quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

Frente Nacional. Sede escondida, discurso afiado e um cofre aberto / OBSERVADOR.


Marine Le Pen quer fechar as fronteiras da França e impedir que "entrem terroristas no País"
AFP/Getty Images

Frente Nacional. Sede escondida, discurso afiado e um cofre aberto
SÓNIA SIMÕES / 13/1/2015, OBSERVADOR

A filial da Frente Nacional em Paris está escondida, por "razões de segurança". As funcionárias dizem que os atentados fizeram disparar os cheques de adesão ao partido, que já fala de pena de morte.

Não existe qualquer placa de identificação na filial da Frente Nacional, em Paris. A porta fica ao lado de umas janelas baças pelo tempo, há uma campainha e nada mais. Estamos na Rua Jeanne D’Arc e não há um único sinal de que ali fica o partido francês mais à direita, aquele que defendeu o regresso da pena de morte e a reintrodução de fronteiras na Europa.

A mulher que abre a porta, ao fim de alguma insistência, justifica: “Entre rápido, por razões de segurança não gostamos de nos expor”. Desde o ataque ao semanário satírico Charlie Hebdo, há uma semana, que o correio transborda e o telefone não para de tocar, garantem.

“Há dois tipos de telefonemas: os das pessoas que se querem mostrar solidárias com o partido e os que querem informações ou formulários para aderirem”, explica ao Observador Bernadette de la Bourdonnaye, responsável pelas relações com a imprensa.

“Estamos cheias de trabalho e sem mãos a medir. Desde a semana passada que não param de chegar cheques com adesões e o telefone não para”, conta.

Ainda não há números de adesões após os ataques em Paris, mas, em setembro de 2014, o partido contava já com mais de 83 mil adesões, um recorde desde 2011 – o partido recebeu uma média de 20 mil inscritos por ano.

O número de telefonemas levou a que a Frente Nacional organizasse um encontro em Nanterre, onde funciona a sede o partido, para que as pessoas pudessem obter informações e pudessem inscrever-se.

Bernadette de la Bourdonnaye, responsável pelas relações com a imprensa da FN.
 Bernadette de la Bourdonnaye, que abre envelopes enquanto fala ao Observador, tem nas mãos cheques com vários valores. A maior parte é de 250 euros. “A Marine Le Pen sempre disse que o dinheiro não seria um problema para quem quisesse aderir ao partido. Assim, um estudante paga 30 euros anuais. Depois, há vários valores, consoante o que cada um pode dar”, refere. Há vários tipos de adesão possível: além de estudante, há preços para adesões de “casais” ou para adesões “de suporte”. A do valor mais elevado chama-se “adesão prestígio”.

Quem está na sede diz que, entre quarta-feira e sábado, grande parte dos telefonemas que chegaram foram por solidariedade. Porquê? Na quinta-feira, o Presidente francês, François Hollande, reuniu com vários partidos para organizar a marcha da República (que se realizou no domingo, mas chegou a estar prevista para sábado), e não convidou a Frente Nacional. A líder do partido, Marine Le Pen, que tinha já agendado um encontro com o Presidente na manhã de sexta-feira, decidiu não ir à marcha. Trocou-a por uma outra, precisamente em Nanterre, onde o partido joga em casa. “Foi uma querela política. Mas Hollande esteve mal, porque numa manifestação pela união e pela liberdade de expressão, não ter vontade que a Frente Nacional esteja presente…”, opina Bernardette, antes de fazer questão de mostrar um “cartaz antigo” onde Marine Le Pen apela à “união do povo francês” – o mote da marcha da República.

As duas mulheres que trabalham ao cimo de umas escadas de madeira, que ligam uma biblioteca aos escritórios, passaram a manhã na Prefeitura de Paris, numa homenagem aos polícias mortos. Já estiveram em vários locais a prestar homenagem às vítimas dos ataques registados na última semana. “Não fomos à marcha, mas temos feito homenagens por todo o País”, garante Bernadette.

No discurso da Frente Nacional, tudo é medido. A responsável ressalva, por exemplo, que os “ataques não são bons para ninguém”. Mas é óbvio para todos que, desde quarta-feira, o partido não larga o assunto, procurando reforçar o discurso mais radical de França – um dos mais duros da Europa contra a imigração. “O que dá pena é que há muito que a Marine Le Pen diz que o extremismo islâmico é perigoso, que há pessoas a serem recrutadas nas prisões. Ela fez um diagnóstico e não foi ouvida ou levada a sério”, diz.

“O que queríamos era fechar as fronteiras para impedir os terroristas e as armas de entrarem no País. E controlar melhor quem sai e quem entra”, diz. “Isto não é simples?”, interroga.

Mas é mais complicado do que isso. Marine Le Pen pediu já a suspensão dos acordos de Schengen, que permitem a livre circulação entre países europeus, e que deve ser impedido o regresso a França aos cidadãos com dupla nacionalidade que vão para países terceiros lutar em células terroristas. Disse, também, que “os islamitas abriram guerra contra França”, justificando que seja dada — palavras de Le Pen — “aos franceses a oportunidade de se pronunciarem sobre o regresso da pena de morte” através de um referendo – e que a pena de morte devia fazer parte do “arsenal penal” francês. Jean-Marie Le Pen, pai de Marine Le Pen e fundador da Frente Nacional, até utilizou, por exemplo, um conhecido slogan britânico para apelar ao voto na sua filha no Twitter: “Keep calm and vote Le Pen”.

“Discurso perigoso e enganador”

Paulo Sande, antigo diretor do Gabinete em Portugal do Parlamento Europeu, olha para o discurso adotado pela Frente Nacional, e não só não vê simplicidade como considera mesmo que a radicalização defendida, “na linha do que sempre foi defendido pelo partido”, é altamente contraproducente. “É um discurso perigoso, e enganador. Pretende levar as pessoas a pensarem que acabar com Schengen é acabar com os atentados. Isso não é verdade. E é um discurso de demagogia, que usa os argumentos tradicionais de um partido de extrema-direita, as pessoas não vão ficar mais seguras.”


Paulo Sande sublinha que a argumentação de Marine Le Pen se baseia em pressupostos errados: “Dizer que as fronteiras nacionais protegem mais que um espaço alargado, com reforço nas fronteiras, partilha de informação, é um erro. O que acontece é justamente o oposto, é precisamente com fronteiras alargadas que se consegue lutar contra ameaças destas”. E o antigo diretor do Gabinete em Portugal do Parlamento Europeu aponta um perigo: “É evidente que há uma radicalização, as sociedades europeias estão muito radicalizadas, a crise também trouxe isso, os imigrantes são muitas vezes culpabilizados. Se nós apontarmos os islâmicos como inimigos, estamos a falar de muitos milhões na Europa. Só em França são quase quatro milhões. Pessoas a quem a República francesa reconheceu a nacionalidade. Isto é um problema de fundo. Estaremos a dar razões para os islamitas recrutarem, ao radicalizarmos o discurso.”

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