segunda-feira, 31 de janeiro de 2022

Algo de errado à esquerda, tudo errado à direita

 



OPINIÃO

Algo de errado à esquerda, tudo errado à direita

 

Ao contrário do PS, que vergastou fortemente os candidatos que lhe disputavam a esquerda, o PSD relativizava o Chega e tinha abundantes militantes promovendo a IL. Se se oferece mel aos concorrentes diretos, os eleitores seguem o exemplo.

 

Maria João Marques

31 de Janeiro de 2022, 0:41

https://www.publico.pt/2022/01/31/opiniao/opiniao/algo-errado-esquerda-errado-direita-1993666

 

António Costa afinal jogou e ganhou. Provocou eleições no momento em que intuiu ainda conseguir ganhá-las e, com sorte, com vantagem face ao resultado anterior. Provavelmente ajudado pelas sondagens – e depois dos erros crassos quer nas autárquicas quer nestas legislativas teremos de ter uma conversa séria com as empresas que fazem estes estudos. E, também, pelos anticorpos ainda virulentamente ativos com as lembranças da governação durante a troika – uma das estratégias do PS foi agitar todos os fantasmas na segurança social, na legislação laboral, na frieza perante os mais pobres e na facilidade com que se escolhiam estes para alvos preferenciais das políticas de austeridade; claro que nada disto se aplicava a Rui Rio, contestatário de Passos Coelho dos quatro costados, porém funcionou.

 

Da esquerda vêm bons sinais. A esquerda que venceu é centrista e moderada. António Costa percebeu muito cedo, logo no seu primeiro orçamento para 2016, que o maior temor dos eleitores era o regresso da austeridade pós-bancarrota. E assim governou, endeusando as contas públicas certas. Com o PS houve pouca vida além do défice. Não só tirou os temores da tradicional irresponsabilidade orçamental de Guterres e Sócrates, como mostrou que era um líder de uma têmpera diferente de ambos, sobretudo da catástrofe Sócrates.

 

A esquerda mais retinta foi premiada enquanto servia para manter o PS sério. Quando começou a falar do regresso ao estado da arte do pré-troika em várias áreas, a fazer vislumbrar as loucuras dos amanhãs (que afinal nunca) cantam, as campainhas de perigo soaram em muitos eleitores. O voto útil no PS, tornado necessário pela possibilidade de vitória do PSD que mostravam as sondagens, fez o resto.

 

Da esquerda vêm bons sinais. A esquerda que venceu é centrista e moderada.

 

O mau sinal à esquerda? A maioria absoluta do PS. As maiorias absolutas trazem riscos, tentações de abuso do poder, má relação com o escrutínio democrático.

 

À direita, pelo contrário, correu tudo mal. O PSD, feitas as contas, não conquistou nem ao centro nem à direita. Desde logo porque nunca optou por nenhum dos lados. Tanto se apresentava como centrista – e apresentava programas sensatos para o SNS, para a fiscalidade, predispunha-se a viabilizar um governo minoritário do PS – como proferia tiradas sobre a melhor eficácia do sistema de justiça antes do 25 de abril, perdia tempo a debater prisão perpétua, avalizava acordos com o Chega nos Açores. Ao contrário do PS, que vergastou fortemente os candidatos que lhe disputavam a esquerda, o PSD relativizava o Chega e tinha abundantes militantes promovendo a IL, ou desejando que este partido retirasse votos ao seu partido ou dando mostra de uma ingenuidade política embaraçosa. Se se oferece mel aos concorrentes diretos, os eleitores seguem o exemplo.

 

O PSD, feitas as contas, não conquistou nem ao centro nem à direita. Desde logo porque nunca optou por nenhum dos lados

 

Piorando pela direita: o Chega e a IL – dois partidos extremistas, cada um à sua maneira – cresceram com estrondo. Revelando uma tendência (que não se vislumbrou à esquerda) de crescimento do radicalismo à direita. O que não é mau de todo. Na Assembleia da República, serão muito mais escrutinados, sobretudo a IL, até agora poupada porque ninguém previa o crescimento. Nas próximas eleições avaliamos-lhes o radicalismo.

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