OPINIÃO
Boris Johnson, o Santana Lopes que não tivemos
As sucessivas festas, com Boris, o fazedor da lei, a
dizer que não sabia que as festas violavam a lei, transformam o número 10 de
Downing Street numa imensa discoteca clandestina liderada por um adolescente
sem noção da realidade.
Ana Sá Lopes
30 de Janeiro de
2022, 0:05
https://www.publico.pt/2022/01/30/mundo/opiniao/boris-johnson-santana-lopes-nao-1993597
O título desta
crónica é vergonhosamente copiado de uma frase do David Pontes, director-adjunto
do PÚBLICO e que disse precisamente isto num dos últimos episódios do podcast
que partilhamos, com Mariana Adam – a Coligação Negativa.
Na verdade, Boris
Johnson e Santana Lopes assentaram a sua carreira política num terreno de alta
rentabilidade a curto prazo: a sedução. Conheço pouca gente que não tenha algum
crush pelo accent, pelo humor, pela parvoíce que o primeiro-ministro britânico
transmite. Afinal, somos todos humanos – a atracção irracional, inclusivamente
por fenómenos políticos, sempre existiu, muito antes do sucesso de Trump ou
Bolsonaro, personagens com as quais, principalmente com Trump, Boris é
erradamente comparado.
Pedro Santana
Lopes foi, durante muito tempo, irresistível ao estilo de Boris Johnson: assim
como o PS gosta de não se lembrar muito de que durante vários anos esteve aos
pés de Sócrates, o PSD também tenta esquecer que Pedro Santana Lopes foi
primeiro-ministro – sem eleições, é certo – porque foi o homem que o partido
com mais deputados na Assembleia da República escolheu para a função. Apesar
das culturas inglesa e portuguesa serem muito diferentes sobre a reserva da
vida privada, Santana Lopes, muito por culpa própria, foi bastante penalizado
pela exposição da sua vida privada – já para não falar da famosa fita no cabelo
que usou numa viagem de barco há décadas e a qual quem viveu naquele tempo
nunca mais esqueceu. Quanto a Boris, que poderia ter perfeitamente usado a
mesma fita do cabelo (decerto com menos dissabores), teve sempre a vida privada
e alguns adultérios alvo de sucessivas notícias de jornais.
Como os Tories não brincam em serviço, em breve haverá um
novo primeiro-ministro no Reino Unido. A minha aposta vai para Rishi Sunak, o
chanceler do Tesouro que, já a pensar no assunto, se distanciou de Boris nos
últimos tempos
Boris e Santana
foram os dois “mayor” de capitais europeias, a partir de onde consolidaram as
suas carreiras políticas. Tacticamente, Boris foi mais esperto que Santana, que
acabou a perder o partido e o país de uma forma humilhante. Boris percebeu que
o “sim” ao “Brexit” iria ganhar e decidiu que seria então um dos maiores
defensores da saída da UE. Com um slogan fácil – cumprir o “Brexit” –, obteve
uma expressiva maioria para os conservadores nas eleições de 2019. Mas foi
desde o princípio um primeiro-ministro errático. A Economist chamava-lhe o “yes
man”, porque Boris não consegue dizer que não a quase ninguém. Segurou o seu
antigo homem-forte Dominic Cummings quando este violou grosseiramente as regras
do confinamento, com argumentos absurdos. Tentou segurar o ministro da Saúde,
Matt Hancock, quando também este violou as regras do distanciamento social no
local de trabalho – e Boris só demitiu Hancock porque a isso o Partido
Conservador o obrigou.
Agora, Boris
Johnson acabou. As sucessivas festas, com Boris, o fazedor da lei, a dizer que
não sabia que as festas violavam a lei, transformam o número 10 de Downing
Street numa imensa discoteca clandestina liderada por um adolescente sem noção
da realidade – e quem diz o número 10 diz o Reino Unido. As sondagens estão a
penalizar os conservadores há muitas semanas. Como os Tories não brincam em
serviço, em breve haverá um novo primeiro-ministro no Reino Unido. A minha
aposta vai para Rishi Sunak, o chanceler do Tesouro que, já a pensar no
assunto, se distanciou de Boris nos últimos tempos.
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