Tráfico de imigrantes: O que os
dois navios “fantasma” revelam
CATARINA
FERNANDES MARTINS / 2/1/2015, OBSERVADOR
Dois navios de grande envergadura com milhares de imigrantes ilegais foram
deixados em piloto automático no Mediterrâneo nos últimos quatro dias - uma
nova estratégia para forçar a UE?
Dois navios de
grande envergadura cheios de imigrantes ilegais deixados sem tripulação à
deriva no Mediterrâneo em direção à costa italiana. A guarda costeira forçada a
intervir e a tomar o controlo dos barcos para impedir duas tragédias, salvando
a vida a milhares de pessoas. Em apenas quatro dias, dois casos semelhantes
levantaram uma suspeita: Estaremos a assistir a uma nova técnica usada pelos
traficantes de imigrantes que querem chegar à Europa?
Na terça-feira,
cerca de 1.000 imigrantes ilegais, segundo o Independent (o Guardian e a BBC
falam em 796 ou 800), foram resgatados do cargueiro moldavo Blue Sky M, deixado
sem tripulação e à deriva perto da ilha grega de Corfu. A guarda costeira
italiana assumiu o controlo do cargueiro e conduziu-o para o porto de Galipoli,
na costa italiana, evitando assim um desastre que esteve iminente, uma vez que,
como escreveu o Guardian, o navio esteve a cinco milhas de embater contra a
costa rochosa.
Durante a noite
de quinta-feira, as autoridades italianas entraram no Ezadeen, um navio com
bandeira da Serra Leoa que transportava 450 imigrantes e que também terá sido
abandonado pela tripulação. Acredita-se que a maior parte dos imigrantes –
entre os quais haverá crianças e mulheres grávidas – seja de origem síria.
Normalmente, os
barcos utilizados para estas travessias são pequenas embarcações, por vezes,
mesmo botes insufláveis. Nos dois casos registados esta semana foram utilizados
navios de mercadorias de grandes dimensões.
Ewa Moncure,
porta-voz da agência da União Europeia para a vigilância de fronteiras,
Frontex, estabeleceu um paralelo entre os dois casos, dizendo que os
traficantes parecem ter usado o mesmo método, recorrendo a navios desativados,
segundo a CNN. Ewa Moncure disse ainda que cada imigrante ilegal a bordo do
Ezadeen terá pago 3.000 dólares (cerca de 2.500 euros) para fazer a viagem.
Floriana Segreto,
porta-voz da guarda costeira italiana, disse à cadeia de televisão
norte-americana que estes barcos são velhos navios de mercadorias que “já não deveriam
navegar no Mediterrâneo”, mas saem de portos na Grécia ou na Turquia, levando a
bordo centenas de imigrantes ilegais, que pagam cerca de 6.000 euros por um
lugar. Quando chegam a águas italianas, a tripulação envia pedidos de auxílio
por satélite, telefona para associações humanitárias ou contacta diretamente a
guarda costeira. É nessa altura que os traficantes abandonam o navio, ou se
misturam com os imigrantes. Neste último caso, só é possível identificá-los
durante os interrogatórios, disse Floriana Segreto.
Na imprensa
internacional já se escreve que esta parece ser uma forma de obrigar as
autoridades europeias a resgatar as pessoas a bordo dos navios com destino ao
continente, contornando assim as restrições da operação Tritão e testando a
promessa comunitária, feita em novembro do ano passado, de que ninguém
abandonaria imigrantes ilegais em barcos no Mediterrâneo, onde em 2014 morreram
mais de 3.000 pessoas. Na altura, o ministro do interior italiano, Angelino
Alfano, garantia: “Não voltaremos as costas aos nossos deveres de resgate”.
No fim de
outubro, Itália anunciou o fim da operação Mare Nostrum, lançada em outubro de
2013 depois dos dois naufrágios que ocorreram perto de Lampedusa e que
provocaram mais de 400 mortos. Esta operação custou ao Estado italiano cerca de
9 milhões de euros por mês e foi substituída, em novembro, pela iniciativa
comunitária Tritão, conduzida pela Frontex. Mas a atuação da operação Tritão
está limitada a uma área restrita, dispondo de fundos igualmente limitados. O
orçamento é de apenas 2,9 milhões de euros, menos de um terço do que o do Mare
Nostrum.
Citada pela CNN,
Ewa Moncure disse que apesar de os navios desta agência se destinarem à
patrulha fronteiriça são obrigados a intervir em situações de resgate.
A Comissão
Europeia já reagiu aos dois casos, dizendo que está a acompanhar a situação. “Os
resgates do Blue Sky M e do Ezadeen mostram que os traficantes estão a
encontrar novas formas de entrar na União Europeia”, disse uma porta-voz da
Comissão à AFP. “Para impedir estes acontecimentos e para proteger as vidas dos
imigrantes, o combate ao tráfico continuará a ser uma prioridade para a agenda
da migração da Comissão Europeia para 2015″, defendeu.
O deputado
britânico do Parlamento Europeu Claude Moraes, presidente da Comissão das
Liberdades Cívicas, da Justiça e dos Assuntos Internos, disse à BBC que “a
operação Tritão não ajuda ninguém”, uma vez que, ao contrário da operação Mare
Nostrum, não conta com um sistema judicial soberano. Por essa razão, defendeu,
os traficantes não têm tanto receio de atuar.
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