE é dos que mais têm contribuído” para
o equilíbrio das contas públicas. E tudo isto com o feito de nunca ter falado
nem no PS, nem em António Costa.
PRISÃO
PERPÉTUA
RUI RIO
“Ficou claro que
eu sou contra a prisão perpétua as ficou claro que o que André Ventura não
defende a prisão perpétua, mas um regime mais equilibrado”
“Read my lips”.
Já disse que não. O que ficou provado, e foi isso que eu queria, é que o Chega
não quer a prisão preventiva mas uma coisa mitigada”.
CATARINA MARTINS
“Confesso que
fico preocupada quando ouço Rui Rio, porque, mais que explicar porque é que a
prisão perpétua é inaceitável, está a tentar normalizar as coisas que diz a
extrema-direita”.
Contexto: Com um
sorriso nos lábios, como se o caso não tivesse sido cavalgado pelo líder do PS
e principal opositor do PSD – que até fez um vídeo para apontar baterias ao
assunto -, Rui Rio explicou que não concorda com mexidas na moldura penal, que
comporte penas perpétuas, como defende André Ventura. “O problema da Justiça
não é a dimensão das penas, quando olha para os casos que tem em cima da mesa”,
disse, salientando que “o que ficou provado não é uma normalização da extrema-direita,
mas algo” sobre o qual o Chega não será honesto a explicar.
Catarina Martins
adotou um tom oposto ao de Rio, muito mais circunspeto e grave, apontou que “a
Justiça não é vingança” e que “também não temos um problema das penas leves”.
“Acreditamos que cumprida a pena deve haver reinserção”, acrescentou a líder do
BE, frisando que o mesmo se aplica nos casos que envolvam terrorismo.
SERVIÇO NACIONAL
DE SAÚDE
RUI RIO
“Portugal gasta
mais que a média europeia em termos de saúde e tem uma prestação da Saúde muito
pior que essa média”.
“O que precisamos
é chamar o setor social e privado, não para privatizar o SNS mas para
complementar o que o SNS não consegue fazer”.
“Temos de ter uma
politica de recursos humanos – não vou dizer o salário – que leve aqueles que
mais que produzem a que tenham um prémio”.
“Neste momento
atirar mais dinheiro para cima do SNS não; [a solução] é gerir melhor”.
“Também não
desisto do SNS, mas há mais de quatro milhões de portugueses que pagam um
seguro. Eu quero gerir bem o SNS”.
CATARINA MARTINS
“O BE é dos
partidos que mais tem contribuído mais para o equilibro orçamental. Bem sei que
o Rui Rio não gosta da forma como conseguimos equilibrar orçamentos”.
“O que me
pergunto é: qual é o programa que tem o PSD? Parece que o PSD quer aproveitar a
crise pandémica para fazer da saúde um negócio”.
Contexto: Rui Rio
defendeu que, perante a falta de resposta do SNS, que o PSD abrirá a porta a
uma maior participação dos setores social, privado e até jogar mão ao recurso
das parcerias público-privadas. Admitiu ainda estender às consultas a
possibilidade que o voucher cirurgia já permite – uma medida que o PSD tinha no
seu programa de Governo, em 2019, e que o líder laranja deixou no ar como sendo
algo de novo.
“Também não
desisto do SNS, mas há mais de quatro milhões de portugueses que pagam um
seguro. Se o privado ganhar e se o Estado ganhar, estamos todos bem. Não é pôr
os ossos no Estado e a carne nos privados”, disse Rio , provocado por Catarina
Martins, que o acusou de querer transformar a saúde dos portugueses num
negócio. “O João Semedo costumava ter
uma frase que é elucidativa: nunca vi ninguém entrar num serviço público de
Saúde e perguntar: como é que vai o negócio?”, atirou a líder bloquista.
SALÁRIO MÍNIMO
RUI RIO
“O salário mínimo
pode ser e é definido por decreto, mas tem de estar de acordo com a economia”.
“O que gerou o
aumento do Salário Mínimo? A aproximação do Salário Médio Nacional ao Salário
Mínimo. Ou seja, esta política nivelou por baixo”.
“A Catarina
Martins quer acabar com os ricos, eu quero acabar com os pobres”.
CATARINA MARTINS
“Não houve nem
falências nem desemprego pelo aumento do Salário Mínimo”.
“O País não pode
ser uma gigantesca Odemira, de baixos salários”.
“Se o Salário
Médio não cresce é pelas leis que o seu partido [PSD] também colocou na
legislação do trabalho, que fez com que despedir fosse fácil e barato; e há
tantas grandes empresas que estão a despedir trabalhadores e a substituí-los
por outro em outsourcing com salário mais baixos”.
Contexto: Rui Rio
não se comprometeu nem com uma política para o Salário Mínimo se vencer as
eleições, nem falou sequer em valores, como o PS fez nas suas principais
medidas apresentadas na terça-feira. O líder do PSD preferiu, com alguma
dificuldade, alertar para o facto de o País manter salários médios muito
baixos, face à fraca produtividade e ao tipo de tecido empresarial, e aumentar
o Salário Mínimo a um ponto que se cole aos rendimentos da classe média.
Catarina Martins usou tal tese para lembrar que os salários médios não sofrem
alterações devido às alterações laborais do tempo da Troika, em que o valor do
trabalho foi desvalorizado. Rui Rio não tratou de defender a herança de Passos
nesse momento.
SEGURANÇA SOCIAL
RUI RIO
“Temos de olhar a
sério para a sustentabilidade da Segurança Social, em nomes das pensões e
reformas de futuro, e dos mais jovens que têm de receber mais à frente”.
“A base da
Segurança Social tem de ser pública. Peço atenção às pessoas, mesmo aquelas que
se colocam à minha direita: se nós privatizássemos por completo, ou quase, a
Segurança Social, colocávamos as futuras pensões e reformas na bolsa e fundos
de pensão. Imagine-se o perigo. Coisa diferente é podermos termos um sistema
misto, onde há uma base pública que tem de ser sempre público, complementado
com uma base de capitalização”.
CATARINA MARTINS
“É
incompreensível que Rui Rio reconheça que colocar uma parte das pensões na
bolsa é um perigo e defenda que os trabalhadores devem colocar parte do
dinheiro na bolsa em vez da Segurança Social”.
“Se alguma coisa
que o BE provou é que consegue fazer o melhor pela Segurança Social”.
“Bem sei que Rui
Rio não gosta, mas existe uma coisa que ficou conhecido por imposto Mortágua,
uma taxa sobre o património imobiliário de luxo – uma taxa sobre milionários –
e que financia a Segurança Social. E que, só entre 2018 e 2020, deu ao Fundo de
Sustentabilidade da Segurança Social mais 477 milhões de euros. Rui Rio queria acabar no seu programa de 2019
com esta taxa”.
Contexto: O líder
do PSD falou de uma hipótese – capitalização de parte da Segurança Social – sem
se perceber se a defende no seu programa e, se sim, quais os seus moldes.
Quando confrontado com a possibilidade de fuga de contribuintes para outros
tipos de planos de reforma, que não o sistema público, Rui Rio não soube dizer
ao que vinha, deixando Catarina Martins enaltecer as qualidades do chamado
“imposto Mortágua” já no fim do debate.
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