sábado, 6 de julho de 2013

O que é feito da vergonha? O que é feito da vergonha?


Portas fica e CDS ganha mais peso no Governo.


Por Sofia Rodrigues in Público
06/07/2013

Acordo só deverá ser validado hoje pelo Presidente da República e consagra a ideia de um segundo ciclo da coligação, centrado no crescimento económico

Passos Coelho e Paulo Portas anunciam hoje uma solução de Governo, que passa pela permanência do actual líder do CDS no Executivo numa posição reforçada face à actual. Este era o cenário mais provável admitido ontem à noite, mas que não foi confirmado oficialmente por existir um compromisso de não revelar informação sobre o acordo entregue ao Presidente da República pelo primeiro-ministro.
Tudo indica que Cavaco Silva ainda não validou o acordo, onde alguns pontos ainda estão por fechar. Mas várias fontes referiram ao PÚBLICO ideias comuns: a grande probabilidade de Paulo Portas ficar como vice-primeiro-ministro e o convite feito a António Pires de Lima para ficar com a Economia. Jorge Moreira da Silva, o primeiro vice-presidente do PSD também terá sido convidado para integrar o Governo.
As direcções dos dois partidos da coligação reúnem-se ao final do dia de hoje, num hotel em Lisboa, e na sequência deste encontro haverá uma declaração. Portas ficará numa posição mais reforçada no executivo, provavelmente como vice-primeiro-ministro, e deixa de ser ministro dos Negócios Estrangeiros. O líder do CDS volta atrás na decisão de "demissão do Governo" que era "irrevogável" como escreveu na carta que enviou o primeiro-ministro na terça-feira.
No Conselho Nacional de ontem à noite, Paulo Portas não revelou detalhes do acordo nem esclareceu os centristas se ficava no Governo, alegando um compromisso de silêncio sobre o entendimento, que está nas mãos do Presidente da República. Mas disse ter optado pelo interesse nacional. "Entre eu próprio e o partido, escolho o partido e entre o partido e o país escolho o país", disse o líder do CDS. "O acordo é bom para Portugal e para a coligação", acrescentou.
Portas adiantou que tomou a decisão de pedir a demissão de ministro dos Negócios Estrangeiros na segunda-feira, embora só estivesse tomada em termos definitivos no dia seguinte. E justificou o motivo de não ter falado com ninguém: "As razões de consciência não se partilham". O líder do CDS não partilhou sequer das suas intenções com o Presidente da República. Só depois informou a Presidência da República da decisão, mas não directamente Cavaco Silva.

Optimismo nos dois partidos
Ontem à noite, na sede do CDS, em Lisboa, momentos antes do início Conselho Nacional marcado para adiar o congresso deste fim-de-semana, o ambiente já era mais descontraído do que nos últimos dias à medida que era dado como certo um acordo de Governo.
Os centristas estavam satisfeitos por saber que havia um entendimento entre Portas e Passos. Nuno Melo, vice-presidente do CDS, deu conta disso mesmo. "Da minha parte, enquanto vice-presidente do CDS, sublinharia apenas a tranquilidade que sinto por saber que Portugal estará preparado para enfrentar os desafios que terá pela frente", disse à entrada da reunião.
Do lado do PSD, o optimismo também reinava. Jorge Moreira da Silva, vice-presidente do PSD, congratulou-se com o entendimento alcançado.
"É uma solução que reforça os níveis de confiança, de coesão e de estabilidade nesse Governo e é essa resposta que os portugueses esperam para a estabilidade que assegure o cumprimento do memorando de entendimento e da abertura para uma fase de crescimento e de emprego", afirmou aos jornalistas o dirigente social-democrata, à margem da apresentação de uma candidatura autárquica, em Mafra.
Pires de Lima "disponível"
Sem entrar em detalhes do acordo, o presidente do Conselho Nacional António Pires de Lima deu uma entrevista à TVI em que revelou a sugestão que deu a Portas.
"Dei-lhe um conselho no sentido de resolver rapidamente esta crise e assegurar uma solução sólida e estável, que não deixe dúvidas a ninguém sobre a estabilidade desta coligação até Outubro de 2015", afirmou o dirigente centrista. Mas Pires de Lima sublinhou a necessidade de "marcar um segundo ciclo de governação com prioridade para a Economia".
Quanto à possibilidade de vir a assumir a pasta da Economia, o empresário disse não querer alimentar especulações, mas deixou uma frase enigmática: "Estou disponível para servir o meu país para evitar um segundo resgate". Já quanto a funções partidárias Pires de Lima afastou completamente essa hipótese por considerar que "não tem vocação".

Novas prioridades
A prioridade que o Governo vai ter de passar a dar à economia e ao crescimento estiveram no centro das negociações. Desde há muito que o CDS reclama um segundo ciclo político e económico virado para o crescimento e o investimento. E foi essa oportunidade que o líder do CDS viu quando foi informado que Vítor Gaspar iria sair do Governo. Balde de água fria foi o nome para substituir o ministro de Estado e das Finanças: Maria Luís Albuquerque. Para o CDS era a continuidade.
Por outro lado, a dias da oitava avaliação da troika, a coligação acerta questões relacionadas com a revisão das metas do défice (para 2014) e as linhas gerais do próximo Orçamento do Estado.
A suavização da meta do défice para 2014 é um desejo do CDS manifestado há muito tempo e já foi considerada como uma possibilidade pelo primeiro-ministro "se for necessário".
Por último, o PÚBLICO sabe que no acordo entre PSD e CDS há um capítulo dedicado às próximas eleições europeias, em que se estabelece que os dois partidos apresentarão listas conjuntas para o acto eleitoral de Maio de 2014.
Um compromisso que visa mostrar que o acordo é de médio prazo e vai, pelo menos, até ao final do prazo de cumprimento do programa de assistência financeira, em Junho do próximo ano. com São José Almeida e Leonete Botelho


O que é feito da vergonha?


Por São José Almeida in Público
06/07/2013

É triste ver como os ainda líderes do PSD e do CDS não percebem que a liderança em democracia tem limites

Obedecendo à pressão dos credores, do presidente da Comissão Europeia, Durão Barroso, e do Presidente da República, Cavaco Silva, o primeiro-ministro e líder do PSD e o líder do CDS chegaram ontem a acordo, havendo indicação de que Paulo Portas deverá continuar no Governo, dando o dito por não dito.
Só a falta da noção do interesse público, só um imenso autoritarismo, só um profundo egoísmo e vaidade, só um desrespeito absoluto pelos outros e pelo que é a democraticidade da vida pública explicam o comportamento que o primeiro-ministro, Passos Coelho, e o ministro demissionário, Paulo Portas, tiveram ao longo de toda a semana, provocando uma crise gravíssima de desgaste das instituições democráticas e do Estado de Direito. Passos e Portas agem como aquilo que são, dois individualistas autocentrados, que pensam que tudo podem.
Primeiro assistimos à decisiva demissão do seu braço-direito no Governo, o ministro de Estado e das Finanças, Vítor Gaspar. Uma demissão ainda não explicada, mas que pode indiciar que a situação do país é muito mais grave do que se supõe, como afirmou Manuela Ferreira Leite (PÚBLICO online 04/07/2013). Na terça-feira, foi a vez de se demitir o líder do segundo partido da mesma e ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, Paulo Portas. E perante a desagregação do Governo, Passos insistiu em dizer-se primeiro-ministro, em dizer que havia Governo, em negar a realidade e o que deve ser o normal funcionamento da democracia.
Fez uma comunicação ao país em que se atreveu a recusar a um ministro do seu Governo o direito à liberdade de dispor da sua vontade de permanecer nesse mesmo Governo. E fez uma afirmação absurda em democracia: recusou aceitar a demissão de ministro de Portas. Passos decidiu agir assim como um senhor absoluto. Qual Luís XIV, autor do pronunciamento político "L"État c"est moi", Passos assume: O Governo sou eu.
Tentando negar a evidência democrática de que, se o líder do segundo partido da coligação se demite do Governo, deixa de haver acordo político que sustenha essa coligação e deixa de haver Governo. O constitucionalista Jorge Miranda foi claro em explicar que, perante o impasse do primeiro-ministro em aceitar a demissão do ministro, o Presidente tinha de pedir que a situação fosse esclarecida. (PÚBLICO online 03/07/2013)
Assim, Passos insiste em manter conversações com Portas, forçando um acordo com o CDS e dando gás ao que são as ambições dos dirigentes deste partido, na tentativa de se manter no poder. Dando ao país o espectáculo de quem estava a jogar um gigantesco jogo da batalha-naval com o futuro de todos. Um jogo em que se discutiram lugares de governação e benesses, como se os portugueses fossem bonecos e o futuro do país uma monumental brincadeira. Prosseguindo assim uma actuação politicamente autista que encontrou respaldo político no Presidente da República. Isto porque Cavaco Silva insiste em prolongar um clima político irrespirável de podre e em considerar que é um risco para o país a saudável clarificação política que virá de eleições.
É triste ver como os ainda líderes do PSD e do CDS não percebem que a liderança em democracia tem limites e que o seu prazo de validade está no fim. É triste assistir ao espectáculo do desespero perante o vazio da perda do poder, que leva a insistir para lá do limite em negociações para encontrar um novo Governo. E que Governo será esse? Com que confiança? Com que credibilidade? Com que condições de entendimento funcionará um Governo saído de um acordo feito à força e por imposição da teimosia de um primeiro-ministro e de um Presidente? Negociar o quê? Vão governar como?
Por fim, qual o papel de Paulo Portas nesta tragédia? Demitiu-se depois de ter feito um percurso crítico na coligação. Demitiu-se assumindo o seu gesto como "irrevogável". E agora fica? É certo que Portas tem um passado recheado de contradições, de posições que deixam de o ser no dia ou na semana seguinte. É verdade que Paulo se tem mantido à tona da linha-da-água da política fruto de uma lealdade que apenas existe para consigo mesmo e para com os seus interesses - Manuel Monteiro é uma das testemunhas disso, assim como Maria José Nogueira Pinto o foi. Mas há limites mesmo para quem vê a política como um jogo cujas regras podem ser eternamente refeitas e que tem da ética a noção egoística de que esta se pode adaptar as circunstâncias do interesse e do desejo pessoais.
No carácter não há circunstâncias. Ou se tem ou não se tem. E a coligação entre o PSD e o CDS neste momento não tem um problema político, tem sim e apenas um problema de carácter: tem um problema de "falta de vergonha na cara". E a grande dúvida que determina neste momento o futuro do país é a de saber: O que é feito da vergonha?

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