quinta-feira, 2 de agosto de 2018

Só no fim da obra de Robles é que câmara respondeu à queixa de vizinho / Em defesa de Catarina Martins, a burguesa / As duas razões de Marcelo para vetar o direito de preferência. E as duas clarificações que exige


Só no fim da obra de Robles é que câmara respondeu à queixa de vizinho

Dono de edifício nas traseiras alegou que ia perder salubridade e que um troço da Muralha Fernandina podia estar em risco. Câmara demorou um ano a responder e não lhe deu razão.

 João Pedro Pincha
JOÃO PEDRO PINCHA 1 de Agosto de 2018, 23:34

Já as obras no prédio de Ricardo Robles e da irmã em Alfama tinham começado quando um vizinho se queixou à Câmara de Lisboa de que a ampliação aprovada lhe ia tirar luz natural e poderia danificar o troço de Muralha Fernandina que ali existe. A autarquia demorou mais de um ano a responder e, quando o fez, já as obras estavam no fim.

O processo de reabilitação do prédio passou sem sobressaltos pelos serviços de Urbanismo da Câmara de Lisboa e foi aprovado no prazo relativamente curto de oito meses, em 2015. A reclamação do vizinho chegou à câmara em Julho de 2016 e a resposta só seguiu em Setembro de 2017.

Esses são os últimos documentos que constam do processo urbanístico sobre o imóvel da Rua Terreiro do Trigo, que o PÚBLICO consultou. A reclamação foi apresentada pelo proprietário do prédio situado nas traseiras do de Robles, chamado Alcaçarias do Mosteiro por nele existir, desde o século XII, uma fonte termal propriedade do Mosteiro de Alcobaça.

O vizinho queixa-se que a ampliação de um piso, conseguida com a transformação de um velho sótão em mansarda, tapa directamente cinco janelas, roubando-lhe vista para a rua e luz solar. Indirectamente são afectadas outras seis janelas nos pisos inferiores e um pequeno saguão que separa os dois prédios, que passam a receber ainda menos luz do sol.

Por outro lado, com o projecto aprovado na câmara, o edifício ampliado passa a ter um telhado de duas águas, uma virada ao Terreiro do Trigo e outra virada ao saguão das Alcaçarias do Mosteiro. Ora, alega o dono deste edifício, passa a cair mais água da chuva no saguão, que está construído por cima da Muralha Fernandina. “Poderá condenar o saguão das Alcaçarias a transformar-se num poço de água, profundo e escuro que impeça o seu acesso por vários períodos durante o ano e condene as paredes do piso térreo das Alcaçarias a infiltrações indesejadas que prejudicarão a estrutura de todo o edifício”, escreve o vizinho de Robles na reclamação enviada à câmara.

A autarquia responde em Setembro de 2017, com a obra no fim. As queixas motivaram duas acções: uma equipa de fiscalização urbanística foi ao local e não detectou “quaisquer incumprimentos” face ao projecto aprovado. A segunda démarche: como o vizinho desconfiava de que não teria havido um acompanhamento arqueológico prévio, a câmara mandou um email à Direcção-Geral do Património Cultural (DGPC) para confirmar. De lá veio a resposta de que sim, houve trabalho arqueológico antes e no decorrer das obras, como o PÚBLICO constatou no processo da DGPC.

Na resposta da Direcção Municipal do Urbanismo não há qualquer menção ao alerta sobre a água que pode cair no saguão das traseiras. Quanto à perda de luz solar (e, consequentemente, de salubridade), a autarquia não dá razão ao vizinho, sustentando-se na análise de um artigo do Regulamento Geral das Edificações Urbanas (RGEU) sobre a disposição de janelas – o mesmo artigo 73.º que o queixoso invocara para contestar a ampliação.

Diz-se que o processo mais recente que existe na câmara sobre as Alcaçarias data de 1946 e que, nessa data, o edifício está todo ocupado por escritórios à excepção das águas furtadas. “Não existe qualquer elemento referente a pedidos referentes à alteração dos usos das fracções referidos, (…), sendo segura a interpretação segundo a qual o uso de ‘serviços’ é válido no 1.º e 2.º andares”, lê-se na resposta. “Neste sentido, e considerando que o RGEU (…) refere concretamente ‘as janelas dos compartimentos de habitação’, e dado que as janelas em causa não servem compartimentos de habitação, mas sim de escritórios, à situação em apreço não é aplicável esta disposição legal”, conclui-se.

Apesar de, genericamente, a câmara não dar razão ao dono das Alcaçarias em nenhuma das suas dúvidas, também admite que não sabia da existência do saguão até a reclamação aparecer.

Áreas das casas não mudaram
O processo de obras no prédio de Ricardo Robles e da irmã entrou na câmara a 20 de Março de 2015. Na memória descritiva do projecto, do arquitecto Pedro Maurício Borges, lê-se que “a ampliação visa rentabilizar o investimento com mais um piso de construção” e que “a fachada da rua beneficia com a ampliação em altura do edifício, corrigindo uma cércea significativamente mais baixa do que a média desta frente”.

Nesse documento também se diz que “as habitações apresentam interiores com compartimentos de áreas inferiores a nove metros quadrados, na sua maioria”. Por isso, explica-se, “mantendo-se os usos existentes e destinando-se os fogos ao mercado de arrendamento, procurou-se optimizar as áreas de estar recorrendo a kitchenettes para não criar mais uma divisão”. As áreas dos fogos já existentes mantêm-se mais ou menos inalterados entre os 27 e os 38 metros quadrados, as dos novos oscilam entre os 40 e os 45.

Aprovado pela DGPC em Abril de 2015 e pelo vereador do Urbanismo, Manuel Salgado, em Junho do mesmo ano, o processo viria a ter aprovação finalíssima em Novembro, depois de entregues os projectos de especialidades. O alvará de obra foi emitido em Janeiro de 2016 e os trabalhos no local iniciaram-se pouco depois.

Em defesa de Catarina Martins, a burguesa

Deixem, por amor de Deus, Catarina Martins ser burguesa à vontade. A extrema esquerda só é perigosa quando é revolucionária, e só é revolucionária quando nada tem a perder.

João Miguel Tavares
2 de Agosto de 2018, 7:40

Também não vale a pena exagerar. Tanto foi o entusiasmo em torno do investimento imobiliário de Ricardo Robles, que de repente já há uma fila de gente a bater à porta dos negócios familiares de Catarina Martins, com ar indignado. Objectivo: provar que por trás de cada bloquista há um especulador clandestino, que utiliza o seu radicalismo pequeno burguês de fachada socialista para camuflar opíparos investimentos em alojamento local. Era giro que assim fosse, mas nada indica que assim é. Por isso, manda o rigor e os bons modos não confundir coisas, até para não dar razão àqueles que acham que todo este caso foi apenas uma manobra conspirativa da direita, para pôr em causa o brilhante trabalho do Bloco na luta contra aquela palavra que agora toda a gente usa e que me lembra sempre casas de repouso para a terceira idade: gentrificação.

O negócio do Ricardo nada tem a ver com o negócio da Catarina. Limitam-se ambos a arrendarem imóveis e a terem na carteira o cartão de militante do Bloco de Esquerda. Catarina Martins transformou uma casa dos pais do marido, mais uns palheiros abandonados na zona do Sabugal, num pequeno negócio de turismo rural. A empresa, na qual detém uma posição minoritária (apenas 4%), é gerida pelo marido e pelos sogros – o que até é bonito, e valoriza a importância da família tradicional, para alegria do CDS-PP. Na notícia do jornal online Eco, ficamos a saber que “a coordenadora do BE fundou a Logradouro Lda. com o marido há quase dez anos e foi sócia-gerente da empresa até final de 2009, altura em que assumiu funções como deputada em regime de exclusividade. Actualmente, a empresa explora quatro empreendimentos turísticos e uma unidade de alojamento local no concelho do Sabugal, distrito da Guarda.” Tudo certo.
A unidade de alojamento local é modesta (dois quartos e duas camas), e parece que a reconversão dos antigos palheiros para turismo recebeu 137,3 mil euros ao abrigo do QREN. Há gente que decidiu embirrar com isto tudo: com o negócio turístico de Catarina, com o facto de o Bloco não apreciar a União Europeia mas ela andar a usufruir de fundos europeus, com o ordenado que a Logradouro Lda. supostamente paga aos seus colaboradores, e até com o mau gosto das colchas das camas, segundo as fotos disponíveis no Airbnb. Pois bem: tirando a opinião sobre as colchas das camas, eu discordo de tudo. A senhora Catarina tem toda a legitimidade para ter um pequeno negócio familiar na província; isso em nada contradiz o seu discurso político; e quaisquer comparações entre apostar no turismo em Lisboa com um prédio comprado à Segurança Social ou investir em palheiros devolutos no Sabugal são absolutamente descabidas.

Mais do que isso: deixem, por amor de Deus, Catarina Martins ser burguesa à vontade. A extrema esquerda só é perigosa quando é revolucionária, e só é revolucionária quando nada tem a perder. Um vereador que acabou de investir um milhão de euros num prédio não quer uma revolução. Tal como não quer uma coordenadora do Bloco com casas a render na Beira Alta. A hipocrisia do Bloco deve ser denunciada, com certeza, mas deixem o partido aburguesar-se, que só lhe faz bem. O PCP é mais coerente – só que também é mais perigoso. Preocupa-me mais Miguel Tiago, que deixou o Parlamento com críticas à moderação do PCP, do que Ricardo Robles. Os protestos esquerdistas do Bloco são parte da coreografia do regime. Enquanto houver Sabugal, há democracia liberal. Negoceia, Catarina, negoceia.

As duas razões de Marcelo para vetar o direito de preferência. E as duas clarificações que exige
ECO
12:54
https://eco.pt/…/as-duas-razoes-de-marcelo-para-vetar-o-di…/

O Presidente considera que o diploma cria "problemas a potenciais inquilinos", já que "convida os proprietários de imóveis a querer tê-los sem inquilinos".
Marcelo Rebelo de Sousa vetou o decreto-lei que vinha reforçar o direito de preferência dos inquilinos em caso de venda do imóvel. O Presidente da República destacou “duas razões de fundo” que justificaram a sua decisão, considerando que este diploma vem “criar problemas a potenciais inquilinos”, já que “convida os proprietários de imóveis a querer tê-los sem inquilinos”. E pede duas clarificações por parte da Assembleia da República.

A justificar o veto estão estas duas razões:

“A primeira é a de, estando anunciada, ainda para esta legislatura, uma reponderação global do regime do arrendamento urbano, se estar a avançar com iniciativas pontuais, casuísticas, não inseridas naquela reponderação. Isto, sendo certo que já foi promulgada e entrou em vigor lei suspendendo o despejo de inquilinos habitacionais em situações de mais fragilidade”, aponta a nota da Presidência da República.
“A segunda é a de, querendo proteger-se a situação dos presentes inquilinos, poder estar a criar-se problemas a potenciais inquilinos, ou seja ao mercado de arrendamento no futuro, visto que se convida os proprietários de imóveis, designadamente os não constituídos em propriedade horizontal, a querer tê-los sem inquilinos, ou só com alojamento local, para os poderem vender mais facilmente, sem a desvalorização que uma ação de divisão de coisa comum em tribunal, anterior à constituição de propriedade horizontal, pode acarretar”, acrescenta.
Marcelo reconhece que o diploma “dá mais poderes aos inquilinos de prédios não constituídos em propriedade horizontal, pelo menos aos de maior capacidade económica”. Mas ressalva que todos os inquilinos – com ou sem propriedade horizontal já constituída – passam a poder preferir sem ter de esperar três anos sobre a entrada em vigor do seu contrato de arrendamento”.

Assim, o Presidente pede duas clarificações ao Parlamento:

“A primeira é sobre os critérios de avaliação da parte locada do imóvel não constituído em propriedade horizontal. Como o direito de preferência é exercido antes da ação de divisão de coisa comum ou de constituição de propriedade horizontal, em cujo título se especificaria o mencionado valor, pelo menos em termos de permilagem, conviria, porventura, esclarecer os critérios da determinação desse valor, matéria que desapareceu do texto no decurso do processo legislativo. E não se diga que o número 6º. do artigo 1091º. resolve esta questão, pois respeita à venda de todo o imóvel em conjunto com outros. Esse esclarecimento pouparia eventuais efeitos negativos em termos de litigiosidade judicial”.
“A segunda clarificação, mais importante, prende-se com o facto de, na sua versão submetida a promulgação, o diploma parecer aplicar-se quer ao arrendamento para habitação, quer ao arrendamento para outros fins, designadamente comerciais ou industriais”, pode ler-se na nota. Isto porque, para Marcelo, “a proteção do direito à habitação, justificação cimeira do novo regime legal, tem cabimento no caso de o arrendamento ser para tal uso, mas não se for para uso empresarial”.
O Bloco de Esquerda e o PCP já esclareceram que admitem fazer ajustes à lei, desde que esta mantenha a sua essência. O diploma só poderá analisado em setembro, depois de terminadas as férias parlamentares.


A lei, da autoria do Bloco de Esquerda, foi aprovada no Parlamento no mês passado. Este direito de preferência já está previsto na lei, mas o diploma vinha reforçá-lo, uma vez que clarificava que este direito existe mesmo que o edifício em causa não esteja constituído em propriedade horizontal. Isto é, mesmo que o edifício não esteja dividido em frações autónomas, registadas separadamente, os inquilinos têm direito de preferência sobre a fração em que habitam, caso o proprietário queira vendê-la ou caso queira vender um imóvel em bloco, como é o caso da Fidelidade.

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