"O asteróide somos nós"
O filósofo Frédéric
Neyrat tem desenvolvido um pensamento político e filosófico à altura dos
desafios colocados pelos desastres ecológicos com que estamos confrontados e os
fantasmas de extinção a que deram origem, num tempo em que os governos promovem
a paranóia securitária e da imunidade absoluta contra as catástrofes.
ANTÓNIO GUERREIRO 8
de Agosto de 2018, 10:12
Frédéric Neyrat é um filósofo francês que ensina no
Departamento de Literatura Comparada da Universidade de Wisconsin-Madison.
Encontramos, com frequência, artigos seus publicados em duas das mais
importantes revistas editadas em França, Multitudes e Lignes, ambas com um
forte pendor de intervenção política e uma vocação teórica e filosófica de
análise crítica do presente.
Na produção já extensa e plural de Neyrat, devemos destacar
dois livros que são aqueles que serviram de ponto de partida para esta
entrevista: Biopolitique des catastrophes (2008) e La part inconstructible de
la Terre. Critique du géo-constructivisme (2016). Mas, em complemento, e porque
se situam numa linha de continuidade, devemos também mencionar Homo
labyrinthus. Humanisme, antihumanisme, posthumanisme (2015) e Échapper à
l’horreur (2017). O discurso teórico e filosófico sobre as questões ecológicas
com que estamos hoje confrontados encontra na obra de Neyrat uma elaboração
sofisticada e capaz de pensar muito para além dos lugares-comuns e dos
conceitos e ideias desvitalizados e impotentes em que o discurso ecológico se
encontra muitas vezes enredado.
Convidado recentemente a dar uma conferência no âmbito do
Festival de Teatro de Almada, falou na Casa da Cerca do fantasma da extinção
que assombra hoje o homem. Uma ecologia política à altura dos desafios extremos
com que o homem está hoje confrontado ressalta, de maneira poderosa, desses
dois livros referidos acima e de alguns ensaios publicados.
Biopolítique des catastrophes desenvolvia uma análise da
política imunitária que foi posta em prática numa escala alargada para gerir os
riscos e as consequências das catástrofes. Uma biopolítica das catástrofes,
tentando criar sistemas imunológicos, tornou-se uma forma de governação e
determina a totalidade da política. Torna-se assim uma política catastrófica,
que Neyrat define e analisa no seu livro.
La part inconstructible de la Terre, fazendo a crítica
daquilo a que Neyrat chama “geoconstrutivismo”, é também uma peça importante no
debate em curso sobre a noção de Antropoceno, que começou por ser proposto como
conceito científico, mas acabou por ganhar também dimensão política. No
pensamento de Neyrat, nada do que diz respeito à ecologia é exterior à política
e, por isso, toda a ecologia é uma ecologia política. A necessidade, aliás, de
uma nova ecologia política encontra uma resposta na terceira parte deste livro.
E é por aí que começa a entrevista.
Num dos seus últimos livros, La part inconstructible de la
Terre (2016), propõe uma nova ecologia política a que dá o nome de “ecologia da
separação”. O que é que essa expressão designa?
É uma fórmula que parece paradoxal, à primeira vista, porque
a ecologia implica um sentido de relação, a ideia de que os humanos, os animais
e as plantas estão numa relação com o ambiente. E o ambiente é qualquer coisa
que à nossa volta, no exterior de nós, nos constitui e nos funda interiormente.
É importante dizermos que estamos interconectados com tudo o que faz parte do
mundo dos seres vivos, porque desde a época moderna, desde Descartes, desde o
século XVII, o pensamento dominante e a maneira dominante de construir o mundo
foram fundados na ideia de que os humanos não tinham nada que ver com o não
humano, na ideia de que havia, por um lado, os humanos, com a sua razão, a sua
cultura, o seu saber, a sua política, e, por outro lado, em oposição, tudo o que
é não humano.
Querer proteger-se, querer imunizar-se pelo nacionalismo e
pelo regresso das fronteiras, pela tentativa de recriar uma identidade estrita
contra os perigos ambientais, não fará senão reforçar o desastre ecológico
Frédéric Neyrat
Esse era o pressuposto de um pensamento humanista...
Sim, de um certo tipo de humanismo que insistia em primeiro
lugar e acima de tudo na gramática, no uso da língua, e que punha do outro lado
as ciências, o saber que se ocupava do domínio do não humano, o que não é da
ordem do pensamento e da razão, mas da ordem do corpo, da matéria, do que os
humanos vão poder dominar e explorar para fazer um mundo à sua imagem e para
seu uso. Foi contra isto que se fundou a ecologia: o seu objectivo consiste em
pôr em causa a separação absoluta entre as humanidades e as ciências, entre o
humano e o não humano. E isso foi um movimento extremamente positivo. Foi
necessário fundar uma comunidade eco-esférica na qual se integravam os humanos
e os não-humanos na mesma habitação do mundo.
No entanto, as coisas foram demasiado longe. Na verdade,
pôs-se em causa a grande divisão entre nós e tudo o resto. Isso foi formidável
e continua a ser necessário, mas conduziu a uma indiferenciação e indistinção
que impede de compreender o que aconteceu com a modernidade. E o que aconteceu
não é simplesmente que de um lado se pôs os humanos e do outro os não-humanos.
Foi mais do que isso: de um lado pôs-se o que existia e que tinha valor (isto
é, os humanos) e do outro o que não tinha valor, isto é, o corpo, os afectos, o
não humano, a Terra, a natureza. Aquilo a que chamamos “a grande divisão”,
entre os humanos e o não humano, foi uma denegação, uma grande recusa, uma
grande rejeição. E hoje é necessário compreender não simplesmente como abolir a
distinção entre os humanos e o não humano, mas como abolir o pensamento que
conduziu a uma subestimação radical do que não é humano. E isto é outra coisa
que não é apenas pôr em causa essa grande clivagem. Aquilo de que nos temos de
separar é do pensamento dominante que conduziu à danificação do mundo.
Portanto, não basta pôr em causa essa clivagem consagrada no
pensamento clássico...
É bom que se ponha em causa o suposto abismo entre o humano
e o não humano, na medida em que tudo está interconectado. Mas o problema é que
à força de repetir que estamos interconectados, que tudo está ligado, chegámos
à ideia de que não há um exterior, de que estamos mergulhados numa rede da qual
não podemos sair. O que digo, pelo contrário, é que a ecologia pode ser uma ecologia
política, ou até uma ecologia revolucionária, isto é, capaz de recusar o
pensamento dominante e propor outro, na condição de se propor como um exterior
em relação ao que existe, separando-se do mundo dominante. É certo que devemos
afirmar a interconexão da totalidade do ser vivo, mas é preciso ao mesmo tempo
afirmar a nossa capacidade de nos livrarmos do que não queremos. O perigo de
uma extrema ecologização do pensamento é de nos tornarmos incapazes de recusar
o mundo tal como ele é. Ecologia da separação significa, então: interconexão do
ser vivo, sim, mas acrescentando-lhe um poder de separação política.
O que significa “separação política”?
Significa uma capacidade de identificar o que não queremos,
de identificar os adversários e também os inimigos, aqueles com quem não há
nenhuma discussão possível.
Esse livro que mencionei é uma crítica daquilo a que chama o
“geoconstrutivismo”. É um conceito com
grande poder analítico...
Geoconstrutivismo é um dos avatares da modernidade, do
pensamento moderno, que defino como
aquele pensamento que se fundou na ideia de que o ser humano tinha a
capacidade de poder não apenas dominar e possuir a natureza, como dizia
Descartes (um dos filósofos fundadores desta modernidade que a ecologia teve de
combater), mas vai ainda mais longe: dominar e possuir a natureza são as etapas
que conduzem à capacidade de a refazer, de a reconstruir. Aquilo a que chamo
“geoconstrutivismo” é a ideia segundo a qual os seres humanos têm a capacidade
e mesmo o dever de reconstruir inteiramente o universo no qual habitam, isto é,
a Terra. Geoconstrutivismo é reconstruir a Terra, mas a Terra já existe e já
existia antes de nós. O sonho, o fantasma, do ser humano é o de que tem a
capacidade e até a missão de refazer essa Terra.
O conceito de Antropoceno refere-se às consequências dessa
ideia geoconstrutivista?
O Antropoceno é essa nova época que teria começado a partir
do momento em que o ser humano se teria tornado uma força geológica, uma força
geomorfológica, uma força capaz de impulsionar os movimento fundamentais a
partir dos quais se desenha o rosto da Terra. Antropoceno significa,
literalmente, a idade do homem, a idade em que o homem se torna a força maior,
uma força ainda mais poderosa do que a força natural. Pense-se nas alterações
climáticas: são hoje muito mais o efeito da actividade do homem do que o efeito
de simples leis imanentes da atmosfera. O que o conceito de Antropoceno não
toma em consideração é a cena inconsciente que o habita, isto é, fazer a Terra
baseia-se no sonho de a dominar inteiramente. E como se pode provar que se
consegue dominar qualquer coisa inteiramente? Refazendo essa coisa. Se podemos
refazer, é porque somos como um demiurgo. O Antropoceno é um conceito
interessante que põe o acento sobre as forças monumentais oferecidas pela
tecnologia aos seres humanos, mas é preciso acrescentar o sonho que o habita, o
sonho do geoconstrutivismo, um sonho de reformação da Terra, de tudo o que a
compõe, humano e não humano.
Quando começou essa nova era geológica a que se deu o nome
de Antropoceno?
A condição de possibilidade dessa capacidade que a
humanidade tem de refazer a Terra é a revolução industrial. Trata-se do
nascimento do capitalismo na sua forma industrial, no século XIX, o que faz com
que certos pensadores, hoje, prefiram antes falar de Capitaloceno. E têm razão,
na medida em que a condição de possibilidade do Antropoceno é a força de ataque
capitalista, essa aliança particular entre a economia e a tecnologia. Ao mesmo
tempo, não deve passar sob silêncio o facto de nessa ideia de reformatar a
Terra haver outras potências e sonhos em acção — por exemplo, o sonho
falocêntrico, a ideia do poder do macho que pode colocar-se na Terra como se
ela fosse uma mãe ou uma mulher. E há também a ideia do poder colonialista. O
colonialismo foi um dos sonhos de dominação total da alteridade. Todos esses
poderes estão em acção no Antropoceno: capitalismo, falocentrismo,
colonialismo.
Há uma divisão entre quem politiza a noção de Antropoceno e
quem evita essa politização...
É muito importante politizar o conceito de Antropoceno. Uma
forma de politização é a que se verifica quando se defende que esse conceito
deve ser substituído por Capitaloceno. Politizar quer dizer ser capaz de
apreender tudo o que o Antropoceno recobre, significa utilizar o conceito de
Antropoceno como instrumento óptico, como instrumento de identificação da
política que está em jogo na reformação do mundo, um instrumento que permite
ver os conflitos políticos em jogo — por exemplo, entre o Grande Norte e o Grande
Sul. Digo “Grande Norte” para não dizer “Ocidente”, para dizer que as potências
dominantes não recobrem inteiramente o conceito de Ocidente, na sua oposição ao
Oriente. Quando não se identifica a política em jogo, tornamo-nos um joguete da
política. Dou um exemplo: o químico do clima, Paul Crutzen, co-autor do
conceito de Antropoceno, aparentemente não quer politizar o seu conceito, quer
defini-lo cientificamente e quer igualmente tratar os problemas da alteração
climática de um ponto de vista puramente científico e tecnológico. Se ler os
seus textos, verificará que ele diz que o que é preciso hoje é optimizar o
clima; se há um desregramento climático, o que é preciso é dominá-lo e
optimizá-lo, como pensaria Descartes. O problema é que se fica entregue aos
cientistas e aos engenheiros a tarefa de nos salvar, isso implica um certo tipo
de política: uma política feita pela ciência. A questão que coloco é esta:
queremos que os engenheiros desenhem o mundo de amanhã?
Isso corresponderia a uma biopolítica total.
Exactamente. E o que é evidente aí é que a política que
colocou no seu centro a gestão e o melhoramento do ser vivo — portanto, a
biopolítica — é impensável sem uma tecnopolítica. Não há biopolítica sem
técnica. E se queremos compreender a nossa época, aquela em que há uma
preocupação com o homem enquanto ser vivo e a sua protecção, damo-nos conta de
que o século XVII é a sua condição de possibilidade. Mais uma vez, é a
revolução científica, Descartes, Francis Bacon, Galileu.
Falando de biopolítica: um dos seus livros chama-se
Biopolique des catastrophes e a conferência em Almada era sobre o fantasma que
nos assombra, o fantasma da extinção...
Falar de biopolítica é ter em conta a ideia de que os
governos têm por função ocupar-se do homem enquanto ser vivo, o que inclui
questões como a da natalidade, das “raças” (com aspas ou sem aspas), da
sexualidade. Com o Antropoceno, com os desastres da ecologia, a biopolítica não
consiste apenas em ocupar-se de tratar e melhorar o homem enquanto ser vivo,
deve ocupar-se também de evitar a sua destruição. Ela torna-se aquilo a que
chamo “biopolítica das catástrofes”, isto é, uma biopolítica que deve novamente
ocupar-se da morte. Uma biopolítica das catástrofes é uma política que deve
começar a tomar em consideração a possibilidade de a vida das sociedades
humanas ser interrompida.
Como é que a humanidade pode chegar à extinção? É preciso
compreender que estamos em pleno processo da sexta extinção, uma extinção de
massa que se desenrola num período de tempo extremamente reduzido. Houve
extinções maiores das espécies vivas antes da nossa. A última foi a que teve
lugar há 65 milhões de anos e que conduziu ao desaparecimento dos dinossauros.
Uma extinção causada pelo impacto de um asteróide que veio de fora e chocou
contra a Terra. Hoje estamos numa situação diferente, o asteróide somos nós
próprios, enquanto força antropocénica, enquanto força de construção e
destruição do mundo. Destruindo o planeta, alterando o clima, tornando o solo
infértil, produzindo a diminuição da biodiversidade, somos a causa da
destruição do ser vivo.
A sexta extinção traduz-se portanto pela aceleração da
extinção das espécies e, mais fundamentalmente, por um despovoamento
generalizado, uma diminuição extremamente significativa da percentagem de
população animal, por exemplo, os mamíferos que sofreram uma diminuição de 30%
nos últimos anos. A sexta extinção não atingirá apenas os não humanos, não terá
apenas como vítimas os mamíferos. Traduzir-se-á, no final, por um ataque à
espécie humana enquanto tal. Estamos num esquema do tipo Mad Max, ou pior, num
esquema de extinção da espécie humana. É um sinal de catástrofe extrema.
Hoje toda a gente tem uma forte consciência dos efeitos
destrutivos de certas acções do homem e modos de vida. E, no entanto, parece
que não conseguimos imaginar a possibilidade de haver alterações radicais. O
processo parece irreversível.
Creio que o sinal da catástrofe se tornou evidente para
todos. Cada indivíduo, mesmo o mais conservador, mesmo o mais execrável, como é
Donald Trump, tem no fundo um conhecimento da irreversibilidade dos processos
de ecocídio. No entanto, uma parte de nós próprios não quer acreditar e pensa:
“Sei bem que há uma fatalidade em curso que conduz à nossa possível extinção,
mas, apesar de tudo, espero que alguma coisa nos salve, um deus, a tecnologia,
os engenheiros, os especialistas do clima vão-nos salvar.” Continuamos a
acreditar que há a possibilidade de escaparmos. Enquanto continuarmos a
acreditar nessa possibilidade, enquanto continuarmos a acreditar que alguém nos
vai salvar, estamos a persistir na melhor maneira de tornar irreversíveis os
processos de ecocídio em curso. É preciso começar por nos separarmos de toda a
esperança, não porque ache que as pessoas se deviam suicidar ou que devíamos
baixar os braços, mas porque é quando nos confrontamos com o extremo, com o
pior dos cenários, que podemos avaliar a sua medida.
A sua análise da biopolítica das catástrofes incide sobre o
desejo de imunidade absoluta, sobre uma proliferação paranóica das precauções
securitárias...
Vejamos um caso contemporâneo, para esclarecer esse fantasma
de imunidade absoluta: o nacionalismo. Como sabemos, há hoje um retorno do
nacionalismo em numerosos países. Esse nacionalismo poderia aparecer como uma
forma de defesa, como uma protecção imunitária. Contra quê? Por exemplo, contra
o neoliberalismo, contra a maneira como os mercados saquearam os Estados e como
certas decisões tomadas por multinacionais conduziram à rejeição de certos
territórios europeus. Estranhamente, essa tentativa de imunização, de protecção
política, só pode conduzir ao agravamento do fenómeno que se queria combater.
Porque o nacionalismo, sabemos desde a experiência nazi, ou desde o que se
passou no Chile de Pinochet, não é qualquer coisa que se opõe ao neoliberalismo
e ao capitalismo. Além disso, o nacionalismo não consegue responder às questões
da ecologia que são questões planetárias. O nacionalismo é estruturalmente
incapaz de responder às alterações climáticas. Não haverá nenhuma resposta
senão ao nível de uma política global. Querer proteger-se, querer imunizar-se
pelo nacionalismo e pelo regresso das fronteiras, pela tentativa de recriar uma
identidade estrita contra os perigos ambientais, não fará senão reforçar o
desastre ecológico. O fantasma, o sonho de que nos podemos proteger contra um
mundo globalizado através da defesa nacional é um sonho perigoso, que conduz ao
pior.
Essa contradição habita também no coração dos discursos dos
movimentos ecologistas, muitas vezes discursos um pouco ingénuos, que parecem
não perceber a escala planetária e ter em conta a totalidade.
Esse é um assunto complicado. Em França houve um movimento
ecologista europeu, planetário, capaz de superar os nacionalismos, em
consonância com uma dimensão planetária, pós-nacional, das questões ecológicas.
O problema é que esse movimento baixou os braços, caiu nos velhos reflexos
clássicos, estatais. Caiu na velha política. Para percebermos essa história,
teríamos de fazer uma comparação dos partidos ecologistas europeus. Direi que a
ecologia política teria podido ser o lugar no qual a dimensão planetária teria
encontrado uma forma de realização política. Um internacionalismo da ecologia
existiu localmente em França e na Alemanha, mas não conseguiu derrubar o velho
mundo, os reflexos nacionalistas, não conseguiu encontrar a maneira de realizar
a revolução de que era portador. O que teria sido necessário era uma ecologia
internacionalista. Para criar um movimento internacionalista, sabemo-lo desde a
Comuna, é preciso dois movimentos ao mesmo tempo. É preciso, por um lado,
encontrar maneiras de inscrever a prática da política aquém do nível do
Estado-nação. Isso existe. Em França, há movimentos importantes de luta contra
certos projectos tecno-industriais. Mas o que falta hoje é a capacidade de
poder articular essas acções locais num plano supranacional. Actualmente, não
há nenhum imaginário internacionalista, nem sequer nos movimentos ligados à
ecologia política. Uma das razões para isso é que hoje as lutas políticas são
mais pela preservação do ser vivo do que contra a exploração da força de
trabalho. Os novos campos de luta da política ainda não conseguiram
converter-se a um objectivo internacionalista, porque temos de responder a
urgências imediatas. Quando se está nessa urgência e nesse estado de
necessidade vital (por exemplo, evitar que uma pipeline venha destruir um
território vital), a capacidade de poder pensar algo da ordem do internacional,
capaz de se desterritorializar, é muito difícil.
E os partidos tradicionais, como é que integraram o
pensamento ecologista e os perigos de extinção?
Integraram-no de um ponto de vista biopolítico, entendendo
os elementos da ecologia como elementos a gerir. Integraram a questão das
catástrofes não como elemento que deveria obrigar-nos a modificar radicalmente
a nossa maneira de viver, mas transformaram a possibilidade da catástrofe em
risco calculável, em risco a integrar na política (por exemplo, se há uma
canícula, todos os avisos e conselhos que são dados às populações). Traduzir a
catástrofe na linguagem do risco e da prevenção: eis a maneira como os
partidos, os Estados, todas as instâncias institucionais clássicas, tentaram
conjurar aquilo que teria sido a necessidade de uma modificação radical da nossa
relação com a política e com o mundo em que vivemos.
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