terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

Uma lista com poucos detalhes e algumas cedências. / Eurogrupo aceita lista grega mas troika já mostra as suas dúvidas


Uma lista com poucos detalhes e algumas cedências
SÉRGIO ANÍBAL 24/02/2015 - PÚBLICO

A lista entregue por Atenas em Bruxelas mostra quais são as intenções de política económica que o Governo de Alexis Tsipras tem para o curto e médio prazo.

Nota-se que é um texto escrito a pensar nas preocupações dos credores, ainda com poucos detalhes, sem números concretos e sem referencia a medidas que o novo Executivo não quer adoptar, mas que estavam previstas no programa da troika.

As medidas avançadas pelo Governo grego podem dividir-se  entre aquelas em que Atenas manteve as suas intenções iniciais, mas apresentadas de forma mais prudentes, as que são apresentadas de forma tão vaga que é difícil perceber o seu impacto e as cujo verdadeiro efeito depende da forma como venham a ser executadas.

As medidas que a Grécia teve de suavizar

Em algumas das suas ideias chave durante as eleições, o Governo Syriza, embora não abandonando a intenção de aplica-las, teve de apresenta-las de forma muito mais prudente, satisfazendo as preocupações da troika

É o caso das reformas previstas no mercado de trabalho. O Governo diz agora que o aumento do salário mínimo vai ser feito de forma progressiva e “de uma forma que garanta as perspectivas para a competitividade e o emprego”. Além disso, “a dimensão e o timing das alterações no salário mínimo serão feitas em consulta com os parceiros sociais e as instituições europeias e internacionais”. Na contratação colectiva – que a troika tinha eliminado e o Governo queria recuperar, fala-se agora de “uma abordagem nova e inteligente”, que “equilibre a necessidade de flexibilidade e justiça”.

Outro tema importante é o do tratamento das famílias sobreendividadas, quer ao fisco quer aos bancos. No programa do Syriza estava o apoio do Estado e o perdão de parte significativa destas dívidas.

Agora, o que se diz, no caso das dívidas ao fisco e à segurança social, é que àqueles que não consigam pagar seja dada a possibilidade de pagar em prestações. No caso das dívidas aos bancos, fala-se de um apoio do Estado. São dadas, no entanto, diversas garantias: que aqueles que não pagam por questões estratégicas serão penalizados, que os impactos no orçamento serão salvaguardados,  que a “cultura de pagamento” tem de ser protegida e que a estabilidade dos bancos não pode ser ameaçada.

Por fim, nas privatizações, o Governo compromete-se a apenas rever as operações acordadas com a troika mas ainda não colocadas em marcha. As que já foram lançadas, não podem ser agora anuladas.

Será nestas medidas que a pressão sobre Tsipras vinda de dentro do próprio executivo pode vir a ser mais forte.

As medidas pouco explicadas

Desde o início que o Governo Syriza fala em adoptar uma série de medidas destinadas a combater a crise humanitária na Grécia. Nesta lista, contudo, não estão definidas de forma concreta que medidas serão essas, nem se percebe que tipo de impacto podem ter.

O que o Governo diz é que “a recente subida na pobreza absoluta” será combatida “por meio de medidas não-pecuniárias altamente direccionadas”. O único exemplo que é dado é a entrega de vales de alimentação. Além disso, é garantido que “a luta contra a crise humanitária não terá qualquer efeito orçamental”.

O Governo grego diz ainda que pretende avaliar a possibilidade de estender a aplicação do rendimento mínimo garantido a todo o país.

As medidas com impactos difíceis de prever

São as medidas que mais espaço ocupam na lista entregue e Bruxelas e aquelas que receberam para já mais elogios da troika. É aqui que se inclui o combate à fraude e fuga fiscal, com reformas significativas na lei e com promessas de investimento na fiscalização feita pelas autoridades, a luta contra a corrupção e a redução da despesa pública.

Neste último caso, o Governo diz que irá conseguir poupanças muito significativas, mesmo poupando as pensões e os salários. Atenas diz que todas as outras rubricas representam 54% da despesa total e que, por isso, há aí muito espaço para poupar.

Convencer a troika que os resultados efectivos com estas medidas será substancial é fundamental para que seja dado espaço de manobra para Atenas não aplicar outras medidas que estão previstas no programa da troika.

O que não está na lista

O Governo não faz uma referencia explícita às medidas previstas no programa que não quer aplicar. Aumentos do IVA e cortes nas pensões estarão entre aquelas que estão colocadas fora de causa. Para além do impacto das medidas alternativas agora apresentadas, a aceitação da troika irá depender também daquele que será o novo objectivo para o excedente orçamental primário.

No programa assinado pelo anterior Governo aponta-se para um excedente de 4% do PIB, mas o Eurogrupo já assumiu, na principal vitória conseguida até agora pelo Governo grego, que este indicador poderá ser menor já no decorrer deste ano. Não é feita nesta lista qualquer referencia a novas metas orçamentais.


Eurogrupo aceita lista grega mas troika já mostra as suas dúvidas
MIGUEL CASTRO MENDES (Bruxelas) 24/02/2015 - PÚBLICO

Ministros reunidos em teleconferência aprovam reformas propostas por governo de Tsipras. BCE e FMI mais reticentes. Só falta aprovação de alguns parlamentos nacionais.

A lista de reformas propostas pelo governo de Alexis Tsipras como condições para a extensão dos empréstimos internacionais à Grécia foi aceite esta terça-feira pelo Eurogrupo, mas as preocupações já reveladas pelo FMI e pelo BCE mostram que o caminho da Grécia até ao recebimento da última tranche do empréstimo é ainda longo e difícil de percorrer.

O documento, com seis páginas, chegou antes da meia-noite de segunda-feira, garantiu a Comissão Europeia, respeitando assim o prazo que havia sido fixado pelo Eurogrupo na sexta-feira passada. As primeiras reacções do executivo comunitário não tardaram, e foram encorajadoras, ou não tivesse a preparação do texto sido articulada com a Comissão Europeia durante o fim-de-semana e todo o dia de segunda-feira. A lista “é suficientemente alargada para ser um ponto de partida válido para conseguir uma conclusão da revisão“, declarou o porta-voz da Comissão, Margaritis Schinas, na terça-feira. “Estamos especialmente agradados com o forte compromisso para combater a evasão fiscal e a corrupção”, acrescentou.

Os comissários europeus Valdis Dombrovskis, com a pasta do Euro e Pierre Moscovici, comissário para os Assuntos Económicos, endereçaram por isso uma carta ao Presidente do Eurogrupo, Jeroen Dijsselbloem, exprimindo a opinião favorável da Comissão Europeia, que era necessária para os ministros poderem então discutir a extensão do programa. 

O Eurogrupo também não demorou a decidir aprovar o texto. Reunidos em teleconferência às 14h, os ministros das Finanças da zona euro apenas precisaram de uma hora para decidir aprovar o plano de reformas grego. Num comunicado curto, os ministros começam por referir a opinião favorável que receberam da Comissão Europeia, antes de anunciar que agora cada país tomará os passos necessários para obter a aprovação oficial da extensão antes do final do mês, ou seja, antes de sábado, data em que expira o actual programa.

Reticências do BCE e do FMI
No entanto, apesar de também aprovarem a lista do Governo Tsipras como “ponto de partida”, as outras duas instituições internacionais envolvidas no programa grego, o Banco Central Europeu (BCE) e o Fundo Monetário Internacional (FMI), exprimiram algumas reservas que contrastam com a aprovação quase imediata do executivo comunitário.

O FMI, através da sua directora-geral, Christine Lagarde, fez saber ao Eurogrupo por uma carta que, na sua opinião, para que haja uma aprovação final até Abril, o Governo de Alexis Tsipras tem de ir mais longe. "Apesar de a lista de medidas ser abrangente, não é de forma geral muito específica", avisou, destacando em particular cinco áreas do programa da troika em que o Governo grego não assume compromissos considerados suficientes: a reforma do sistema de pensões, a alteração ao regime do IVA, a liberalização da entrada nos sectores mais fechados, a reforma administrativa, as privatizações e a reforma da legislação laboral. Estas áreas são consideradas pelo FMI como "críticas" para a conclusão do programa.

"É importante para mim enfatizar que, para que as discussões de conclusão da avaliação sejam bem-sucedidas, estas não podem ficar confinadas aos parâmetros de políticas definidos na lista do Governo", escreveu Lagarde.

O presidente do BCE também escreveu a Dijsselbloem, insistindo que as condições que figuram no memorando têm de ser respeitadas. "Assumo que é claro que a base para concluir a actual revisão, e também para quaisquer futuros acordos, serão os compromissos existentes no actual memorando de entendimento", afirmou Mario Draghi, salientando que a lista de medidas agora apresentada "é diferente dos compromissos do actual programa em diversas áreas".

“Vamos ter de avaliar durante a avaliação se as medidas que não são aceites pelas autoridades são substituídas por medidas de igual ou superior qualidade para atingir os objectivos do programa”, disse ainda Draghi.


Último obstáculo são os parlamentos nacionais
Ultrapassados os exames das instituições e do Eurogrupo, falta apenas um obstáculo para que a extensão do programa grego seja oficial: a aprovação pelos parlamentos nacionais que assim o exigem. Ainda restam incertezas todavia sobre quantos parlamentos deverão pronunciar-se, sendo apenas certo que o parlamento alemão deverá votar o texto: Schäuble já pediu ao Bundestag para aprovar a extensão, o que deverá ocorrer sexta-feira.

Segundo a AFP, para além da Alemanha, também os Países Baixos, a Finlândia e a Estónia deverão consultar os seus parlamentos. Fontes comunitárias acrescentam também a Eslovénia, a Eslováquia e Malta, especificando que a aprovação poderá não tomar a forma de um voto formal em assembleia plenária. Na Estónia, que vai a eleições no domingo e cujo parlamento não se encontra em sessão, deverá apenas haver um voto em comissão parlamentar.

Os procedimentos diante dos parlamentos nacionais têm de ser concluídos antes de sexta-feira, para que no sábado, data em que expira o programa actual de assistência financeira, o Governo grego já tenha mais uns meses para respirar, e poder então detalhar e implementar as reformas para concluir a quinta e última avaliação.


As medidas deverão por isso ser trabalhadas e especificadas, num trabalho conjunto com a Comissão Europeia, BCE e FMI, até ao final de Abril. Para que a entrega da última tranche do empréstimo da zona euro à Grécia se concretize, será necessário que o Governo grego, pressionado internamente a não ceder mais nas suas posições, dissipe as dúvidas agora reveladas pelas instituições da troika. Uma tarefa que se adivinha tão ou mais difícil do que o compromisso inicial agora obtido no Eurogrupo. com Sérgio Aníbal

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