15.09.2021 às
18h00
Mafalda Anjos
MAFALDA ANJOS
DIRETORA
E agora, o que fazer com os “chalupas”?
No País dos
brandos costumes, temos uma típica forma de lidar com os problemas. Primeiro,
tentamos semicerrar os olhos, encolher os ombros e fingir que eles não existem.
Muitas vezes, os problemas dissipam-se. Outras vezes, avolumam-se e
transformam-se em problemas maiores. E, muitas vezes, só quando nos entram
pelos olhos adentro, indisfarçáveis, é que percebemos que não dá mais para
continuar a ignorá-los.
Com os vários
movimentos inorgânicos negacionistas e antivacinas, foi mais ou menos isso que
aconteceu. Desvalorizámos o problema, porque ele começou por ter pouca
expressão. E olhando para os números da vacinação, representam uma ínfima
minoria. Demos, e bem, primazia à liberdade de expressão destas pessoas, que
estão no seu legítimo direito de acreditar em todas as realidades alternativas
que entenderem, oscilando entre um anarquismo libertário e as ideias mais
radicais de conspiração global para dominar o mundo com o beneplácito de chefes
de Estado, cientistas e médicos ou as crenças de chips ou produtos tóxicos
instalados nas vacinas.
Desvalorizando e
rindo, foram chamados de “chalupas”. Algumas situações são, de facto, risíveis
para todos os que acreditam em factos e na Ciência, de tão estapafúrdias as
teses, outras são evidentes casos clínicos do foro psiquiátrico. Acontece que o
caso começa a ganhar escala e os protestos a tomar contornos cada vez mais
inoportunos e agressivos. Mais do que “chalupas”, agora são ameaças.
O que começou com
ataques sistemáticos e organizados nas redes sociais, passou para o espaço
público. Vimos comentadores na televisão e colunistas em alguns órgãos de
comunicação social a propagarem informação falsa. Vimos manifestações a
amedrontarem crianças que aguardavam nas filas de vacinação. Vimos o
vice-almirante Gouveia e Melo ser recebido com insultos e apelidado de
assassino. Vimos o ainda juiz, embora com funções suspensas, Rui Fonseca e
Castro a ameaçar e agredir verbalmente agentes da PSP que lhe pediram para
colocar a máscara. Vimos Fernando Nobre, médico e candidato à Presidência da
República a discursar numa manifestação antivacinas e a dizer que se curou da
Covid com azitromicina, hidroxicloroquina e ivermectina, fármacos
comprovadamente ineficazes. Vimos Ferro Rodrigues, a segunda figura do Estado
português, atacado verbalmente num almoço de família com ofensas e ameaças por
estes grupos.
A técnica é
sempre a mesma: contestar as medidas de luta contra a pandemia e o sistema e
tudo o que, no seu entender, o representa e impor uma narrativa irracional pelo
medo, pelo histerismo e pela divulgação de mentiras, informações falsas e
teorias da conspiração alucinadas, sem qualquer base científica. Esta
narrativa, claro está, interessa a outros movimentos e partidos que se dizem
antissistema – muitos deles, aliás, fazem parte das suas fileiras. Tudo o que
cause mossa no suposto “statu quo” beneficia-os indiretamente (veja-se como
André Ventura não se quis vacinar cavalgando a onda e tentando captar estas
simpatias).
Talvez agora a
grave ocorrência com Ferro Rodrigues tenha feito soar os sinais de alarme. Não
podemos continuar a lidar com estas situações com benevolência, como se os seus
autores de inimputáveis se tratassem. Não estamos, note-se, apenas perante
atentados contra a honra e o bom-nome particulares de cada um dos atingidos.
Estamos perante crimes que atentam contra os interesses coletivos, a paz
pública e a realização do Estado de direito. Há um manifesto incitamento à
desobediência coletiva e até à participação em motim. E há sinais crescentes de
que ganham escala. É, pois, preciso consequências, imediatas, rápidas e duras,
tal como estipula a lei. Encolher os ombros não é mais solução.
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