terça-feira, 28 de fevereiro de 2017

Fisco: O advogado Paulo Núncio desmente o secretário de Estado Paulo Núncio


Fisco: O advogado Paulo Núncio desmente o secretário de Estado Paulo Núncio
JOÃO RAMOS DE ALMEIDA 14 de Agosto de 2012, 18:26

A 3.ª versão em sete anos do regime de regularização de capitais ilegalmente saídos do país deu "protecção" a 3,4 mil milhões de euros.

Em Janeiro de 2010, o então advogado Paulo Núncio, do escritório Garrigues & Associados, divulgou aos seus clientes o regime excepcional de regularização tributária (RERT) para os capitais saídos ilicitamente do país e chamou-lhe "amnistia fiscal". Mas desde que é secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Núncio tem querido que essa designação não seja usada na comunicação social.

O PÚBLICO tentou obter do Ministério das Finanças uma explicação para esta discrepância de opiniões de Paulo Núncio. Em vão.

O RERT, nas suas três versões de 2005, 2010 e 2011, constitui um regime para contribuintes singulares que, irregularmente, tenham posto capitais fora do país, ainda sem processos a correr contra si. Isso inclui depósitos, valores mobiliários e instrumentos financeiros, como apólices de seguro do ramo vida ligados a fundos de investimento.

Para isso, só têm de pagar uma taxa. No RERT I e II, era de 5% sobre esses valores. No RERT I, a taxa desceu para 2,5% se fossem títulos de dívida pública portuguesa. Mas a Comissão Europeia viu nisso uma violação à livre circulação de capitais e o Governo retirou o desconto, passando - desde Abril de 2010 - o repatriamento a ser obrigatório. No RERT III, a taxa subiu para 7,5%, embora sem repatriamento.

O pagamento extingue a responsabilidade das infracções fiscais de "conduta ilícita (...) por ocultação ou alteração de factos ou valores" . O contribuinte deixa de ter de justificar a origem dos capitais para efeito de sinais exteriores de riqueza.

A elaboração da legislação das três versões do RERT esteve - como garantiu o Expresso em Maio passado - a cargo também de técnicos de consultoras multinacionais, como a KPMG. Firmas que, tal como os escritórios de advogados, têm o seu papel em esquemas que visam reduzir os rendimentos tributáveis.

Estes regimes não são pacíficos: são uma forma rápida de receita fiscal, mas correspondem a amnistias ou perdões. Assim o considerou a Comissão Europeia na nota que emitiu a 16 de Maio de 2007 quando divulgou a sua posição sobre o RERT I. "A amnistia fiscal portuguesa de 2005 não respeita o livre movimento de capitais", refere-se.

Um "escudo protector"
Foi da mesma forma que Paulo Núncio e Tiago Cassiano Neves qualificaram este regime numa nota divulgada a clientes e potenciais clientes do seu escritório. Ao resumir em Janeiro de 2010 as medidas do Orçamento do Estado desse ano, os dois juristas informavam sobre o RERT II do Governo Sócrates e sublinhavam que "o novo programa de amnistia fiscal (RERT II)" já não requeria a transferência física (repatriação) do capital e activos para Portugal.

Caso regularizassem a sua situação, os contribuintes beneficiariam de "um escudo protector (relativamente aos valores declarados) de todas as obrigações fiscais e mesmo de todas as infracções cometidas" até no prazo fixado na lei. "As sanções criminais que não tenham uma natureza fiscal (incluindo, por exemplo, as sanções por lavagem de dinheiro) mantêm-se aplicáveis."

Mas já o secretário de Estado tem dito a jornalistas ser incorrecto usar a expressão "amnistia". Na sua última edição, a quem Paulo Núncio deu uma entrevista, o Expresso refere que "o Governo rejeita expressões como "amnistia fiscal"ou "perdão fiscal"".

Com este regime, em 2005, houve uma receita de 43,4 milhões de euros e regularizou 820 milhões de capitais. O RERT II deu uma receita de 82,8 milhões de euros e regularizou 1660 milhões. Já o RERT III que funcionou até Julho passado, arrecadou - como noticiou o Expresso de sábado passado - a receita de 258,4 milhões de euros e protegeu 3,4 mil milhões de capitais fraudulentamente saídos do país.


A subida da receita é atribuída por Paulo Núncio ao agravamento das penas por ocultação de depósitos no estrangeiro (de cinco para oito anos) e da interposição de sociedades em paraísos fiscais para ocultar rendimentos. Por outro lado, ao alargamento do prazo de caducidade e de prescrição das dívidas fiscais entre 12 e 15 anos (antes de quatro a oito anos) e do maior número de acordos de troca de informação com diversas praças financeiras, como da Suíça.

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