OPINIÃO
O PÚBLICO censura de mais ou de menos?
De acordo com alguns leitores, os critérios editoriais do
jornal deviam reflectir a opinião de cada um deles…
José Manuel
Barata-Feyo
25 de Setembro de
2021, 0:06
https://www.publico.pt/2021/09/25/opiniao/opiniao/publico-censura-menos-1978595
Vários artigos e
textos de opinião divulgados pelo PÚBLICO, bem como os comentários que eles
merecem aos leitores, têm sido objecto de uma vasta correspondência dirigida ao
provedor. O tom geral é de protesto e centra-se em dois pontos: por um lado, o
jornal devia censurar as colunas de opinião e os comentários que desagradam a
quem nos escreve; por outro, não devia censurar os comentários e as cartas de
leitores. Em síntese: parte dos protestos apela à censura; outra parte protesta
porque se considera censurada.
Dois exemplos de
sinal contrário: “Todos os artigos atraem uma barragem de comentários
misóginos, velhacos, trogloditas e reaccionários perante a passividade do
jornal”, indigna-se um leitor, apelando à censura. No extremo oposto, protesta
outro leitor: “Não me surpreende esta deturpação e censura do texto que
enviei.” (Não identifico os dois leitores porque a posição deles é
representativa do que é escrito por muitos outros).
A questão da
censura esclarece-se rapidamente. O espaço dos comentários dos leitores e das
“Cartas ao Director” não é nem pode ser um espaço sem rei, nem roque que, em
última análise, estaria acima do estatuto editorial do PÚBLICO, ao qual estão
obrigadas as redacções do próprio jornal. De outro modo, o mais inexacto,
insultuoso ou desinteressante texto, inclusive o que viola a Lei de Imprensa,
teria direito a publicação.
A recusa de
publicar um comentário ou carta de um leitor – ou parte deles - é um legítimo
direito da direcção editorial ou da cadeia hierárquica em que ela delega esse
poder. Chama-se a isto fazer prevalecer o critério editorial do jornal – quer
se concorde com ele ou não - sobre o critério do leitor/comentador. Perante a
lei, o director é o último responsável pelo que é publicado.
A utilização da
palavra “censura” neste contexto é falaciosa e abusiva. A censura só existe
quando alguém ou um organismo exterior à direcção editorial de um jornal impede
a publicação de um texto ou de parte dele, quase sempre por razões políticas ou
por critérios alheios à Liberdade de Imprensa. É o que agora pretende fazer, a
posteriori, o nefasto art. 6.º da Carta Portuguesa. Leitor do jornal há
décadas, o provedor nunca deu por que houvesse ou haja censura no PÚBLICO.
Os comentários
incidem principalmente sobre notícias da política nacional e reflectem as
convicções pessoais dos seus autores. No caso do PÚBLICO, o epicentro desses
protestos, a favor ou contra, são, com frequência, notícias sobre o Bloco de
Esquerda, o PAN, o Chega, e os chamados temas fracturantes: LGBTQ+, racismo,
colonialismo…
No longo protesto
que endereçou ao provedor, fundamentado no que considera serem exemplos,
escreve um leitor da edição digital: “Não suporto ver até que ponto as secções
de comentários se tornaram uma sarjeta onde tudo é permitido e onde
regularmente são publicados comentários de várias claques partidárias que
inquinam qualquer assunto. (…) Veja-se o festival de podridão que acompanha
qualquer artigo do (um dos colunistas do PÚBLICO). Não quero crer que as pessoas
que como eu compram este jornal sejam representadas por este nível de
brutalidade, boçalidade, falta de civismo e de tudo. (…) Não deveria ser
obrigado a conviver diariamente com isto no jornal que compro (…) Estou farto.
E peço medidas.”
Este texto é emblemático
da “clubite” que rege as intervenções de muitos leitores-comentadores do
jornal. Encaminhei-o para o jornalista Pedro Guerreiro, editor da secção Redes
Sociais, onde trabalham três pessoas, duas das quais jornalistas. Como, a
avaliar pelo correio que me é dirigido, os leitores que comentam as notícias do
PÚBLICO, assim como os que comentam os comentários de outros comentadores, nem
sempre conhecem o funcionamento dessa comunidade e os princípios que a regem,
considero oportunas e esclarecedoras as explicações de Pedro Guerreiro.
Escreve ele:
“A comunidade do
PÚBLICO funciona num modelo de automoderação, em que são os próprios leitores
que aprovam, reprovam ou denunciam comentários, e é importante que os
leitores denunciem os comentários impróprios através das ferramentas que são
disponibilizadas na própria caixa de comentários (o botão “denunciar"). A
redacção do Público só age em segunda instância, quando entende que os leitores
falharam na sua missão de moderação. (…) Sublinhamos contudo que o PÚBLICO não
dispõe de uma equipa dedicada à comunidade em permanência, sendo uma
responsabilidade dividida por várias pessoas com outras funções, pelo que
podemos não ter uma reacção em tempo útil em períodos como a noite, os
fins-de-semana ou os feriados, sobretudo no Verão.”
“Mas não é
verdade que o PÚBLICO não se preocupe com o nível da participação na sua
comunidade e que não tome qualquer medida para responder ao problema. Há
precisamente um ano decidimos introduzir limites à participação de leitores
não-assinantes para tentar reduzir o recurso a contas ‘descartáveis’ que apenas
visavam publicar comentários impróprios ou manipular o sistema de moderação, e
bloqueámos alguns servidores de email que eram frequentemente utilizados para
esse fim. Actualizámos também as regras da comunidade para, entre outras
coisas, responsabilizar e punir os leitores que aprovam comentários que nunca
deveriam ter sido publicados. E quase todos os dias suspendemos ou banimos
utilizadores que violam as regras, incluindo assinantes de longa data, o que
até nos vale receber insultos e ameaças. Estamos, portanto, atentos ao
problema.”
“Não podemos
contudo garantir que não surjam comentários impróprios. A comunicação online, à
distância, tende a desumanizar o ‘outro’ e há uma tendência incontrolável para
o despique, o acinte e o insulto. Não podemos também garantir, dentro dos
comentários que cumprem os critérios de publicação, que não haja comentários
que irritem alguns leitores (e jornalistas). Mas, no limite, não é proibido ter
uma opinião absurda. Em resposta ao incómodo de vários leitores, remetemos
há anos a caixa de comentários para uma aba que o leitor tem de abrir
voluntariamente, para não ser forçado a ler os comentários ao abrir um artigo.”
“Só existe uma
receita 100% infalível para uma comunidade online sem abusos: acabar com ela.
No entanto, temos muitos leitores que participam de forma construtiva na
comunidade e que pagam pela possibilidade de dialogar com a redacção e com
outros leitores, e que não merecem ser penalizados pelo comportamento dos
infractores.”
Entre o silêncio
e a palavra civilizada, a alternativa é simples. Cabe ao leitor-comentador
escolher o que prefere.
tp.ocilbup@rodevorp
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