quarta-feira, 1 de agosto de 2018

Oito avanços e recuos do Bloco de Esquerda sobre a polémica de Ricardo Robles / Catarina Martins assume "erro de análise da direcção" do BE sobre caso de Robles / A queixa dos vizinhos de Robles

Oito avanços e recuos do Bloco de Esquerda sobre a polémica de Ricardo Robles
Marta Santos Silva
15:29

As notícias tinham "mentiras", mas afinal segurar Robles foi "erro de cálculo". Entre sexta e terça-feira muito mudou na posição dos bloquistas em relação ao vereador. Relembre o dito e o desdito.

A controvérsia começou na sexta-feira, com a edição semanal do Jornal Económico a apontar a Ricardo Robles, vereador do Bloco na Câmara de Lisboa e defensor acérrimo de políticas contra a especulação imobiliária, o facto de ele próprio ter participado na compra de um imóvel que foi posteriormente posto à venda por um valor muito superior — em caso de venda, o lucro ultrapassaria os quatro milhões de euros.

Atropelaram-se as reações à notícia, desde logo do próprio vereador, que afirmava ter feito tudo de acordo com a lei e também com os seus princípios. O PSD pediu que Robles se demitisse, mas o Bloco tardou a pronunciar-se, e quando o fez foi aos avanços e recuos. Recorde, cronologicamente, o que foi dito e retirado sobre o negócio imobiliário de Ricardo Robles.

Inicialmente, após a notícia ter sido divulgada, o Bloco de Esquerda optou por não se pronunciar. Questionado pelo ECO, um porta-voz do partido rejeitou fazer declarações “para já”, nessa manhã, já que se antecipava uma conferência de imprensa de Ricardo Robles ao final da tarde.

No entanto, Catarina Martins partilhou no Twitter a defesa de Ricardo Robles nessa rede social. Pedro Filipe Soares e Jorge Costa fizeram o mesmo.

Tarde de sexta: Robles anuncia que não se demite
Numa conferência de imprensa ao final do dia, o vereador do Bloco defendeu-se da notícia do Jornal Económico contando a história da aquisição, anúncio de venda e retirada de venda do edifício em Alfama que estava em causa. Ricardo Robles afirmou que o edifício fora comprado para a sua irmã viver em Lisboa e quando ela decidiu permanecer no estrangeiro foi decidido vender. E assegurou: “É falso que tenha havido qualquer despejo e considero que procedi de forma exemplar. Não há nada de reprovável na minha conduta”, afirmou.

Noite de sexta: Direção do Bloco ao lado de Robles
À noite, a direção do Bloco de Esquerda reuniu-se para discutir a situação. Da reunião saiu um comunicado enviado às redações no qual os dirigentes do partido também defendiam o seu vereador. O negócio noticiado, assinalava o comunicado, “em nada diminui a sua legitimidade na defesa das políticas públicas que tem proposto e que continuará a propor”.

"Face à notícia hoje publicada pelo Jornal Económico sob o título “Vereador do Bloco ganha milhões com prédio em Alfama” e face ao esclarecimento público já feito por Ricardo Robles, o Bloco de Esquerda sublinha que 1) é falsa a realização de qualquer venda; 2) enquanto coproprietário de um imóvel, Ricardo Robles manteve com todos os seus inquilinos uma relação inteiramente correta, assegurando os direitos de todos. Assim, a conduta do vereador Ricardo Robles em nada diminui a sua legitimidade na defesa das políticas públicas que tem proposto e continuará a propor.”

Comissão política do Bloco de Esquerda
Minuta da reunião de 27 de julho

O mesmo comunicado referia ainda que o prédio não tinha sido vendido, e que Robles “manteve com todos os seus inquilinos uma relação inteiramente correta, assegurando os direitos de todos”.

Manhã de sábado: Houve “mentiras” nas notícias
Catarina Martins fazia finca-pé na manhã do dia seguinte ao estalar da polémica, defendendo Ricardo Robles, que nada fizera “de errado”, e acusando os jornais de terem publicado “mentiras”, já que o prédio não tinha sido vendido e, por isso, não se trataria de especulação imobiliária. A coordenadora do Bloco de Esquerda afirmou ainda que o partido estava a ser vítima de uma perseguição política.

Segunda: Fazenda contra Robles, mas com voto a favor
Na manhã de segunda-feira, foi publicada no i uma entrevista em que o cofundador do Bloco de Esquerda Luís Fazenda defendia que o Bloco de Esquerda “não mudou de ideias nem de políticas”, mas que a atuação de Ricardo Robles no seu negócio de Alfama representava “circunstâncias que, no Bloco de Esquerda, nós condenamos e que levam à gentrificação”. “As avaliações que faremos vão ter em conta as várias opções e a forma como este processo foi entendido”, disse, acrescentando que o Bloco de Esquerda teria de “tirar conclusões”.

Ao fim do dia, porém, o Diário de Notícias noticiava que na reunião do Bloco na sexta-feira à noite Fazenda tinha apoiado a moção de apoio a Robles. Houve dois votos contra, escrevia o jornal, mas nenhum foi desse cofundador que se mostrou aparentemente crítico da decisão de apoiar o vereador.

Tarde de segunda: Torna-se pública a demissão de Robles
Ricardo Robles comunicou a Catarina Martins que afinal se demitiria dos seus cargos no partido no domingo à noite, mas a decisão só foi divulgada ao público a meio do dia de segunda-feira, com uma nota publicada no site do partido, o Esquerda.net.

"Uma opção privada, forçada por constrangimentos familiares que expliquei e no respeito pelas regras legais, revelou-se um problema político real e criou um enorme constrangimento à minha intervenção como vereador. Esta é uma decisão pessoal que tomo com o objetivo de criar as melhores condições para o prosseguimento da luta do Bloco pelo direito à cidade.”

Ricardo Robles
Esquerda.net

Tarde de terça: Decisão foi necessária devido ao “ruído criado”
À saída de uma audiência com o Presidente da República, na tarde de terça-feira e já após a demissão de Ricardo Robles, Catarina Martins referiu-se à demissão como um passo que era necessário, porque “as circunstâncias demonstraram que se tornava muito difícil” manter Robles na função.

Continuou, porém, a falar de notícias falsas. “Quando se compreendeu que, face ao ruído criado, de mistura entre notícias verdadeiras, legítimas, de escrutínio dos titulares dos cargos políticos, e notícias falsas, com agendas políticas determinadas de ataque ao Bloco, se tornava difícil o esclarecimento do que precisava de ser esclarecido e as explicações que precisam de ser dadas face à perplexidade que a situação criou, o Ricardo fez também o que eu acho ser exemplar, protegeu o partido, pedindo a sua demissão”, disse.

Noite de terça: Segurar Robles foi “erro de análise”
Na noite de terça-feira, Catarina Martins reconheceu “o erro de análise” que considera ter havido ao apoiar Ricardo Robles perante as dificuldades que se criavam à sua permanência no lugar, numa entrevista na RTP. “É preciso compreender também – e essa parte cabe-me a mim assumir – que houve um erro de análise da direção política do BE e esse deve ser assumido também”, disse Catarina Martins.

A coordenadora do Bloco de Esquerda afirmou que “a contradição era grande”, entre as ações noticiadas e o discurso político, “porque, de facto, não foi possível explicar e porque isso criava um entrave quotidiano no trabalho do próprio Ricardo na autarquia”. Assim, a demissão era a melhor solução.
                                                            

 Catarina Martins assume "erro de análise da direcção" do BE sobre caso de Robles

Líder do Bloco afirma que "houve uma interpretação abusiva" das declarações de Luís Fazenda e garante que este mantém uma "posição solidária" para com a direcção.

LUSA e PÚBLICO 31 de Julho de 2018, 23:58

A coordenadora bloquista, Catarina Martins, assumiu nesta terça-feira que "houve um erro de análise da direcção política do BE" sobre o caso de Ricardo Robles, uma vez que a contradição criaria um "entrave quotidiano" ao trabalho como vereador em Lisboa.

Em entrevista à RTP3 esta noite, Catarina Martins foi questionada sobre o caso de Ricardo Robles, que renunciou segunda-feira ao lugar de vereador da Câmara de Lisboa na sequência de uma notícia segundo a qual, em 2014, o autarca adquiriu um prédio em Alfama por 347 mil euros, que foi reabilitado e posto à venda em 2017, por 5,7 milhões de euros, para alojamento local.

"É preciso compreender também - e essa parte cabe-me a mim assumir - que houve um erro de análise da direcção política do BE e esse deve ser assumido também", admitiu a líder bloquista. De acordo com Catarina Martins, "reconhecendo o erro" de ter havido intenção de vender o imóvel, mas também tendo em conta o "trabalho extraordinário" desenvolvido por Ricardo Robles como vereador, a direcção do partido entendeu que "o essencial era que ele prestasse todos os esclarecimentos e que isso seria condição para ele manter o seu trabalho".

"Esse revelou-se um erro de análise e cabe-me a mim reconhecê-lo, porque, de facto, a contradição era grande, porque de facto não foi possível explicar e porque isso criava um entrave quotidiano no trabalho do próprio Ricardo na autarquia", assumiu.

A avaliação que a direcção do BE fez na sexta-feira em que o caso foi conhecido foi de que "esse erro deveria ser explicado porque já tinha sido travado" e que Ricardo Robles "se tinha comportado de uma forma irrepreensível com os seus inquilinos, não tinha usufruído do seu cargo para a sua vida particular e tinha travado o negócio que era contrário" aquilo que é defendido pelo partido.

Numa nota enviada à agência Lusa na noite de sexta-feira, a comissão política do BE defendeu que a conduta do até então vereador "em nada" diminuía a sua legitimidade na defesa das políticas públicas que tinha proposto e que continuaria a propor.

Questionada sobre quando tinha tido conhecimento deste imóvel, Catarina Martins respondeu que nunca tinha falado sobre este tema com Ricardo Robles e que não sabia desta situação.

Para a líder bloquista, "é verdade que havia explicações para dar e não havia condições para as dar", mantendo "a indignação com notícias falsas" que surgiram - apesar do "enorme respeito pelo jornalismo de investigação e pelo escrutínio -, atribuindo-as "a uma agenda política".

"Temos tido uma direita que, não tendo programa político, tem vivido de casos. Vive de criar casos. E o problema não é o Ricardo Robles, o problema não é o Bloco, o problema é uma direita que precisa desses casos e é também um ataque que essa direita faz", acusou.

Catarina Martins foi peremptória: "Tenho a certeza de que há muitos interesses que se movem para adiar o máximo possível a entrada em vigor da lei que altera o direito de preferência dando mais poderes aos inquilinos".

Sobre a questão interna do partido e questionada sobre as declarações do fundador do BE Luís Fazenda, que na segunda-feira afirmou ao jornal i que seria necessário "tirar conclusões" de uma situação que é condenável do ponto de vista dos bloquistas, a líder bloquista considerou que "houve uma interpretação abusiva" destas declarações, uma vez que o dirigente "tem tido, como toda a direcção, uma posição solidária, de debate muito franco".

"Tendo nós opiniões diferentes, os comunicados foram aprovados por 90% da Comissão Política do BE. Existe uma moção minoritária do BE que tem sido, de uma forma coerente, contra os acordos. A sua posição foi coerente com a posição que tem feito sempre", explicou.

Já em relação à posição assumida pelo secretário-geral do PCP, Jerónimo de Sousa, que garantiu ter a "consciência tranquila" com a sua forma de fazer política, sem se servir a si próprio, ao comentar os riscos de casos como o do bloquista Ricardo Robles, Catarina Martins disse apenas: "Estou certa que essa frase é absolutamente verdadeira, como sei que Jerónimo de Sousa sabe que também se aplica aos dirigentes do BE".




A queixa dos vizinhos de Robles

A família do prédio das traseiras, histórico, apresentou queixa contra as obras de Ricardo Robles em Alfama. Câmara respondeu negativamente, defendendo a requalificação. Zona é histórica e muito sensível.

Carlos Ferro

O quarteirão de Alfama de que se fala esta semana, que vai do Largo do Chafariz de dentro ao Beco dos Cortumes, terminando no Largo das Alcaçarias tem muita história. E, como acontece por todo o bairro, quando há uma nova construção, há sempre intervenções que acabam por interferir nos prédios adjacentes. Até por causa da malha apertada destas casas muitas delas com mais de 500 anos, e algumas com a idade de Lisboa cristã.

É o caso da casa que motivou a queixa contra as obras que o agora ex-vereador do Bloco de Esquerda na Câmara de Lisboa, Ricardo Robles, fez no prédio que provocou polémica . A queixa a que o DN teve acesso foi feita pelos donos do edifício das Alcaçarias do Mosteiro, contíguo, pelas traseiras, com o prédio de Robles - do qual está separado pela Muralha Fernandina e um saguão com um poço centenário que é testemunha do tempo em que o bairro era marcado pela água.

Os donos do prédio queixaram-se que o levantamento de mais um andar completo, a construção de chaminés, o telhado de duas águas - em vez de uma, como era o original - e a construção sobre a Muralha Fernandina prejudicavam a sua propriedade. Houve reuniões com o então deputado municipal - Ricardo Robles apareceu sempre sozinho e se apresentou como o "dono" do projeto - que não deram em nada. Seguiu-se uma queixa à Câmara com pedido de embargo das obras, suspensão dos trabalhos e a reapreciação da decisão que dera origem ao alvará das obras de ampliação do edifício.

Mas as obras acabaram por não ser embargadas e a CML deu razão a Ricardo Robles - que era então deputado municipal pelo Bloco de Esquerda. A resposta da direção municipal de urbanismo chegou em cinco páginas (frente e verso) e, quase ponto por ponto, os técnicos tentam "desmontar" os argumentos apresentados na reclamação. Segundo a Câmara, apesar das queixas, as obras de reabilitação cumpriram o Plano de Urbanização do Núcleo Histórico de Alfama e Colina do Castelo, e foram, por isso, autorizadas pelos serviços da Câmara Municipal de Lisboa e pela Direção-Geral do Património Cultural.

O andar a mais foi construído, o telhado alterado e o prédio das Alcaçarias do Mosteiro - histórico, datado do século XII, que servia de banhos do Mosteiro de Alcobaça - ficou mais às escuras e sem vista para a Rua do Terreiro do Trigo e para o Tejo, como tinha, através de um pequeno terraço. E, segundo os proprietários, sem respiração de ar no logradouro centenário, nem no armazém do rés-do-chão, tendo ainda o perigo de cheia, uma vez que o telhado que o edifício de Robles passou a escorrer a água da chuva diretamente para o logradouro - que fica à quota do Tejo.

Os proprietários não recorreram da decisão - o DN sabe que consideravam que o processo iria ser longo.

Os proprietários não recorreram da decisão - o DN sabe que consideravam que o processo iria ser longo, apesar de os próprios não terem prestado declarações. A carta da Direção Municipal de Urbanismo onde é comunicado que não tinha sido detetado "nenhum incumprimento" tem a data de 22 de setembro de 2017, mais de um ano depois da entrega da queixa: 15 de julho de 2016.

No entanto, é a própria CML a referir que não conhecia todos os dados de alguns dos nove pontos da queixa. Nomeadamente, não conhecia a existência de um pequeno saguão nas traseiras, para onde dão as janelas do edifício histórico e que dista apenas 2,30 metros do edifício de Robles. Segundo a queixa, Robles teria escrito no projeto que os edifícios à volta eram pertença da CML, o que não é verdade.

Além disso, o documento faz referência ao acompanhamento por parte da Direção-geral do Património Cultural aos trabalhos de reabilitação do prédio, referindo um mail que não anexa. Este é um ponto importante, pois tratando-se de um edifício histórico, e estando em cima da muralha fernandina "deviam ser previstos trabalhos arqueológicos anteriores". Não foram, mas, apesar disso, a autorização para as obras foi dada, "condicionada" ao acompanhamento. O que foi feito, segundo o documento, sem levantar "questões quanto ao desrespeito pela sua integridade material e patrimonial".

No documento, aprovado pelo diretor municipal Jorge Catarino Tavares é explicado que a DGPC tinha aprovado o projeto por este promover a "reabilitação funcional do imóvel, incluindo uma ampliação, devidamente enquadrada na frente de rua, de elevada importância no contexto de bens imóveis classificados". No entanto, considerou "insuficiente o projeto [de execução da obra] per si devido à sensibilidade patrimonial do local a intervencionar, remetendo para um controlo ulterior a desenvolver-se a partir de relatório arqueológico".

Na contestação à questão do andar que foi reconstruído, é referida na resposta da Câmara que a ampliação em altura está prevista no Plano de Urbanização do Núcleo Histórico de Alfama e Colina do Castelo e que o dono da obra aproveitou um espaço já existente - o sotão - e sem condições de habitabilidade, e o transformou num piso "amansardado, com um pé direito regulamentar e condições de iluminação e ventilação adequadas aos atuais padrões de exigência" - esta questão, da mansarda, tem sido muito polémica entre os puristas que consideram que a tradição de Lisboa manda construir aguas furtadas e não esta versão, "afrancesada".

A CML não dá resposta sobre as águas que passaram a cair no logradouro, nem sobre as novas chaminés.

Em relação às chaminés, a autarquia remete para a responsabilidade dos técnicos do projeto de arquitetura e os de especialidade, mas frisa que há "ambiguidades, ou omissão, na representação nos desenhos, que corresponde a factos desenvolvidos na reclamação". Embora, tenham sido fiscalizadas pela Divisão de Uniformização e Fiscalização Urbanística e a DGPC não tendo sido "detetados quaisquer incumprimentos". Por isso o documento foi colocado à consideração do diretor municipal que o aprovou.

A CML também não dá respostas quanto às consequências da mudança do escoamento das águas no telhado - para fora da muralha e, agora, para dentro da muralha e do saguão, em baixo.

PSD quer ver queixas
Esta queixa é um dos exemplos de documentos que os vereadores do PSD na Assembleia Municipal de Lisboa querem ver para verificar todo o processo de licenciamento das obras de reabilitação do edifício que o agora ex-vereador do Bloco de Esquerda comprou, em Alfama, por 347 mil euros, num leilão do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social. As obras terão custado mais 640 mil euros.

Toda a polémica acabaria por motivar a demissão de Robles, nesta segunda-feira. O requerimento do PSD para ter acesso a todo o processo foi entregue esta segunda-feira, como disse ao DN Paulo Ribeiro (presidente da concelhia do partido), e tem como objetivo a análise da forma como decorreu o licenciamento e se houve queixas por parte de "terceiros" quanto às obras como frisou o dirigente partidário.

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