quinta-feira, 16 de fevereiro de 2017

Confirma-se: Marcelo também está metido nisto


Confirma-se: Marcelo também está metido nisto
O comunicado mostra um Presidente assustado, disposto a extravasar os seus poderes constitucionais.

João Miguel Tavares
16 de Fevereiro de 2017, 6:47

Marcelo Rebelo de Sousa tinha duas opções. Ou falava e contava tudo. Ou calava-se e não contava nada. Infelizmente, escolheu uma terceira opção: disse coisas que não se percebiam num dos mais bizarros comunicados produzidos pela Presidência da República – e depois alguém foi para os jornais contar por ele a história dos SMS de Centeno e Domingues. É difícil decidir qual das coisas foi mais disparatada, se a conferência de imprensa gaguejante do ministro das Finanças, se o comunicado despeitado do Presidente da República. Mas isto é certo: ambos saem politicamente fragilizados do lamaçal da Caixa. Centeno porque não consegue deixar de ser Centeno, e ou muito me engano ou ainda vai engolir o já famoso “erro de percepção mútua”. Marcelo porque teve de enfrentar as primeiras críticas violentas vindas do PS, e com inteira razão.

Deixemos desta vez o martirizado Centeno de lado e concentremo-nos em Marcelo Rebelo de Sousa e no que aconteceu na fatídica segunda-feira, segundo o seu próprio comunicado e os relatos publicados na comunicação social. O ministro das Finanças teve um encontro à hora do almoço com o Presidente da República por causa da troca de SMS com António Domingues. Nessa altura, Marcelo já conhecia o seu conteúdo, que lhe terá sido transmitido no dia anterior pelo conselheiro de Estado, e amigo de Domingues, António Lobo Xavier. Vários jornais já confirmaram que nesses SMS não só fica cristalino que Centeno sabia de tudo sobre o pedido de isenção de apresentação das declarações de património, como o sabiam António Costa e o próprio Marcelo Rebelo de Sousa. Ou seja, durante semanas e semanas esta bonita tripla de sonsos enfiou Domingues no espeto, depois de Marques Mendes acender o lume, e foram dando à roda, enquanto fingiam que não era nada com eles.

Após meses a proteger o governo, parece que a mostarda só chegou ao nariz de Marcelo quando se apercebeu que os SMS de Centeno também batiam à sua porta. Não querendo ficar mal na fotografia, pressionou António Costa, que por sua vez pressionou Mário Centeno, que por sua vez foi fazer figuras tristes para a frente das câmaras de televisão, numa conferência de imprensa que mais parecia um anúncio publicitário à prática de automutilação. Ainda assim, não chegou. Marcelo não ficou satisfeito com o “erro de percepção mútua” e a altas horas decidiu publicar no site da Presidência o tal comunicado cabalístico em cinco pontos, que só dava para perceber quando acompanhado pelos jornais da manhã. Onde se lê (ponto 4) que “a interpretação autêntica das posições do Presidente da República só ao próprio compete” deve ler-se “aquilo que tu disseste que eu disse nos SMS não é nada comigo”; onde se lê (ponto 5) que o presidente “aceitou” a posição do primeiro-ministro quanto a “manter a sua confiança no Senhor Professor Doutor Mário Centeno”, deve ler-se “vocês deixem-me fora disto, ou faço-vos a folha”.


Só que Marcelo está bem dentro disto. O comunicado de segunda-feira mostra um Presidente assustado, que está até disposto a extravasar os seus poderes constitucionais – desde quando lhe compete manter a confiança no ministro das Finanças? – para deixar avisos claros a Centeno e, sobretudo, a António Costa. O coro de gente próxima do PS que reagiu violentamente ao seu comunicado não deixa dúvidas quanto ao estado de espírito do primeiro-ministro: não gostou nem um bocadinho. É possível que este seja o início do fim de uma bela amizade.

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