E ... a “Cannonade”
dirigida contra Raquel Varela, continua ...
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Raquel Varela, o Povo e os porcos
André Azevedo Alves / 4-1-2014 / OBSERVADOR
A forma como Raquel Varela manifesta publicamente o seu desprezo pelos
“suburbanos” e pela “piroseira” é muito útil para compreender a verdadeira
essência da extrema-esquerda e do seu desejo de poder.
O clássico
“Animal Farm”, de George Orwell, continua a ser uma obra imprescindível para
compreender o funcionamento do comunismo, e em particular a forma como as
elites revolucionárias concebem a sua relação com as massas. Na muito
recomendável fábula, os jovens porcos intelectuais que assumem o comando da
revolta dos animais pregam incessantemente o valor supremo da igualdade, mas
acabam por adoptar o mandamento: “Todos os animais são iguais mas alguns são
mais iguais que os outros.”
O mandamento na
sua forma final descreve na perfeição o estado de espírito de muitos
intelectuais da extrema-esquerda, que invocam a necessidade de uma revolução em
nome do Povo (com “P” maiúsculo), mas simultaneamente desprezam as pessoas
concretas. O Povo – abstracto e impessoal – é uma entidade massificada,
explorada, homogénea, heróica e ficcional de cujos genuínos interesses os
intelectuais de extrema-esquerda são os únicos legítimos intérpretes. Já as
pessoas concretas, que na sua esmagadora maioria não fazem parte da aristocracia
revolucionária nem correspondem ao arquétipo de um integrante do Povo
ficcionado, são merecedoras do mais absoluto desprezo, precisamente pelas suas
características de pessoas normais.
Em Portugal, uma
das mais apuradas praticantes desta abordagem é a investigadora Raquel Varela.
Foi precisamente neste estado de espírito que Raquel Varela manifestou o seu
desprezo relativamente a Pedro Passos Coelho “com o seu fato de alfaiate de
segunda, morador suburbano” ( a este propósito vale a pena ler ou reler o que
escreveram Helena Matos e Maria João Marques ). Foi também imbuída da mesma
atitude que, em 2013 no decorrer de um Prós & Contras, a investigadora
Raquel Varela tentou – felizmente sem sucesso – humilhar Martim Neves, um jovem
de 16 anos, pelo “crime” de ser empreendedor e gerar empregos.
Os mais recentes
alvos da investigadora Raquel Varela são Cristiano Ronaldo e a sua família, em
especial Dolores Aveiro. Comentando uma notícia que dá conta da forma como
familiares de Ronaldo celebraram a passagem de ano, Raquel Varela declara
relativamente ao futebolista que “torná-lo vanguarda da cultura de massas é uma
lama que um dia destes nos atinge a todos. Depois da estátua patética – que
associa força e sexualidade a um falo desmesurado, este herói retratado para a
posterioridade como um “animal (só) de 4 patas”, diria Freud – temos a mãe
“carcacinha” e a Casa dos Segredos a ser vista da sala VIP como sinónimo de uma
noite de glamour. É uma vergonha, uma piroseira, uma monstruosidade que deforma
o povo deformando os seus heróis, e um mau gosto inusitado, que se passa num
país que estrangula escolas de música, manda poetas emigrar, corta salários a
actores, saqueia escritores com impostos, fecha teatros e passa bons filmes às
2 da manhã.”
Fazer pouco da mãe
de Ronaldo e tentar humilhá-la publicamente pelos seus gostos e,
indirectamente, pela sua origem social, pode parecer incongruente para alguém
que se auto-proclama defensora do Povo, mas na realidade é perfeitamente
consistente à luz da abordagem intelectual acima descrita: “Todos os animais
são iguais mas alguns são mais iguais que os outros.” Mais do que falta de
educação, arrogância ou pedantismo, o que todos estes episódios revelam é a
forma como as elites revolucionárias – os jovens porcos intelectuais de Orwell
– realmente concebem a sua relação com as massas que desejam “libertar” à força
da “opressão” do mercado.
Face aos exemplos
apresentados e a outras intervenções públicas da investigadora Raquel Varela
pode ser tentador descartá-la como apenas um caso extremo de activismo
político, mas a verdade é que está longe de ser um caso raro ou excepcional.
Quem conhece minimamente as Universidades portuguesas, particularmente no
domínio das ciências sociais, sabe que Raquel Varela é representativa de um
modo de pensar e agir com raízes e implantação profunda em Portugal. Se alguma
coisa distingue a investigadora Raquel Varela, não é o seu maior grau de
radicalismo, mas sim o ter um discurso mais articulado e uma imagem mais
cuidada e apresentável do que muitos dos seus pares que pensam basicamente da
mesma forma, mas não possuem dotes nem projecção comunicacional comparável.
Relativamente ao
sofrimento e às vidas das pessoas concretas que em Portugal passam
dificuldades, a Dona Dolores pode certamente proporcionar lições mais
pertinentes do que a investigadora Raquel Varela, mas a forma cândida como, do
alto da sua confortável posição de privilégio garantida pelo Estado, esta
última manifesta publicamente o seu desprezo pelos “suburbanos” e pela “piroseira”
é muito útil para compreender a verdadeira essência da extrema-esquerda e do
seu desejo de poder.
Professor do
Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa
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