Líder do Bloco afirma que "houve uma interpretação
abusiva" das declarações de Luís Fazenda e garante que este mantém uma
"posição solidária" para com a direcção.
LUSA e PÚBLICO 31 de Julho de 2018, 23:58
A coordenadora bloquista, Catarina Martins, assumiu nesta
terça-feira que "houve um erro de análise da direcção política do BE"
sobre o caso de Ricardo Robles, uma vez que a contradição criaria um
"entrave quotidiano" ao trabalho como vereador em Lisboa.
Em entrevista à RTP3 esta noite, Catarina Martins foi
questionada sobre o caso de Ricardo Robles, que renunciou segunda-feira ao
lugar de vereador da Câmara de Lisboa na sequência de uma notícia segundo a
qual, em 2014, o autarca adquiriu um prédio em Alfama por 347 mil euros, que foi
reabilitado e posto à venda em 2017, por 5,7 milhões de euros, para alojamento
local.
"É preciso compreender também - e essa parte cabe-me a
mim assumir - que houve um erro de análise da direcção política do BE e esse
deve ser assumido também", admitiu a líder bloquista. De acordo com
Catarina Martins, "reconhecendo o erro" de ter havido intenção de
vender o imóvel, mas também tendo em conta o "trabalho
extraordinário" desenvolvido por Ricardo Robles como vereador, a direcção
do partido entendeu que "o essencial era que ele prestasse todos os
esclarecimentos e que isso seria condição para ele manter o seu trabalho".
"Esse revelou-se um erro de análise e cabe-me a mim
reconhecê-lo, porque, de facto, a contradição era grande, porque de facto não
foi possível explicar e porque isso criava um entrave quotidiano no trabalho do
próprio Ricardo na autarquia", assumiu.
A avaliação que a direcção do BE fez na sexta-feira em que o
caso foi conhecido foi de que "esse erro deveria ser explicado porque já
tinha sido travado" e que Ricardo Robles "se tinha comportado de uma
forma irrepreensível com os seus inquilinos, não tinha usufruído do seu cargo
para a sua vida particular e tinha travado o negócio que era contrário"
aquilo que é defendido pelo partido.
Numa nota enviada à agência Lusa na noite de sexta-feira, a
comissão política do BE defendeu que a conduta do até então vereador "em
nada" diminuía a sua legitimidade na defesa das políticas públicas que
tinha proposto e que continuaria a propor.
Questionada sobre quando tinha tido conhecimento deste
imóvel, Catarina Martins respondeu que nunca tinha falado sobre este tema com
Ricardo Robles e que não sabia desta situação.
Para a líder bloquista, "é verdade que havia
explicações para dar e não havia condições para as dar", mantendo "a
indignação com notícias falsas" que surgiram - apesar do "enorme
respeito pelo jornalismo de investigação e pelo escrutínio -, atribuindo-as
"a uma agenda política".
"Temos tido uma direita que, não tendo programa
político, tem vivido de casos. Vive de criar casos. E o problema não é o
Ricardo Robles, o problema não é o Bloco, o problema é uma direita que precisa
desses casos e é também um ataque que essa direita faz", acusou.
Catarina Martins foi peremptória: "Tenho a certeza de
que há muitos interesses que se movem para adiar o máximo possível a entrada em
vigor da lei que altera o direito de preferência dando mais poderes aos
inquilinos".
Sobre a questão interna do partido e questionada sobre as
declarações do fundador do BE Luís Fazenda, que na segunda-feira afirmou ao
jornal i que seria necessário "tirar conclusões" de uma situação que
é condenável do ponto de vista dos bloquistas, a líder bloquista considerou que
"houve uma interpretação abusiva" destas declarações, uma vez que o
dirigente "tem tido, como toda a direcção, uma posição solidária, de
debate muito franco".
"Tendo nós opiniões diferentes, os comunicados foram
aprovados por 90% da Comissão Política do BE. Existe uma moção minoritária do
BE que tem sido, de uma forma coerente, contra os acordos. A sua posição foi
coerente com a posição que tem feito sempre", explicou.
Já em relação à posição assumida pelo secretário-geral do
PCP, Jerónimo de Sousa, que garantiu ter a "consciência tranquila"
com a sua forma de fazer política, sem se servir a si próprio, ao comentar os
riscos de casos como o do bloquista Ricardo Robles, Catarina Martins disse
apenas: "Estou certa que essa frase é absolutamente verdadeira, como sei
que Jerónimo de Sousa sabe que também se aplica aos dirigentes do BE".
A queixa dos vizinhos de Robles
A família do prédio das traseiras, histórico, apresentou
queixa contra as obras de Ricardo Robles em Alfama. Câmara respondeu
negativamente, defendendo a requalificação. Zona é histórica e muito sensível.
Carlos Ferro
O quarteirão de Alfama de que se fala esta semana, que vai
do Largo do Chafariz de dentro ao Beco dos Cortumes, terminando no Largo das
Alcaçarias tem muita história. E, como acontece por todo o bairro, quando há
uma nova construção, há sempre intervenções que acabam por interferir nos
prédios adjacentes. Até por causa da malha apertada destas casas muitas delas
com mais de 500 anos, e algumas com a idade de Lisboa cristã.
É o caso da casa que motivou a queixa contra as obras que o
agora ex-vereador do Bloco de Esquerda na Câmara de Lisboa, Ricardo Robles, fez
no prédio que provocou polémica . A queixa a que o DN teve acesso foi feita
pelos donos do edifício das Alcaçarias do Mosteiro, contíguo, pelas traseiras,
com o prédio de Robles - do qual está separado pela Muralha Fernandina e um
saguão com um poço centenário que é testemunha do tempo em que o bairro era
marcado pela água.
Os donos do prédio queixaram-se que o levantamento de mais
um andar completo, a construção de chaminés, o telhado de duas águas - em vez
de uma, como era o original - e a construção sobre a Muralha Fernandina
prejudicavam a sua propriedade. Houve reuniões com o então deputado municipal -
Ricardo Robles apareceu sempre sozinho e se apresentou como o "dono"
do projeto - que não deram em nada. Seguiu-se uma queixa à Câmara com pedido de
embargo das obras, suspensão dos trabalhos e a reapreciação da decisão que dera
origem ao alvará das obras de ampliação do edifício.
Mas as obras acabaram por não ser embargadas e a CML deu
razão a Ricardo Robles - que era então deputado municipal pelo Bloco de
Esquerda. A resposta da direção municipal de urbanismo chegou em cinco páginas
(frente e verso) e, quase ponto por ponto, os técnicos tentam
"desmontar" os argumentos apresentados na reclamação. Segundo a
Câmara, apesar das queixas, as obras de reabilitação cumpriram o Plano de
Urbanização do Núcleo Histórico de Alfama e Colina do Castelo, e foram, por
isso, autorizadas pelos serviços da Câmara Municipal de Lisboa e pela
Direção-Geral do Património Cultural.
O andar a mais foi construído, o telhado alterado e o prédio
das Alcaçarias do Mosteiro - histórico, datado do século XII, que servia de
banhos do Mosteiro de Alcobaça - ficou mais às escuras e sem vista para a Rua
do Terreiro do Trigo e para o Tejo, como tinha, através de um pequeno terraço.
E, segundo os proprietários, sem respiração de ar no logradouro centenário, nem
no armazém do rés-do-chão, tendo ainda o perigo de cheia, uma vez que o telhado
que o edifício de Robles passou a escorrer a água da chuva diretamente para o
logradouro - que fica à quota do Tejo.
Os proprietários não recorreram da decisão - o DN sabe que
consideravam que o processo iria ser longo.
Os proprietários não recorreram da decisão - o DN sabe que
consideravam que o processo iria ser longo, apesar de os próprios não terem
prestado declarações. A carta da Direção Municipal de Urbanismo onde é
comunicado que não tinha sido detetado "nenhum incumprimento" tem a
data de 22 de setembro de 2017, mais de um ano depois da entrega da queixa: 15
de julho de 2016.
No entanto, é a própria CML a referir que não conhecia todos
os dados de alguns dos nove pontos da queixa. Nomeadamente, não conhecia a
existência de um pequeno saguão nas traseiras, para onde dão as janelas do
edifício histórico e que dista apenas 2,30 metros do edifício de Robles.
Segundo a queixa, Robles teria escrito no projeto que os edifícios à volta eram
pertença da CML, o que não é verdade.
Além disso, o documento faz referência ao acompanhamento por
parte da Direção-geral do Património Cultural aos trabalhos de reabilitação do
prédio, referindo um mail que não anexa. Este é um ponto importante, pois
tratando-se de um edifício histórico, e estando em cima da muralha fernandina
"deviam ser previstos trabalhos arqueológicos anteriores". Não foram,
mas, apesar disso, a autorização para as obras foi dada,
"condicionada" ao acompanhamento. O que foi feito, segundo o
documento, sem levantar "questões quanto ao desrespeito pela sua
integridade material e patrimonial".
No documento, aprovado pelo diretor municipal Jorge Catarino
Tavares é explicado que a DGPC tinha aprovado o projeto por este promover a
"reabilitação funcional do imóvel, incluindo uma ampliação, devidamente
enquadrada na frente de rua, de elevada importância no contexto de bens imóveis
classificados". No entanto, considerou "insuficiente o projeto [de
execução da obra] per si devido à sensibilidade patrimonial do local a
intervencionar, remetendo para um controlo ulterior a desenvolver-se a partir
de relatório arqueológico".
Na contestação à questão do andar que foi reconstruído, é
referida na resposta da Câmara que a ampliação em altura está prevista no Plano
de Urbanização do Núcleo Histórico de Alfama e Colina do Castelo e que o dono
da obra aproveitou um espaço já existente - o sotão - e sem condições de
habitabilidade, e o transformou num piso "amansardado, com um pé direito
regulamentar e condições de iluminação e ventilação adequadas aos atuais
padrões de exigência" - esta questão, da mansarda, tem sido muito polémica
entre os puristas que consideram que a tradição de Lisboa manda construir aguas
furtadas e não esta versão, "afrancesada".
A CML não dá resposta sobre as águas que passaram a cair no
logradouro, nem sobre as novas chaminés.
Em relação às chaminés, a autarquia remete para a
responsabilidade dos técnicos do projeto de arquitetura e os de especialidade,
mas frisa que há "ambiguidades, ou omissão, na representação nos desenhos,
que corresponde a factos desenvolvidos na reclamação". Embora, tenham sido
fiscalizadas pela Divisão de Uniformização e Fiscalização Urbanística e a DGPC
não tendo sido "detetados quaisquer incumprimentos". Por isso o
documento foi colocado à consideração do diretor municipal que o aprovou.
A CML também não dá respostas quanto às consequências da
mudança do escoamento das águas no telhado - para fora da muralha e, agora,
para dentro da muralha e do saguão, em baixo.
PSD quer ver queixas
Esta queixa é um dos exemplos de documentos que os
vereadores do PSD na Assembleia Municipal de Lisboa querem ver para verificar
todo o processo de licenciamento das obras de reabilitação do edifício que o
agora ex-vereador do Bloco de Esquerda comprou, em Alfama, por 347 mil euros,
num leilão do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social. As obras
terão custado mais 640 mil euros.
Toda a polémica acabaria por motivar a demissão de Robles,
nesta segunda-feira. O requerimento do PSD para ter acesso a todo o processo
foi entregue esta segunda-feira, como disse ao DN Paulo Ribeiro (presidente da
concelhia do partido), e tem como objetivo a análise da forma como decorreu o
licenciamento e se houve queixas por parte de "terceiros" quanto às obras
como frisou o dirigente partidário.
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