Estudo com investigadora portuguesa evidencia a importância
das florestas no combate às alterações climáticas – mais do que outras
alternativas para capturar carbono da atmosfera. O ideal é gerir e preservar as
florestas, o que é crucial para evitar incêndios.
“A melhor opção é mesmo proteger as florestas, que “acumulam
mais carbono no longo prazo” e exigem menos transformações do solo.”
“É ter uma floresta gerida de forma a recolher os resíduos
para queimar nas tais centrais e produzir energia”, explica a investigadora. O
que seria uma fonte de benefícios: “A gestão das florestas para produção de
bioenergia, por exemplo, compensaria a emissão de combustíveis fósseis e, além
disso, preveniria a ocorrência de incêndios desta magnitude como acontece em
Portugal, já que são recolhidos os resíduos florestais.”
“Pegada de carbono gigantesca”
“As florestas são o maior reservatório de carbono activo que
temos”, mas quando ardem tornam-se parte do inimigo: “Quando há incêndios, esse
reservatório é emitido directamente para a atmosfera”, explica a investigadora.
“Quando deixamos que estes incêndios aconteçam, estamos a ter uma pegada de
carbono gigantesca a nível nacional. É a biodiversidade, é a vida das pessoas,
mas é também o impacto que temos no ciclo de carbono e a contribuição para as
alterações climáticas.”
Ana Bastos
PRÉ-PUBLICAÇÃO
Os arquitectos da eucaliptização de
Portugal
João Camargo, investigador em alterações climáticas, e Paulo
Pimenta de Castro, engenheiro silvicutor e presidente da Acréscimo - Associação
de Promoção ao Investimento Florestal, traçam as ligações entre política,
indústria das celuloses e academia. O livro Portugal em Chamas - Como Resgatar
as Florestas será lançado no dia 13 de Junho, na Feira do Livro de Lisboa, e no
dia 16, em Pedrógão Grande.
JOÃO CAMARGO e PAULO PIMENTA DE CASTRO 10 de Junho de 2018,
8:59
Embora seja amplo o número de representantes das celuloses
em cargos de governação, há figuras com destaque como Álvaro Barreto, Jorge
Godinho ou Luís Todo Bom. Mas poucos têm papéis tão evidentes e claros na
definição da arquitectura das políticas públicas florestais em momentos-chave
como João Manuel Soares.
Se hoje é na imprensa que João Manuel Soares cumpre a sua
missão, durante a maior parte das últimas três décadas esteve entre o governo e
o grupo Navigator (Portucel-Soporcel), organizando de um lado a
disponibilização do território nacional para a eucaliptização e, do outro,
executando essa eucaliptização.
Até ao fim dos anos 80, Soares esteve na Administração
Pública, passando pela chefia da Divisão de Estudos Económicos do Instituto dos
Produtos Florestais até chegar à sua direcção e presidência, em 1985 e 1988. No
exercício destas últimas funções terá tido um papel importante no Programa de
Acção Florestal. Enquanto desempenhava cargos no Estado, participou no Comité
da Madeira da Comissão Económica para a Europa, na Comissão Europeia para as
Florestas, das Nações Unidas, no Comité Consultivo do Sector das Madeiras da
Comissão das Comunidades Europeias. O Instituto dos Produtos Florestais,
entidade de regulação económica, seria extinto em 1989, ocupando nessa altura
João Manuel Soares o lugar cimeiro na Direcção-Geral das Florestas. Foi chamado
para a chefia da Direcção-Geral pelo então ministro da Agricultura, Álvaro
Barreto, designado por Soares como o “meu último patrão público e o meu
«primeiro patrão privado». Em 1988 elaborou o “Pacote Florestal”, com a
primeira legislação para a plantação de espécies de crescimento rápido, isto é,
eucaliptos. No período de entrada de Portugal para a CEE, estava no sítio
certo. Em 1990 entra para a Portucel. Álvaro Barreto sairia também do governo
nessa altura, directamente para a Presidência do Conselho de Administração da
empresa de celulose.
No sector florestal, Soares actuou tanto nas áreas técnicas
como políticas. Entre 1997 e 1998 participou na elaboração do Livro Verde da
Cooperação Ensino Superior/Empresa. A nível internacional, foi vice-presidente
e depois presidente do Comité Florestal da Confederação Europeia da Indústria
Papeleira, entrando por essa via no Comité Consultivo da Floresta e da Cortiça
da Direcção-Geral de Agricultura da Comissão Europeia. Mais tarde seria um dos
fundadores do BCSD Portugal — Conselho Empresarial para o Desenvolvimento
Sustentável.
Após os incêndios florestais de 2003 (os maiores de sempre,
até 2017), foi chamado por Armando Sevinate Pinto, ministro da Agricultura,
para ocupar o cargo de secretário de Estado das Florestas no XV Governo
Constitucional, tendo exercido funções entre Outubro de 2003 e Julho de 2004,
saindo com a demissão do primeiro-ministro Durão Barroso. Durante o seu
mandato, e como urgência, foi feita nova “reforma florestal”, criado um novo
quadro para o Sistema Nacional de Prevenção e Protecção da Floresta contra
Incêndios, o Fundo Florestal Permanente e a Agência para a Prevenção de
Incêndios Florestais. Soares tentou ainda fundir o Instituto de Conservação da
Natureza com a Direcção-Geral dos Recursos Florestais para retirar competências
à primeira entidade no licenciamento de plantações florestais. Esta proposta só
viria a passar em 2011, sob a ministra Assunção Cristas.
Acabado o mandato, saiu do Estado para a Portucel-Soporcel,
enquanto o seu “último patrão público”, Álvaro Barreto, saiu da presidência da
Portucel-Soporcel para ser ministro da Agricultura de Santana Lopes. João
Manuel Soares voltou para as celuloses, tendo exercido, ao longo de mais de 20
anos, funções de direcção e administração em várias empresas: Emporsil,
Soporcel, Raiz, Portucel e Portucel-Soporcel. Entre 2009 e 2014 foi cooptado
para ser Presidente do Conselho de Escola do Instituto Superior de Agronomia. O
tom agressivo com que tem opinado nos tempos mais recentes parece ser sinal de
decrescente capacidade de influência nos corredores do Poder.
No entanto, num processo de ascensão para a posição de
arquitecto está Tiago Martins Oliveira, actualmente no exercício de um cargo
equiparado ao de secretário de Estado. Doutorado em Engenharia Florestal, este
quadro da The Navigator Company preside à recém-criada Estrutura de Missão para
a instalação do Sistema de Gestão Integrada de Fogos Rurais. Não é a primeira
vez que este quadro das celuloses participa em governos. Pela mão de João
Manuel Soares, Tiago Oliveira ingressou no governo de Durão Barroso como
adjunto do secretário de Estado das Florestas. Já em 2005 entrou como assessor
no gabinete de Jaime Silva, ministro da Agricultura de José Sócrates. Na
altura, foi um dos técnicos que elaboraram o Plano Nacional de Defesa da
Floresta contra Incêndios. Veio das celuloses, regressou às celuloses. Doze
anos depois é novamente chamado ao exercício de funções públicas, por António
Costa, primeiro-ministro. No discurso de Tiago Oliveira não há
responsabilização de espécies nos incêndios em floresta. A responsabilidade
deixa-a à gestão, ou à falta dela. É um discurso recorrente e incompleto, alimentando
uma narrativa que vem de ainda antes de João Manuel Soares. Nunca se debruça
sobre os condicionalismos à gestão, ao rendimento que a possa suportar. Claro,
isso seria pôr em xeque a sua origem (e eventual futuro) profissional. Não é,
pois, de estranhar a sua análise tecnicista, mas incompleta, na abordagem da
problemática dos incêndios e, sobretudo, das florestas e do meio rural. Apesar
disso, é sempre difícil negar a natureza do eucalipto, como o próprio Tiago
Oliveira faz: “Trata-se de uma espécie florestal que reage bem ao fogo. Aquilo
é uma árvore. Não pode ser considerada a culpada. Está a reagir ecologicamente
àquilo que ela sabe fazer: está a regenerar, a sair das cinzas e a entrar no
verde.” Há claras linhas vermelhas na sua intervenção em funções públicas,
designadamente as que possam pôr em causa interesses da indústria da celulose.
A abordagem da questão florestal através dos incêndios é um exercício perdedor,
como tentar melhorar os resultados de uma equipa de futebol focando-se só no guarda-redes
ou tentar controlar uma infecção apenas com antipiréticos. Pode controlar
surtos febris, mas não controla a infecção. Dificilmente Tiago Oliveira terá
sucesso na abordagem ao problema sem se imiscuir nas suas causas. Mas as causas
estão para lá da linha vermelha da sua intervenção em funções públicas.
Em comum, para além do exercício de funções no mesmo grupo
empresarial ligado à produção de celulose, João Manuel Soares e Tiago Martins
Oliveira protagonizaram-se também enquanto subscritores, em 2011, de um
manifesto pela floresta contra a crise. Nesse manifesto, subscrito entre outras
personalidades pelo ex-Presidente da República Jorge Sampaio, era apontado o
valor “simplificado” da perda de mais de mil milhões de euros por ano devido
aos incêndios florestais em Portugal. Os “arquitectos” colocam-se sempre nos
locais estratégicos para estancar que as questões possam ser levadas até às
últimas consequências: será que ao volume anual bruto do negócio das celuloses
em Portugal não haveria que descontar este encargo social, para a determinação
do seu valor líquido para a Sociedade?
O “cimento”
O modelo é conhecido. Para desenvolver as vendas da
indústria farmacêutica, houve/há que influenciar o ensino e a investigação nas
Faculdades de Medicina. Para cimentar a sua influência mediática e política,
foi imprescindível às celuloses intervir directamente na academia, o que foi
naturalmente facilitado pelo desinvestimento crescente no Ensino Superior e na
Investigação. Não é por isso de estranhar a existência de uma sala
“Portucel-Soporcel” no Instituto Superior de Agronomia ou de um “Laboratório
Celtejo” na Universidade da Beira Interior. O nível de articulação entre uma
parte da academia portuguesa e a indústria das celuloses é relevante, como
podemos reparar no Instituto Raiz, de Investigação da Floresta e Papel,
iniciativa financiada pela The Navigator Company, que tem como parceiros a
Universidade de Coimbra, a Universidade de Aveiro ou o Instituto Superior de
Agronomia, ou no desenvolvimento de programas de ensino e formação conjuntos de
universidades e empresas como o Programa Doutoral em Biorrefinarias da
Universidade de Aveiro, Universidade de Coimbra, The Navigator Company e CELBI.
A ideia de que a empregabilidade e a inovação só podem ser
conseguidas através da estrita ligação entre as universidades e a indústria
alimenta a desuniversalização das universidades e a perda, em muitos casos, de
sentido crítico. A entrega do sentido da investigação e do estudo à orientação
de um determinado sector industrial reduz o conhecimento à técnica a aplicar em
determinados processos, amputando alternativas, privando alunos e
investigadores de amplitude e de múltiplas perspectivas. Infelizmente esta
privatização encapotada do ensino superior público é muitas vezes levantada
como bandeira pelos governos e celebrada. Assim tem sido com as celuloses.
Devem ainda chamar-nos particular atenção os “laboratórios
colaborativos”, a nova maneira de o Estado patrocinar a ciência. Como exemplo
acabado da porta aberta para entrega da Ciência à técnica, o Laboratório
Colaborativo para a Gestão Integrada da Floresta e do Fogo “ForestWise”, que
receberá financiamento público para estudar as dinâmicas da floresta e dos
incêndios. Os parceiros deste laboratório de investigação? O INESC-TEC, o
Instituto Superior de Agronomia, a Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro,
as Universidades de Évora, Coimbra e Aveiro, o Instituto Nacional de
Investigação Agrária e Veterinária, o Instituto Português do Mar e da
Atmosfera, a EDP, a REN, a Sonae Arauco, a Corticeira Amorim, a Europac, a
Altri Florestal e a The Navigator Company. O lançamento do laboratório teve
total pompa e circunstância, com a presença de Tiago Oliveira Martins,
presidente da Estrutura de Missão para o Sistema de Gestão Integrada de Fogos
Rurais, de Capoulas Santos, ministro da Agricultura e até do primeiro-ministro,
António Costa.
No entanto, nenhuma porta fica por explorar. A Liga para a
Protecção da Natureza, mais antiga organização ambientalista de Portugal, que
teve entre as principais campanhas da sua história a oposição à eucaliptização
do país, recebeu recentemente o patrocínio da The Navigator Company num Jantar
de Gala e tem prevista uma parceria com a empresa de celulose a nível da
Educação Ambiental, “no âmbito da promoção da floresta sustentável”. A inclusão
de um dos principais arquitectos da eucaliptização de Portugal, João Manuel
Soares, numa das listas para a direcção da organização parece, no entanto, ter
sido a gota de água, tendo surgido, pela primeira vez na sua história, duas
listas de oposição.
Participando em todas as fases de concepção da “obra”, as
celuloses conseguiram levantar o frágil edifício do engano, fazendo
curto-circuitar os processos de escrutínio democrático, político, científico,
mediático e social à sua actividade. Como se viu depois dos incêndios de 2017.
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