domingo, 26 de setembro de 2021

O PÚBLICO censura de mais ou de menos?

 


OPINIÃO

O PÚBLICO censura de mais ou de menos?

 

De acordo com alguns leitores, os critérios editoriais do jornal deviam reflectir a opinião de cada um deles…

 

José Manuel Barata-Feyo

25 de Setembro de 2021, 0:06

https://www.publico.pt/2021/09/25/opiniao/opiniao/publico-censura-menos-1978595

 

Vários artigos e textos de opinião divulgados pelo PÚBLICO, bem como os comentários que eles merecem aos leitores, têm sido objecto de uma vasta correspondência dirigida ao provedor. O tom geral é de protesto e centra-se em dois pontos: por um lado, o jornal devia censurar as colunas de opinião e os comentários que desagradam a quem nos escreve; por outro, não devia censurar os comentários e as cartas de leitores. Em síntese: parte dos protestos apela à censura; outra parte protesta porque se considera censurada.

 

Dois exemplos de sinal contrário: “Todos os artigos atraem uma barragem de comentários misóginos, velhacos, trogloditas e reaccionários perante a passividade do jornal”, indigna-se um leitor, apelando à censura. No extremo oposto, protesta outro leitor: “Não me surpreende esta deturpação e censura do texto que enviei.” (Não identifico os dois leitores porque a posição deles é representativa do que é escrito por muitos outros).

 

A questão da censura esclarece-se rapidamente. O espaço dos comentários dos leitores e das “Cartas ao Director” não é nem pode ser um espaço sem rei, nem roque que, em última análise, estaria acima do estatuto editorial do PÚBLICO, ao qual estão obrigadas as redacções do próprio jornal. De outro modo, o mais inexacto, insultuoso ou desinteressante texto, inclusive o que viola a Lei de Imprensa, teria direito a publicação.

 

A recusa de publicar um comentário ou carta de um leitor – ou parte deles - é um legítimo direito da direcção editorial ou da cadeia hierárquica em que ela delega esse poder. Chama-se a isto fazer prevalecer o critério editorial do jornal – quer se concorde com ele ou não - sobre o critério do leitor/comentador. Perante a lei, o director é o último responsável pelo que é publicado.

 

A utilização da palavra “censura” neste contexto é falaciosa e abusiva. A censura só existe quando alguém ou um organismo exterior à direcção editorial de um jornal impede a publicação de um texto ou de parte dele, quase sempre por razões políticas ou por critérios alheios à Liberdade de Imprensa. É o que agora pretende fazer, a posteriori, o nefasto art. 6.º da Carta Portuguesa. Leitor do jornal há décadas, o provedor nunca deu por que houvesse ou haja censura no PÚBLICO.

 

Os comentários incidem principalmente sobre notícias da política nacional e reflectem as convicções pessoais dos seus autores. No caso do PÚBLICO, o epicentro desses protestos, a favor ou contra, são, com frequência, notícias sobre o Bloco de Esquerda, o PAN, o Chega, e os chamados temas fracturantes: LGBTQ+, racismo, colonialismo…

 

No longo protesto que endereçou ao provedor, fundamentado no que considera serem exemplos, escreve um leitor da edição digital: “Não suporto ver até que ponto as secções de comentários se tornaram uma sarjeta onde tudo é permitido e onde regularmente são publicados comentários de várias claques partidárias que inquinam qualquer assunto. (…) Veja-se o festival de podridão que acompanha qualquer artigo do (um dos colunistas do PÚBLICO). Não quero crer que as pessoas que como eu compram este jornal sejam representadas por este nível de brutalidade, boçalidade, falta de civismo e de tudo. (…) Não deveria ser obrigado a conviver diariamente com isto no jornal que compro (…) Estou farto. E peço medidas.”

 

Este texto é emblemático da “clubite” que rege as intervenções de muitos leitores-comentadores do jornal. Encaminhei-o para o jornalista Pedro Guerreiro, editor da secção Redes Sociais, onde trabalham três pessoas, duas das quais jornalistas. Como, a avaliar pelo correio que me é dirigido, os leitores que comentam as notícias do PÚBLICO, assim como os que comentam os comentários de outros comentadores, nem sempre conhecem o funcionamento dessa comunidade e os princípios que a regem, considero oportunas e esclarecedoras as explicações de Pedro Guerreiro.

 

Escreve ele:

 

“A comunidade do PÚBLICO funciona num modelo de automoderação, em que são os próprios leitores que aprovam, reprovam ou denunciam comentários, e é importante que os leitores denunciem os comentários impróprios através das ferramentas que são disponibilizadas na própria caixa de comentários (o botão “denunciar"). A redacção do Público só age em segunda instância, quando entende que os leitores falharam na sua missão de moderação. (…) Sublinhamos contudo que o PÚBLICO não dispõe de uma equipa dedicada à comunidade em permanência, sendo uma responsabilidade dividida por várias pessoas com outras funções, pelo que podemos não ter uma reacção em tempo útil em períodos como a noite, os fins-de-semana ou os feriados, sobretudo no Verão.”

 

“Mas não é verdade que o PÚBLICO não se preocupe com o nível da participação na sua comunidade e que não tome qualquer medida para responder ao problema. Há precisamente um ano decidimos introduzir limites à participação de leitores não-assinantes para tentar reduzir o recurso a contas ‘descartáveis’ que apenas visavam publicar comentários impróprios ou manipular o sistema de moderação, e bloqueámos alguns servidores de email que eram frequentemente utilizados para esse fim. Actualizámos também as regras da comunidade para, entre outras coisas, responsabilizar e punir os leitores que aprovam comentários que nunca deveriam ter sido publicados. E quase todos os dias suspendemos ou banimos utilizadores que violam as regras, incluindo assinantes de longa data, o que até nos vale receber insultos e ameaças. Estamos, portanto, atentos ao problema.”

 

“Não podemos contudo garantir que não surjam comentários impróprios. A comunicação online, à distância, tende a desumanizar o ‘outro’ e há uma tendência incontrolável para o despique, o acinte e o insulto. Não podemos também garantir, dentro dos comentários que cumprem os critérios de publicação, que não haja comentários que irritem alguns leitores (e jornalistas). Mas, no limite, não é proibido ter uma opinião absurda. Em resposta ao incómodo de vários leitores, remetemos há anos a caixa de comentários para uma aba que o leitor tem de abrir voluntariamente, para não ser forçado a ler os comentários ao abrir um artigo.”

 

“Só existe uma receita 100% infalível para uma comunidade online sem abusos: acabar com ela. No entanto, temos muitos leitores que participam de forma construtiva na comunidade e que pagam pela possibilidade de dialogar com a redacção e com outros leitores, e que não merecem ser penalizados pelo comportamento dos infractores.”

 

Entre o silêncio e a palavra civilizada, a alternativa é simples. Cabe ao leitor-comentador escolher o que prefere.

 

tp.ocilbup@rodevorp

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