terça-feira, 21 de fevereiro de 2017

Maldita Lituânia


Maldita Lituânia
Portugal continua nos cuidados intensivos. Felizmente está melhor, mas ainda não se curou.

MANUEL CARVALHO
22 de Fevereiro de 2017, 6:20

Nestes dias de muito boas notícias (o desemprego em baixa, o crescimento em alta, o défice finalmente domado na casa dos 2%), os desmancha-prazeres do Expresso deram-se ao desplante de titular na primeira página do último sábado: “PIB: Lituânia ultrapassa Portugal em 2017”. No actual clima de ranço e ódio que abunda nas redes sociais, quando ter uma opinião é um risco que ou leva à condenação por serventia ao Governo ou submissão à oposição, a notícia de desempenhos como o da Lituânia servirá apenas de festa para alguns e de desdém para outros tantos. Mas, esqueçamos por um momento esse país a preto e branco que a devoção acéfala ou o ódio bafiento à “geringonça” suscita e comparemos os resultados da frente económica com os resultados dos outros. Não, não é para desesperar: é apenas para firmar os pés na terra e evitar o embandeiramento em arco que há tão pouco tempo nos levou ao limiar do precipício.

Comecemos pelo princípio, pelos dados da economia e das finanças, para esclarecer o óbvio: Portugal vive um dos seus mais esperançosos períodos da última década. Os resultados que os ministros da Economia, das Finanças ou o primeiro-ministro apresentaram ficaram muito para lá das melhores expectativas. Raramente houve igual fundamento para um Governo abrir o peito às balas da oposição e reclamar louros. Negar é realidade só se faz por ressabiamento, fundamentalismo partidário ou ideológico ou por mau perder. Diga-se o que se disser (e nesta coluna disseram-se muitas coisas sobre os limites do modelo do Governo para a economia), António Costa, Mário Centeno e Manuel Caldeira Cabral estão em alta. Não apenas por causa dos indicadores fechados em 2016 mas, principalmente, porque em causa está uma tendência de aceleração no crescimento, no emprego e no investimento que podem tornar 2017 ainda mais optimista.

Só que fazer destes dados uma festa que ilustra a genialidade do Governo e atesta a incompetência da oposição é como comer batatas com batatas e exibir no rosto uma satisfação pantagruélica. Os resultados, principalmente o do crescimento de 1.4%, só são bons porque deixámos de ter expectativas. Perante os erros da troika, a vacuidade do anterior governo e a fragilidade e inconsistência programática do actual, face à dívida, ao rating da República à condição da Europa e do Mundo, limitamo-nos trocar estados de alma ao ritmo dos resultados trimestrais. Há 30 anos jurávamos a pés juntos que haveríamos de ser prósperos e modernos como os alemães; agora, nem sequer somos capazes de ser tão ricos como a Lituânia, ou Malta, ou Chipre, ou a Eslováquia, ou a República Checa. Ficámos para trás, cada vez mais perto da cauda da Europa.


Os resultados só são bons porque contrariam o pessimismo e a falta de confiança que uma boa parte do país depositou no Governo. E são-no também porque depois de 2000 nos viciámos no discurso da sobrevivência, ou da resistência, e alimentámos o vício com doses industriais de desesperança. Foram-nos dizendo que o problema se resolveria com tempo, com dádivas da Europa, com o brilho da nova geração de crânios ou de empresas e muitas reacções aos novos indicadores da economia parecem legitimar essa expectativa sobre a existência de milagres. Com excepção dos anos da troika, em que o sobressalto fez disparar as exportações, reinventou a agricultura e nos levou a desprezar a protecção aos “campeões nacionais” designados na secretária de Ricardo Salgado, José Sócrates e quejandos, gostamos de viver na modorra. O Governo de António Costa, com o floreado do virar da página é de alguma forma o regresso a essa vida calma, previsível, onde crescer 1.4% até é bom. O mundo, infelizmente, não é bem assim.

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