quinta-feira, 16 de setembro de 2021

Mao no Seixal ou a absoluta falta de noção

 


Mao no Seixal ou a absoluta falta de noção

 

Isto seria apenas uma divertidíssima idiotice se a Comissão para a Igualdade e Contra a Discriminação não fosse uma instituição pública, paga pelos nossos impostos.

 


João Miguel Tavares

16 de Setembro de 2021, 0:00

https://www.publico.pt/2021/09/16/opiniao/opiniao/mao-seixal-absoluta-falta-nocao-1977575

 

Esta é uma daquelas histórias que tanto dá para rir como para chorar. O PSD do Seixal plantou na cidade uns cartazes vistosos e provocadores, porque os gurus das campanhas constataram nos últimos anos que os velhos cartazes ressuscitaram em força através das redes sociais. Ora, sendo a Câmara do Seixal comunista desde 1976, a solução natural foi chatear os comunistas. 

 

Nos cartazes do PSD há fotos de Che Guevara: “Enquanto o Seixal for pobre, só mesmo os comunistas podem fumar charutos.” De Chávez e Maduro: “Achas que é bom viver em comunismo? Pergunta ao teu primo que vivia na Venezuela.” De Estaline: “Isto Stalindo, está! É hora dos democratas darem um bigode aos comunistas.” Há referências à fuga de Cuba de Pedro Pichardo: “Dia 26 de Setembro faça como o campeão: fuja do comunismo e tenha uma vida de ouro.” E, finalmente, há uma foto de Mao Tsé-Tung: “Depois de 45 anos a comer arroz, vais votar nos mesmos de sempre? Mao, Mao, Maria.”

 

A campanha é divertida e muito eficaz. Talvez por isso, houve quem não a apreciasse, enviando duas queixas para a Comissão para a Igualdade e Contra a Discriminação Racial (CICDR) por causa do cartaz de Mao, com os seguintes argumentos: a frase dos 45 anos a comer arroz é “um acto xenófobo”, “discrimina o povo chinês” e é “diminuidora da cultura chinesa”, além de “fazer da fome de um povo uma piada”. Juro que isto é verdade.

 

E o que fez a CICDR? Será que transformou duas queixas mentecaptas em aviõezinhos de papel ou em bonitos origamis? Não: decidiu dar dez dias a Bruno Vasconcelos, candidato do PSD à Câmara do Seixal, para esclarecer as denúncias, informando-o de caminho que elas foram remetidas à Comissão Nacional de Eleições “para os efeitos tidos por convenientes”. Mais: a CICDR intimou Vasconcelos a responder a quatro extraordinárias perguntas: 1) “A que pretende aludir com a frase ‘45 anos a comer arroz’?” 2) “Qual a associação pretendida entre a imagem de Mao Tsé-Tung e a frase ‘45 anos a comer arroz’?” 3) “Qual o público-alvo deste cartaz específico?” 4) “No cartaz em causa, pretendeu de alguma forma referir-se à comunidade asiática, mais especificamente à comunidade chinesa?”

 

Infelizmente, Bruno Vasconcelos não respondeu à CICDR como devia: colocando à porta da sua sede um cartaz com aqueles desenhos que encontramos nas casas de banho públicas, caracteres chineses incluídos, e enviando à sua presidente, de preferência via Alibaba, um prato com arroz carolino, para não ser acusado de apropriação cultural. O candidato do PSD preferiu, em vez disso, dar uma de bem-comportado: explicou que a frase era um trocadilho com “outra vez arroz?”, que significa repetição exagerada, como acontece com a Câmara do Seixal, que é comunista há 45 anos, e blá-blá-blá. Pelo Grande Buda de Leshan: não se responde a este nível de imbecilidade estatal com tamanha civilidade. 

 

Porque o ponto está precisamente no “estatal”: isto seria apenas uma divertidíssima idiotice se a Comissão para a Igualdade e Contra a Discriminação não fosse uma instituição pública, paga pelos nossos impostos. Num país com tantas limitações, onde se dá pancada a imigrantes no aeroporto, imaginar que há um funcionário do Estado a elaborar questionários detalhados sobre se gozar com Mao e com o comunismo é o mesmo que ofender a população da China é nada menos do que insultuoso. Por este caminho, ainda fazem de mim um verdadeiro maoísta: sem uma profunda revolução cultural, este país não vai a lado nenhum. 

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