quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

Apelo a Passos para rever posição face à Grécia / “Carta ao primeiro-ministro de Portugal”


Apelo a Passos para rever posição face à Grécia
Numa carta aberta ao primeiro-ministro, personalidades de vários sectores defendem que é “do interesse de Portugal contribuir activamente para uma solução multilateral do problema das dívidas europeias”

Paulo Pena / 12-2-2015 / PÚBLICO

A carta tem duas ideias principais: o Governo português, ao insistir, a propósito da Grécia, que “a política de austeridade prosseguida se deve manter inalterada”, escolhe um caminho “contraproducente”; mais ainda quando esta é, na opinião dos subscritores, uma “oportunidade que não pode ser desperdiçada para um debate europeu sobre a recuperação das economias e das políticas sociais”.
No momento em que Passos Coelho enfrenta um dos mais decisivos Conselhos Europeus do seu mandato, hoje em Bruxelas, a carta surge como um “apelo”, um “pedido”, um “alerta à opinião pública”, na descrição dos signatários ouvidos pelo PÚBLICO.
Subscrevem a carta vários dos dinamizadores do anterior Manifesto dos 74, sobre a renegociação da dívida portuguesa, como Bagão Félix, Francisco Louçã, João Cravinho e Carvalho da Silva. Mas esta carta tem outros nomes que, adianta Pedro Adão e Silva, um dos autores, “revelam que há um consenso alargadíssimo na sociedade portuguesa, de que o Governo não faz parte”. No campo político, há personalidades de todos os quadrantes: Octávio Teixeira (PCP), Mariana Mortágua (BE), José Reis (Tempo de Avançar), Carlos César (presidente do PS), Pacheco Pereira (PSD), Ricardo Bayão Horta (CDS). A novidade é a inclusão de cientistas, como Maria Mota (Prémio Pessoa 2013) e Mónica Bettencourt Dias.
Para Octávio Teixeira, esta carta aponta a abordagem “completamente errada” do Governo português face à Grécia: “Portugal tem problemas idênticos e não deve ter uma posição de total oposição à abertura de negociações. Por isso alertamos o primeiro-ministro para o seu dever de pensar o nosso país também. O que tem sido dito é contrário aos interesses de Portugal.” Pedro Adão e Silva salienta que a carta aponta o caminho “de uma resposta europeia”. José Reis, director da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, concorda: “Antes de ser grego ou português, este é um problema europeu. A solução só pode ser cooperativa, solidária e europeia.”
Para Francisco Louçã, “Portugal não se pode isolar de um debate que pode ser decisivo ou perigosíssimo para a Europa”. O perigo está na tentação de forçar “a saída da Grécia do euro”, o que seria “gravíssimo”. O almirante Melo Gomes, ex-chefe do Estado-Maior da Armada, avisa que “a situação mais perigosa” para Portugal seria ficar isolado “com uma posição radical” .
O primeiro-ministro tem apontado a Grécia como um caso “singular” no contexto da UE. “A Europa tem o dever e o interesse em ajudar a Grécia a ultrapassar os seus problemas, o que não pode é fazê-lo de qualquer maneira, o que não se pode dizer é que a Grécia é um problema da Europa, dos portugueses, dos espanhóis e dos franceses.”
Ontem o Presidente da República proferiu declarações ainda mais duras: “A Grécia não pode fazer o que bem entende.” Para Cavaco Silva, “Portugal tem vindo a demonstrar solidariedade em relação à Grécia para que ela permaneça na zona euro. Além do empréstimo de 1100 milhões de euros, Portugal tem vindo a transferir para a Grécia o produto dos juros das obrigações na posse do Banco de Portugal, o que significa muitos milhões de euros que saem da bolsa dos contribuintes portugueses”. Esta última afirmação é polémica, uma vez que os juros das obrigações gregas apenas são incluídos no Orçamento português por uma questão “política”, dado que o BCE – que é quem, de facto, compra a dívida grega, e não os contribuintes portugueses – acordou com os Estados-membros um processo de devolução indirecta dos juros, decidido no processo de reestruturação da dívida helénica.

A afirmação de Cavaco levou Carlos César a acusá-lo de ter “pouco sentido de Estado”. Octávio Teixeira prefere a ironia: “Estar calado é mau, mas é melhor do que dizer coisas destas.”

“Carta ao primeiro-ministro de Portugal”

As cidadãs e os cidadãos abaixo-assinados manifestam a sua preocupação quanto à posição do Estado Português no Conselho Europeu de hoje. Tem o primeiro-ministro declarado que, mesmo perante a grave crise humana que se vive na Grécia, a política de austeridade prosseguida se deve manter inalterada. Os factos têm evidenciado que este caminho é contraproducente. Não temos dúvidas de que a Europa vive uma situação difícil, pelas tensões militares na sua periferia e pelos efeitos devastadores de políticas recessivas que geraram desemprego massivo, o aumento do peso das dívidas soberanas e deflação, abalando assim os alicerces de muitas democracias. Este momento exige por isso uma atitude construtiva, que conduza a uma cooperação europeia de que Portugal não se deve isolar. Para evitar uma longa depressão, a União tem de combater a incerteza na zona euro e, para tanto, precisa de uma abordagem robusta que promova soluções realistas e de efeito imediato. O momento actual oferece uma oportunidade que não pode ser desperdiçada para um debate europeu sobre a recuperação das economias e das políticas sociais dos países mais sacrificados ao longo dos últimos seis anos. É por isso também do interesse de Portugal contribuir activamente para uma solução multilateral do problema das dívidas europeias reduzindo o peso do serviço da dívida em todos os países afectados, que tem sufocado o crescimento económico, agravando a crise da zona euro. Pela mesma razão, é ainda necessário que Portugal favoreça uma Europa que não seja identificável com um discurso punitivo mas com responsabilidade e solidariedade, que não humilhe Estados-membros mas promova a convergência, que não destrua o emprego e as economias mas contribua para uma democracia inclusiva. Estamos certos, senhor primeiro-ministro, de que agora é o tempo para este apelo à responsabilidade numa Europa em que tanto tem faltado o esforço comum para encontrar soluções para uma crise tão ameaçadora. signatários: Adriano Pimpão, Bagão Félix, Sampaio da Nóvoa, Carlos César, Freitas do Amaral, Ferro Rodrigues, Seixas da Costa, Helena Roseta, Lídia Jorge, João Cravinho, Pacheco Pereira, Carvalho da Silva, Mariana Mortágua, Paulo Trigo Pereira, Viriato Soromenho Marques
In PÚBLICO / 12-2-2015

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