segunda-feira, 13 de fevereiro de 2017

Marcelo debaixo de críticas da direita. Acabou o estado de graça? / Marques Mendes acusa Governo de manipular data de publicação de diploma no caso da CGD / Lobo Xavier sobre a CGD: “Já não há ninguém em Portugal que não perceba o que aconteceu” .

Imagem e frase do Dia / OVOODOCORVO
"A forma como o Presidente tem defendido o Governo e o ministro das Finanças em particular, tanto no caso das declarações de rendimentos da CGD como na performance do défice, veio pôr a descoberto as críticas que antes se faziam em surdina."
Leonete Botelho - Público / 13-2-2017

Marcelo debaixo de críticas da direita. Acabou o estado de graça?
A forma como o Presidente tem defendido o Governo e o ministro das Finanças em particular, tanto no caso das declarações de rendimentos da CGD como na performance do défice, veio pôr a descoberto as críticas que antes se faziam em surdina.

LEONETE BOTELHO 13 de Fevereiro de 2017, 7:00

É oficial: a direita está de costas voltadas para o Presidente da República. Depois de 11 meses de mandato, Marcelo Rebelo de Sousa tanto desdramatizou a solução governativa que acabou por se confundir com ela e colocar o partido de que é militante suspenso a criticá-lo abertamente. Também o CDS não tem gostado de ver o chefe de Estado a entoar loas ao Governo socialista, desvalorizando as realizações do governo anterior e já não esconde esse desconforto.

A louça partiu-se na última semana. Começando pelo fim: José Eduardo Martins, um social-democrata apoiante de sempre do actual chefe de Estado, declara agora que o Presidente da República se "descredibilizou" com a falta de imparcialidade ao proteger o ministro das Finanças. “Custa-me muito dizer isto mas tenho de o fazer. Se há apoiante de Marcelo no PSD sou eu. Mas ele está a descredibilizar-se. A ele e à função presidencial", afirma o ex-dirigente laranja ao Diário de Notícias.

A gota de água foram as declarações de Marcelo em defesa do ministro Mário Centeno na polémica sobre se mentiu ou não ao Parlamento no que diz respeito ao compromisso que terá assumido com António Domingues para isentar os ex-administradores da CGD de apresentar as declarações de rendimentos ao Tribunal Constitucional. "Ou há um documento escrito pelo senhor ministro das Finanças em que ele defende uma posição diferente da posição do primeiro-ministro ou não há. Se não há é porque ele tinha a mesma posição do primeiro-ministro, para mim é evidente", disse o Presidente da República.

Esta declaração deixou José Eduardo Martins "um bocadinho envergonhado", o suficiente para dizer que, se até já ele se tornou crítico, então "já não pode haver ninguém no PSD que esteja contente" com Marcelo. “Ninguém pode ser feliz pegando fogo ao sítio onde nasceu", acrescentou ao DN.

Já na quinta-feira, quando pediu a demissão de Mário Centeno por ter “mentido ao Parlamento e ao país”, o eurodeputado Paulo Rangel comentara criticamente aquelas afirmações do chefe de Estado: “Se disse isso, fez mal. Compreendo a preocupação com a estabilidade do Ministério das Finanças. Mas o Presidente da República é o garante da ética e da transparência”, disse ao PÚBLICO.

Ao Sol, também Marco António Costa, vice-presidente do PSD, assumiu este fim-de-semana que por vezes fica "algo perplexo com as declarações" que Marcelo produz. "São declarações que, a meu ver - e digo isto na qualidade de cidadão - não me parecem estar adequadas às circunstâncias e à realidade", disse, garantindo respeitar opinião do Presidente.

Mais cauteloso, mas também a sinalizar algum desconforto com as declarações presidenciais, Hugo Soares, deputado próximo de Passos Coelho, tinha afirmado à TSF: “Eu creio que o Presidente da República está a desvalorizar – ou ainda não ouviu, pode ter acontecido – documentos que já vieram a público (…). O PSD nunca se sente desautorizado por qualquer declaração do senhor Presidente, o PSD responde perante o seu eleitorado e perante os portugueses. E não tenho dúvida nenhuma que não haverá hoje um português que não perceba que o ministro das Finanças, de forma repugnante, continua ele próprio a atirar lama para a cara dos portugueses”.

Certo é que a semana já tinha começado com declarações do chefe de Estado que puseram a direita com os cabelos em pé. Instado a comentar a estimativa da UTAO para o défice de 2016, Marcelo considerara ser uma “grandiosa realização” que o défice se situasse nos 2,3% do PIB. E que o resultado “é obra do Governo anterior, mas é em larga medida obra deste Governo”.

“Não havia necessidade”, escreveu Nuno Melo, eurodeputado do CDS-PP, nas páginas do Jornal de Notícias. “Receber um défice de 11,2% em 2011, reduzindo-o para 2,98% no final de 2015 (ajuda ao Banif incluída) como conseguiram o PSD e o CDS no Governo (…) foi uma ‘grandiosa realização’”, acrescenta o vice-presidente centrista, que depois se centra nos ataques às políticas do Governo de António Costa.

Mas sobre Marcelo, ainda acrescenta mais uns pozinhos: “Gosto do Presidente da República (…) Será também, querendo, o Presidente de todos os portugueses. Não por inerência da função, mas porque não tome partido. Com pena minha, uma ou outra vez tem tomado. Confesso que me custa”.

Críticas em crescendo
À direita, até agora, as críticas ao chefe de Estado ouviam-se baixinho, sobretudo a condenar a excessiva colagem do Presidente ao Governo. Mas é sabido que as relações entre Pedro Passos Coelho e Marcelo Rebelo de Sousa não são boas há muitos anos. Ainda assim, ambos evitam digladiar-se publicamente. Mas quando um dá uma estocada, raramente fica sem resposta.

O último episódio aconteceu no início de Dezembro, com Passos Coelho ao ataque: “Ainda bem que [Marcelo] não é presidente do PSD. Está a fazer tudo o que está ao alcance dele para que o mercado, os agentes económicos, acreditem mais num Governo de que desconfiavam”. Logo a seguir, ouviu a réplica presidencial. Por terras da Beira, onde andava a fazer uma jornada do Portugal Próximo, Marcelo foi implacável: “O PSD está bem entregue e o país também”.

Da esquerda, o Presidente também tem ouvido críticas, mas mais cautelosas. Do PS, a voz mais acutilante é a do deputado Porfírio Silva, membro do secretariado do PS e muito próximo de António Costa. No caso da Cornucópia, quando Marcelo tentou forçar o Governo a encontrar uma solução que impedisse o fecho daquele teatro, Porfírio escreveu no seu blogue: "Não fui ao velório de ontem, desde logo porque os compromissos com amigos me merecem tanto respeito como as instituições. Mas fiquei descansado em não poder ir quando antecipei que a ocasião iria ser mais um palco para algo que Eduardo Paz Ferreira descreveu, noutro contexto, como alguém ‘extravasar os seus poderes constitucionais’”.

Também o ex-eurodeputado pelo PS Vital Moreira tem dado os seus remoques ao Presidente. “Nas funções do Presidente não cabe intervir publicamente e emitir parecer, feito jurisconsulto oficioso (por melhores que sejam os argumentos) sobre a interpretação da questão legal, cuja decisão cabe ao Tribunal Constitucional. Há o princípio da separação dos poderes...”, escreveu o constitucionalista no seu blogue, a propósito da nota presidencial sobre a obrigação de entrega de declarações pelos administradores da CGD.

Do Bloco, tem cabido a Luís Fazenda o papel de observador crítico e ainda na semana passada, a propósito do “chumbo” da redução da TSU, o fundador do BE afirmava que o chefe de Estado “desconsiderou algum tipo de convergência política que existe entre o Governo e os partidos à sua esquerda”. Também o líder comunista, Jerónimo de Sousa, já fez reparos públicos à actuação do Presidente, e desde cedo. Pouco depois de ter tomado posse, o chefe de Estado convidou Mario Draghi para o seu primeiro Conselho de Estado. “Achamos no mínimo estranho”, considerou Jerónimo.

Marques Mendes acusa Governo de manipular data de publicação de diploma no caso da CGD
Vítor Matos

O comentador da SIC acusou o Governo de ter manipulado a data de publicação da alteração ao Estatuto do Gestor Público para perto das férias dos deputados, de modo a passar despercebido.
Luís Marques Mendes acusou o Governo de ter manipulado a data de publicação do decreto-lei que excluía os administradores da Caixa Geral de Depósitos do Estatuto do Gestor Público (EGP). No seu espaço semanal de comentário na SIC, o social-democrata afirmou que o Governo “fez uma coisa feia e que não é normal e é inaceitável”: manipulou a data de publicação deste decreto em Diário da República. E explicou a sua tese:

O Presidente da República promulgou o diploma a 21 de junho. Mas este só foi publicado a 28 do mês seguinte. O Governo congelou este decreto-lei em São Bento, no gabinete do primeiro-ministro ou na Presidência do Conselho de Ministros, portanto, manipulou a data de publicação”.
O ex-governante, que teve funções em vários Executivos como responsável pelo processo legislativo, explicou que, depois de aprovado em Conselho de Ministros, o diploma vai ao Presidente da República que o promulga e, com a luz verde de Belém, “depois é um dia, dois, três, ou quatro”, até sair no Diário da República.

Marques Mendes foi mais preciso na análise. Na sua opinião, a alteração legislativa foi publicada naquela data “porque 28 de julho é o inicio das férias dos deputados”. Acusou assim o Governo de querer “diminuir o risco” de os partidos pedirem apreciações parlamentares para se pronunciarem sobre o diploma ou até para o revogarem, como aconteceu em casos recentes como na Taxa Social Única (TSU).

“Houve acordo [com António Domingues], houve reserva mental, houve falta de transparência e houve a tentativa de que não tivesse escrutínio”, acusou o comentador. “Quando se diz que é uma trica”, como disse António Costa sobre a questão de Mário Centeno e a contratação de António Domingues para a Caixa, “não é uma trica quando se quer fugir ao escritório democrático”, afirmou o ex-líder do PSD. “A democracia é o regime do escrutínio das decisões dos Governos”.

Segundo Marques Mendes, o que correu mal “foi tudo ter vindo a público”, sem mencionar que foi ele próprio a desencadear a polémica quando, em outubro, disse que os gestores da Caixa estavam abrangidos por uma lei de 1983 que os obrigava a entregar declarações de rendimentos e património no Tribunal Constitucional. “Tudo isto estava a ser preparado em segredo, feito às escondidas, à socapa”, para não se correr o risco de ser divulgado.

Embora diga que Mário Centeno “não é um génio político”, o comentador reconhece que o ministro das Finanças “era uma pessoa respeitada, não pela sua qualidade política, mas por alguns resultados que teve no défice”. Agora, acha que “perdeu autoridade” e afirma que “se fosse em Inglaterra, França ou Alemanha já se tinha demitido”. No fundo, está em causa o início de todo este processo: “Fez uma lei à medida para um caso particular”. As palavras que Mendes usa para classificar o desempenho do ministro neste caso são duras:

Quando viu a casa a arder não se portou como um homenzinho. Um homenzinho assumia a verdade. Podia ter tido a humildade assumido que era um erro.”
Quanto ao comportamento do ministro na comissão de inquérito à CGD, trata-se “de um exercício de um chico-espertismo. Politicamente, é tudo menos rigoroso”, afirmou o comentador.

Em relação ao papel de António Costa em toda esta novela, Marques Mendes disse que o adiamento da publicação da alteração legislativa em Diário da República “tem mais a ver com o primeiro-ministro do que com Mário Centeno”. Mendes ainda se referiu às declarações do Presidente da República sobre o assunto, dando cobertura a Costa e Centeno. “Preferia que o Presidente não tivesse feito declaração nenhuma”, disse, numa rara crítica a Marcelo Rebelo de Sousa.

Lobo Xavier sobre a CGD: “Já não há ninguém em Portugal que não perceba o que aconteceu”
Mariana de Araújo Barbosa e Tiago Varzim
9 Fevereiro 201

Lobo Xavier disse, esta noite, na Quadratura do Círculo, que "já não há ninguém em Portugal que não perceba o que aconteceu". "Não percebo porque é que o Governo continua agarrado à semântica", disse.

António Lobo Xavier, futuro vice-presidente do BPI, criticou o Governo pelo modo como tem gerido a polémica à volta da correspondência trocada com António Domingues. O centrista disse, esta quinta-feira, na Quadratura do Círculo, na SIC Notícias, que “já não há ninguém em Portugal que não perceba o que aconteceu”. “Não percebo porque é que o Governo continua agarrado à semântica”, disse, afirmando que os documentos revelados “mostram que houve obviamente troca de correspondência sobre as condições de exercício do cargo”.

Já não há ninguém em Portugal que não perceba o que aconteceu.
Lobo Xavier
Vice-presidente do BPI


Segundo Lobo Xavier, que já anteriormente tinha vindo revelar pormenores sobre o processo e diz manter “tudo o que disse”, a então nova equipa de gestão da Caixa Geral de Depósitos “impôs condições por escrito e oralmente”, mas o Ministério das Finanças “foi negligente a corresponder a essas condições”. De acordo com o centrista, “os técnicos de ambos os lados foram discutindo sobre se bastaria ou não alterar o Estatuto do Gestor Público”. “Os jornais não trazem tudo”, avisou.

Lobo Xavier chama a atenção para um pormenor: o comentador da Quadratura do Círculo refere que essa alteração no Estatuto era da “competência do Governo”, ou seja, “podia legislar sobre essa matéria”, “coisa que fez ao abrigo das férias de verão disfarçadamente”. Contudo, a lei de 1983 que viria a obrigar a apresentação das declarações está no âmbito das competências da Assembleia da República e, por isso, “o Governo não podia mudar sozinho”.

Assim, o Executivo teria de levar a alteração a discussão parlamentar e, argumenta o comentador, “não tinha a certeza que podia fazer passar a lei”. Lobo Xavier refere que o Governo optou por uma “via mais disfarçada” na esperança de que “ninguém levantasse a lebre”. No entanto, foi Marques Mendes que, no seu comentário semanal da SIC, alertou para este problema e o Presidente da República reiterou essa preocupação.

Vai-se perceber que há uma troca abundante de conversas.
Lobo Xavier
Vice-presidente do BPI

Mas para Lobo Xavier há algo claro: “Vai ser muito difícil se estes documentos e outros que eu sei que existem (…) vão ser do conhecimento do público e vai-se perceber que há uma troca abundante de conversas e diligências”. Para o centrista o Governo não tinha necessidade de se sujeitar a uma situação destas, mas também “agora já é tarde”. “As posições estão tão extremadas que é preciso ir às últimas consequências”, afirmou.

Esta quinta-feira, o CDS acusou o ministro das Finanças de entrar em contradição no caso da correspondência da Caixa Geral de Depósitos. O Ministério das Finanças já respondeu à acusação que dizem ser uma “tentativa vil de assassinato de caráter”.


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