quarta-feira, 15 de fevereiro de 2017

Marcelo conheceu os sms de Centeno e Domingues (e não gostou) / A consagração da patranha / Nem emails nem mensagens. Esquerda nega acesso à correspondência entre Domingues e Centeno


Marcelo conheceu os sms de Centeno e Domingues (e não gostou)
Lobo Xavier disse que havia dados escondidos sobre a polémica com Domingues, e Marcelo quis saber o quê. Depois, veio um puxão de orelhas público. E agora? Para já, ponto final em Belém. Os socialistas é que não gostaram da nota presidencial.

DAVID DINIS, LEONETE BOTELHO e SOFIA RODRIGUES 15 de Fevereiro de 2017, 6:45

Marcelo ficou em sobresssalto quando, na útima quinta-feira, ouviu António Lobo Xavier dizer na SIC-Notícias que havia SMS e outras comunicações entre as Finanças e António Domingues, provando que houve não só um acordo, como uma negociação para isentar a anterior administração da Caixa de entregar no TC as respectivas declarações de rendimentos. Se, até aí, o Presidente estava tranquilo com a posição do ministro das Finanças, nesse momento resolveu falar com Lobo Xavier — que é conselheiro de Estado, mas também advogado e amigo de Domingues.

Falando com Lobo Xavier, o chefe de Estado pediu dados sobre os meandros das negociações do Verão passado: negociações de documentos legais e SMS - incluindo um em que, alegadamente, Centeno dizia a Domingues que o assunto das declarações estava encaminhado e que o Governo já falara com o Presidente... Marcelo quis ver tudo o que pudesse levar a acreditar que o Governo prometera a Domingues o que depois viria a negar. Surpreendendo-se com as respostas do advogado — que recusa comentar estes factos —, foi aí que o Presidente desencadeou um verdadeiro xeque ao ministro das Finanças, apurou o PÚBLICO. Falou com o primeiro-ministro, este deu indicação a Mário Centeno e o ministro acabou por ir ao Palácio de Belém, ao almoço de segunda-feira, dar-lhe explicações sobre os novos dados. Depois veio a conferência de imprensa, o reconhecimento de um “erro” do ministro e um comunicado de São Bento.

Na prática, assegura ao PÚBLICO a mesma fonte, o Presidente sentiu que o Governo lhe escondera dados. E deixou claro o desagrado numa nota publicada às 23h47 de segunda-feira, no site da Presidência, em que diz que “registou as explicações”, “tomou devida nota”, “reteve a admissão, pelo Senhor Ministro das Finanças, de eventual erro de perceção mútuo na transmissão das suas posições”. E acabou por pôr o ministro na delicada situação de só aceitar mantê-lo em funções “atendendo ao estrito interesse nacional, em termos de estabilidade financeira”.

Para já é, portanto, um ponto final — o que Marcelo colocou à polémica. Na Presidência olha-se para uma demissão do ministro como desencadeador de um problema de larga escala, à medida do que aconteceu há três anos quando Vítor Gaspar se demitiu do Governo de Passos Coelho.

O que ficou aberta foi, por outro lado, uma ferida entre os socialistas, por causa do comunicado de Marcelo sobre o encontro com Mário Centeno, em que o Presidente declarou aceitar a manutenção do ministro das Finanças, “atendendo ao estrito interesse nacional em termos de estabilidade financeira”.

Se antes da nota de segunda-feira à noite sobre Mário Centeno o Presidente da República estava sob críticas do PSD, depois daquela comunicação ouve reparos do PS. Porfírio Silva, deputado e membro do secretariado nacional do PS, aconselhou Marcelo Rebelo de Sousa a “respeitar os poderes próprios e os poderes dos demais órgãos de soberania”. Vital Moreira lembra que o Presidente “não é co-titular da acção governativa, pelo que não deve imiscuir-se no exercício desta pelo Governo nem parecer como se fosse tutor ou arauto deste”. E o deputado Ascenso Simões considerou “vergonhosa” a nota presidencial.

“Não basta querer ser ‘presidente de todos os portugueses’ para ser um bom PR”, escreveu Porfírio Silva no Facebook. “É preciso não ter a tentação de compensar o excessivo activismo com a técnica de ‘uma no cravo, outra na ferradura’. E também é preciso evitar o método que se costuma chamar ‘atirar a pedra e esconder a mão’”, acrescenta.

“Os ministros não carecem da confiança política do PR, nem este os pode demitir por sua iniciativa, sem prejuízo de poder suscitar a questão da permanência de um ministro perante o primeiro-ministro”, escreve o constitucionalista e ex-eurodeputado Vital Moreira no seu blogue Causa Nossa. Mais: “Quando um ministro se sente na necessidade de colocar o seu lugar à disposição, fá-lo perante o primeiro-ministro, não perante o Presidente.”

Reacções com pinças à direita
Do lado da direita, as reacções fazem-se com pinças. Nem PSD nem CDS, pelo menos na linha oficial, parecem querer apontar baterias a Marcelo, preferindo atirar ao Governo. Ontem, Diogo Feio, director do gabinete de estudos do CDS, sustentou que o Presidente “ocupa o centro político” e que “demonstrou aos mais precipitados que devem aguardar serenamente pelo fim das histórias”.

O antigo líder parlamentar do CDS considerou, no Facebook, que “o Presidente não vai gerar crises”, mas que “na relação entre órgãos de soberania exerce uma enorme preponderância sobre o Governo” e sustentou que Marcelo “gere com cuidado o maior peso presidencial” de que se lembra no “sistema de Governo”.

Também João Almeida, porta-voz do partido, se escusa a fazer avaliações sobre a intervenção presidencial. “Temos papéis constitucionais diferentes. O da Assembleia da República é o de fiscalizar o Governo”, afirma o deputado quando confrontado com a posição assumida pelo Presidente da República.

Segunda-feira à noite, ainda antes do comunicado da Presidência, o social-democrata Luís Marques Guedes deixava um aviso ao chefe de Estado, mas desprovido de crítica directa. “O Presidente da República que se cuide. No saber de experiência feito do seu ilustre antecessor, quando as palavras deixam de se conformar com a realidade dos factos, convém passar a olhar com desconfiança para a ‘narrativa’ e as ‘boas notícias’ que lhe são vendidas pelo primeiro-ministro”, escreveu o antigo ministro dos Assuntos Parlamentares na newsletter do partido.


A consagração da patranha
Se o Governo cai tão facilmente na tentação de torpedear a verdade num caso no qual só falta uma assinatura, o que fará na penumbra dos bastidores em negócios que não sequer sabemos que existem?

ManuelCarvalho
15 de Fevereiro de 2017, 6:34

Anda por aí meio mundo enfadado com a polémica das declarações de rendimentos do ex-presidente da Caixa Geral de Depósitos ao Tribunal Constitucional (TC) e do papel que o ministro das Finanças teve nessa novela de contornos nebulosos. O enfado não é apenas ridículo: é perigoso. Um país que abdica de querer saber se o seu ministro das Finanças disse a verdade ou se mentiu, onde as opiniões sobre os factos conhecidos se dividem de acordo com as filiações ideológicas ou partidárias é um país no limiar da resignação ou da desistência. Não, no caso de Mário Centeno versus António Domingues, o desempenho gélido de António Costa, o instinto necrófilo da direita que, depois de conviver bem com a mentira quando esteve no Governo se investe de legitimidade para a denunciar na oposição e o zelo de um Presidente da República que cede valores para comprar estabilidade somam muito mais do que uma banal trica. O que está em causa é uma exigência ética sobre a verdade, sobre a honorabilidade da política, sobre o direito que temos de exigir um regime decente que não nos trate como tolos.

A primeira recusa que se deve ter em relação a este lamentável caso é a da banalização da mentira. Dizer que se Centeno mente, Passos Coelho, Paulo Portas, ou Assunção Cristas também mentiram para daí concluir que a oeste nada de novo é dar carta verde à institucionalização da patranha. Cada mentira que se pressinta, suspeite, perceba e confirme merece o mesmo tratamento, venha de onde vier – é por isso uma vergonha ver os que tanto criticaram, e bem, Maria Luís Albuquerque por causa das mentiras com os swaps a dizerem agora que o que está em causa é um “folhetim” e vice-versa. Se Mário Centeno mentiu, não pode passar incólume ao nosso juízo nem ao nosso protesto apenas porque se limita a cumprir o ritual de uma tradição. Da mesma forma, dizer que uma suposta mentira deve ser relativizada, ou até esquecida, em função do sucesso do ministro na travagem do défice é fazer da política uma operação contabilística onde o resultado tangível vale tudo e o exemplo moral de quem o protagoniza nada conta.

Feitos os considerandos, vale a pena notar que se há na pele do ministro (que esta segunda se dedicou a uma conferência de imprensa tão desesperada como patética) e no Governo um enorme desconforto é porque o caso não é assim tão feito de amendoins como se pretende. Foi por causa da polémica da entrega das declarações de património e rendimento no TC que António Domingues se demitiu, deixando por mais uns meses o banco público sem gestão após quase um ano de incertezas e de negociações duras entre a administração cessante, a Comissão Europeia e o Banco Central Europeu. Foi por causa de uma história mal contada que Portugal se expôs a si próprio e lá fora como um país inconsistente onde reinam as trapalhadas.

O caso existe e resiste ao tempo e à tentativa de branqueamento apenas porque quem se der ao trabalho de analisar o que se sabe e for capaz de meter por segundos as fidelidades partidárias na gaveta percebe que, com ou sem provas escritas, com ou sem assinaturas, com termos mais ou menos explícitos, o Ministério das Finanças concordou em isentar António Domingues e a sua equipa do dever de entregar as declarações no TC. E, mais grave ainda, não é necessário ler todos os livros do inspector Poirot para darmos conta de que essa negociação política só não se concretizou porque, por inacreditável incompetência dos serviços jurídicos do ministério e da equipa de advogados de António Domingues, ninguém deu conta que não bastava alterar o Estatuto do Gestor Público para se chegar lá: havia uma inconveniente lei de 1983 que, para ser contornada, tinha de expor um governo de esquerda ao vexame de aprovar no Parlamento princípios escandalosamente inspirados nos valores do laisser faire da direita.

Os emails que conhecemos do ex-líder da CGD e de Centeno podem não provar por A mais B coisa nenhuma, mas o que nós temos à nossa frente não é um exercício de matemática nem um julgamento por homicídio no qual falta a arma do crime. O que nos cabe decidir é se perante o que sabemos, face à inenarrável sucessão de actos de submissão do ministro das Finanças às exigências de Domingues, que passaram até pela atribuição ao banqueiro do poder de escolher a legislação que mais lhe conviesse, aquilo que aconteceu foi apenas um putativo "erro de percepção mútuo", como Mário Centeno agora admite. Não foi. Quando em Outubro o seu secretário de Estado desmentiu o oráculo (leia-se, Marques Mendes) dizendo que a isenção da entrega das declarações “não era um lapso”; quando de seguida Centeno usou quase ipsis verbis extractos dos emails de Domingues para garantir que o escrutínio do património dos gestores seria feito pelo Governo e pelos organismos de supervisão; quando o ministro disse pretender que “a CGD passasse a ser como qualquer outro banco” (nos outros bancos os gestores não têm de declarar nada ao TC); quando em Novembro Domingues lembra ao ministro que a fuga ao crivo do TC era “uma das condições acordadas para aceitar o desafio de liderar a gestão da CGD”, o que falta para suspeitarmos que querem fazer de nós uma cambada de tontos incapazes de ver a verdade entre as teses do formalismo e da propaganda?

O caso Centeno versus Domingues é grave e perigoso porque institui a dissimulação dos “factos alternativos” como política oficial. O Presidente-Rei avalizou essa prática ao exigir “um documento escrito pelo senhor ministro das Finanças” a confirmar a desobrigação do banqueiro às regras da transparência. Mas, inteligente como é, Marcelo Rebelo de Sousa percebeu entretanto que a verdade, como o azeite, acaba sempre por vir ao de cima. E, num golpe de defesa pessoal, deixou Centeno estatelar-se ao afirmar que aceitava a sua continuidade nas Finanças para garantir o “estrito interesse nacional”. Repare-se no preciosismo do “estrito”: significa que o Presidente reconhece que estamos perante uma história mal contada, mas dispõe-se a tolerá-la apenas porque a saída de cena do narrador faria da emenda coisa pior que o soneto. O bom desempenho da economia e das finanças tornou-se assim o álibi com que Centeno e o Governo se permitem subverter as mais elementares noções do dever e da responsabilidade política.

Vir a terreiro falar em erros de interpretações em vez de assumir os custos de uma estratégia que, sendo bondosa na origem (livrar a Caixa das tentações crápulas da política devorista), acabou num desastre deixa no ar a pior das suspeições. Se o Governo cai tão facilmente na tentação de torpedear a verdade num caso no qual só falta uma assinatura, o que fará na penumbra dos bastidores em negócios que não sabemos sequer que existem?


Nem emails nem mensagens. Esquerda nega acesso à correspondência entre Domingues e Centeno
A maioria de esquerda da comissão parlamentar de inquérito à Caixa considera que os documentos em causa – os emails e as mensagens escritas trocadas por Mário Centeno e António Domingues – não fazem parte do objeto de escrutínio da referida comissão

14 de fevereiro 2017

O CDS já tinha entregue na semana passada um requerimento que pedia o acesso às mensagens e aos emails trocados entre o ministro das finanças Mário Centeno e António Domingues, um pedido que foi hoje secundado pelo PSD. Ao que o SOL sabe, nenhum dos requerimentos foi aprovado na comissão de inquérito à CGD.

Hoje, Hugo Soares, coordenador do PSD na comissão de inquérito à recapitalização da Caixa Geral de Depósitos, tinha anunciado que o PSD iria entregar um pedido para aceder às trocas de correspondência eletrónica entre o ministro das Finanças e o presidente demissionário da Caixa, António Domingues.

Na prática, o PSD queria que Domingues fizesse - e entregasse - a transcrição das mensagens que terá trocado com Centeno “apenas e só a propósito daquilo que a alteração ao estatuto do gestor público exclui, designadamente a questão da entrega das declarações de rendimentos, para que possa ficar claro de uma vez por todas a extensão da mentira do doutor Mário Centeno e para percebermos também o envolvimento do primeiro-ministro em toda esta matéria”, disse o deputado à Lusa e à TSF.

Também o CDS tinha submetido um requerimento semelhante, após terem sido divulgados na semana passada, pelo jornal online Eco, emails confirmam um acordo entre Domingues e Centeno para que os novos administradores da Caixa não declarassem os rendimentos e o património.

Os pedidos tiveram pouca duração. Hoje, o PS, BE e PCP chumbaram os requerimentos por considerarem que esta matéria não é objeto da comissão de inquérito à recapitalização da CGD.

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