domingo, 14 de julho de 2013

"O meu partido é a cidade do Porto"

"O meu partido é a cidade do Porto"
"Filipe Menezes escolhe-me como alvo, reconhece que posso disputar a vitória"


Por Álvaro Vieira, Margarida Gomes e Patrícia Carvalho in Público

Rui Moreira Candidato independente à Câmara do Porto e ex-líder da Sociedade de Reabilitação Urbana da cidade sugere que o Governo visa prejudicá-lo com o fim do financiamento e auditorias a esta SRU


É gestor de empresas, apoiou a candidatura presidencial de Mário Soares e lidera há anos a Associação Comercial do Porto, na qual suspendeu o mandato. Rui Moreira é um rosto conhecido da TV, onde tem defendido as cores do FC Porto, e dos debates sobre questões do Porto e do Norte. Já se falou dele como potencial candidato à Câmara do Porto, contra Rio. Hoje é o candidato anti-Menezes.


Foi uma voz crítica dos primeiros mandatos de Rui Rio. O que mudou? Foi a sua opinião ou a política de Rio?
Algumas das críticas que fazia mantenho-as, por exemplo, a desvalorização da cultura enquanto factor de desenvolvimento e diferenciação da cidade. Há outras matérias em que já então lhe reconhecia mérito. Lembro a questão dos bairros sociais, que me pareceu muito importante logo na apresentação da sua primeira candidatura. Quanto às medidas que me pareciam conservadoras do ponto vista do investimento público, hoje verifica-se que ele tinha razão e que eu estava enganado.


Espera receber o apoio de Rui Rio? O timing está combinado?
Não está combinado, nem conto recebê-lo. Tanto eu como os outros candidatos, se excluirmos os da extrema-esquerda, já disseram implícita ou explicitamente que gostariam de ter o seu apoio. Acha que Rui Rio daria um bom primeiro-ministro?
Sobre as questões nacionais tenho muita dificuldade em falar, porque tenho uma enorme perplexidade sobre tudo o que tem sucedido nos últimos tempos. Se me pergunta se acho que ele teria melhores condições para ser primeiro-ministro do que o actual, digo-lhe com certeza que sim.


E se Rio o convidasse para ministro?
Não aceitaria. Já fui convidado no passado para cargos até de natureza governamental fora do Porto. A minha vida é aqui, gosto muito desta cidade, dediquei-lhe a minha vida, foi aqui que fiz a minha família, é aqui que gosto de viver. Não sinto esse chamamento, portanto é um assunto encerrado. A fazer alguma coisa pública é aqui que gostaria de a fazer.


Referia-se ao convite de Durão Barroso?
Exactamente.


Tem sido o alvo preferencial da candidatura do PSD. É por ser um candidato anti-Menezes?
O dr. Luís Filipe Menezes está a reconhecer que sou um candidato que pode disputar com ele a vitória e é natural que me escolha como alvo, o jogo político é assim.


Por que é que se candidata à Câmara do Porto?
Houve um conjunto de cidadãos muito transversal à sociedade portuense, com origens ideológicas muito diferentes, desde a esquerda à esquerda do PS até à direita, que começou a organizar-se no sentido de haver uma candidatura alternativa àquelas que já eram conhecidas. Perguntaram-me se estaria disponível. Percebi que havia condições para avançar e para disputar a vitória, porque essa era também uma questão fundamental. Mas tive o cuidado de dizer que a definição quer da equipa, quer do programa seriam sempre da minha responsabilidade - para mim é uma questão absolutamente primordial.


Já tem a lista para o executivo?
Está praticamente fechada e dentro de 15 dias anunciarei quem são essas pessoas.


Vai haver muitas surpresas?
São pessoas nas quais me revejo - não estou à procura de pessoas que se revejam em mim - pela sua ética, pelos princípios, pelo percurso de vida, pela experiência. Porque governar uma câmara é governar uma grande empresa.


A sua candidatura vai escapar ao voto do protesto contra o Governo, quando é apoiada pelo CDS e também por uma facção do PSD?
Relativamente ao apoio do CDS que fique claro que o PPM e o Partido da Terra apoiaram o dr. Menezes e isso não faz dele monárquico, nem sequer ambientalista. A nossa candidatura não está minimamente condicionada. Os seus princípios foram negociados muito antes de o CDS dar o seu apoio. As pessoas já perceberam que não negoceio quotas. Quanto ao voto do protesto, tenho a impressão de que as pessoas estão muito desiludidas com todos os partidos, e não apenas com os do poder. Há um grande desafecto entre as pessoas e a política e eu, que não sou um candidato contra a política ou contra os partidos, não deixo de reconhecer que posso recolher daí algum benefício.


Em quem costuma votar nas eleições legislativas?
Nas legislativas já votei numa aliança e em dois partidos, e um deles já não existe.


Como se define do ponto de vista ideológico?
As pessoas sabem o que penso pelo programa que apresentámos e por tudo aquilo que tenho escrito ao longo dos anos. Há coisas em que não mudo de opinião, ao contrário de outros candidatos que ficam muito silenciosos quando o seu partido está no poder e que, quando o seu partido está na oposição, se transformam subitamente em tripeiros profundos e profundos bairristas. Eu não mudo de opinião relativamente às necessidades da cidade em função do partido que está no poder - na questão do aeroporto do Porto, do TGV, do Porto de Leixões, do centralismo, na questão da Casa da Música.


Posiciona-se no centro-esquerda ou no centro-direita?
Se pensar nas questões sociais, sou seguramente do centro-esquerda; se pensar na visão estatizante das coisas, sou do centro-direita, na medida em que tenho muitas vezes acusado o Estado de ser extraordinariamente jacobino, e eu sou profundamente antijacobino.


A sua presença televisiva, na defesa do FC Porto, ajuda-o a entrar nos bairros sociais?
Para um candidato independente, que não tem uma sigla partidária, o facto de as pessoas do Porto o conhecerem bem, a presença televisiva é útil, com certeza. Relativamente aos bairros sociais, a forma como tenho sido recebido é excepcional. As pessoas manifestam alguma perplexidade, porque nós aparecemos lá sem seguranças. Não vou aos bairros para tirar fotografias, estar lá dez minutos. O que procuro fazer ali é ouvir mais do que falar.


Consigo na presidência da câmara, o FC Porto volta a festejar os títulos na varanda?
Objectivamente, nunca deveria ter saído de lá. A varanda do município deve estar sempre aberta ao FC Porto e aos outros clubes da cidade.


E o Rivoli manter-se-ia como está ou reassumiria a vocação de teatro municipal?
Queremos que o Rivoli volte a assumir-se como teatro municipal, no conceito francês de théâtre de la ville, acomodando um conjunto de actividades que têm a ver com os agentes culturais da cidade, com uma programação variada, atraente para a população e sem grandes custos para o município. Não entendemos que aquele teatro deva ser uma barriga de aluguer.
Concorda com o acordo feito pela câmara sobre o Parque da Cidade?
Tive uma posição crítica sobre as opções originais que foram feitas sobre o parque há 12 anos. Continuo a ter a opinião de que acabou por se encontrar uma solução que provavelmente não foi a melhor e que seguramente foi muito onerosa. Não retiro uma vírgula ao que disse. Também não ignoro que essa solução se tornou mais onerosa do que podia ter sido, porque foi armadilhada, logo a seguir às eleições de 2001. Um dia tem de se fazer a história dessa responsabilidade.

Está a falar da decisão de Nuno Cardoso em 2001 de permitir construção ali, quando já tinha Rui Rio como sucessor eleito?
Com certeza. Mantenho a expressão: "armadilhada". Agora, vejo com bons olhos que o assunto, em termos contabilísticos, esteja resolvido.

E o parque? Está resolvido?
Não. O parque é parte da dinâmica da cidade e nunca estará resolvido. Desde logo porque, mais cedo ou mais tarde, vai ter de se colocar a questão do seu atravessamento pelo metro. Eu não tenho uma visão hiperconservadora relativamente ao parque e, quando fiz parte da comissão paritária entre a Metro e a Câmara do Porto para definir a Linha Ocidental, tive a oportunidade de falar com o arquitecto Sidónio Pardal e perceber que ele também não tem uma visão excessivamente conservadora do parque que projectou. Tenho também a visão de que a solução para o lado norte do parque terá muito que ver com as decisões que forem tomadas relativamente à Circunvalação, que precisa de um consenso com Matosinhos. Vamos ter de continuar a intervir no parque. Tenho preocupações relativamente a partes do parque que não foram terminadas - na ponta noroeste, tem de se pensar muito cuidadosamente o que se vai fazer.


Chocava-o se nessa ponta, onde está o Queimódromo, surgisse uma frente de construção?
Uma linha de construção incomoda-me, sou contra. Se fosse um edifício flecha como o arquitecto Souto Moura pensou, na altura, faria sentido. Considerando o que é hoje o estado da nossa economia, sobretudo do investimento privado, acredito que o assunto não se vai colocar nos próximos dez, 15 anos.

E a demolição do Bairro do Aleixo é questão arrumada?
Reconheço que era necessário demolir as torres. Se o plano de realojamento foi feito da forma mais adequada, já tenho muitas dúvidas. Têm-me chegado relatos de pessoas que subitamente se viram realojadas em locais, na zona oriental, que praticamente as impedem de desenvolver as suas actividades comuns, de irem para o seu emprego, ou para a escola. Quanto ao negócio imobiliário subjacente, não o conheço, não me posso pronunciar.
O desemprego no distrito do Porto está praticamente nos 19%. Como é que a câmara pode ajudar a resolver o problema?
Não temos possibilidade de criar emprego público municipal, e é bom dizer isto perante algumas promessas em que surge essa ideia dissimulada. A Câmara do Porto não tem condições endógenas para criar emprego próprio. O que pode fazer é criar condições de atractabilidade para o investimento directo. E pode fazer mais relativamente ao empreendedorismo. O que muitas vezes sucede é que empresas que encontram no Porto todas as condições para se radicarem não encontram ninguém com quem falar. São tratadas como se fossem quase um elemento estranho, e isso tem de mudar. Precisamos de fazer outra coisa que é criar condições para manter na cidade os projectos que nascem nos ninhos de empresas e sobrevivem ao percurso inicial. E isso será feito com os terra-tenentes da cidade, como a câmara, que tem um número considerável de imóveis disponíveis, e com empresas que são grandes proprietárias, como a EDP.

Partilha da ideia de a Junta Metropolitana do Porto deve ter um líder eleito?
Acho que só vamos conseguir a descentralização tão almejada por todos nós, se formos capazes de desenvolver um modelo de uma autarquia supramunicipal, com competências designadas pelo Estado central, mas também pelos municípios que a integram e com um líder, eleito por sufrágio directo e universal. Quanto à zona norte e ao papel do Porto, acho que o presidente da cidade pode ter um papel relevante na afirmação da região, desde que não caia no erro de tentar fazer do Porto uma nova capital. O Porto deve afirmar-se como anticapital, não contra a capital, mas como modelo alternativo à capital.

Que responsabilidade assume pela situação da SRU e pelo conflito aberto com o Governo?
A questão coloca-se em dois planos. Um plano era o da sustentabilidade imediata, que decorria de compromissos assumidos pelo Estado. Quando fui convidado pelo anterior Governo, por consenso com o dr. Rui Rio, esse era um problema que punha em risco a SRU. Na primeira assembleia geral em que participei, apresentei aos accionistas um modelo que passava pela reposição dos prejuízos [pelo Estado, 2,6 milhões], que estavam nas contas por eles aprovados, e isso ficou também aprovado - depois de a assembleia ter sido várias vezes adiada porque o representante do Estado, o IHRU, dizia que não se podia comprometer com isso. Quando finalmente a assembleia se realizou, o IHRU disse aí que o assunto já estava resolvido. Mais, nessa altura propus, e foi aceite pelos accionistas, que no futuro deveríamos ter um contrato-programa. E depois o dinheiro nunca mais apareceu e o contrato--programa não avançou, porque o presidente do IHRU e a ministra do Ambiente entenderam que o Estado não deveria participar na SRU. Aqui surge a segunda questão. Não tenho responsabilidade nenhuma, nem isso está no acordo com a troika, pelo facto de o Governo dizer que a SRU do Porto deve ser suportada apenas pela cidade. Isto é intolerável.

Não compreende então a auditoria decidida pelo Governo que abarca as contas de 2011 e 2012?
Quanto à auditoria determinada pela ministra da Agricultura e também pela senhora ex-secretária de Estado que é hoje ministra das Finanças, estou completamente tranquilo e sei que as pessoas que me antecederam na SRU também estão. Se a questão era de carácter intimidatório, estamos conversados. Nas palavras do dr. António Costa, o Governo quis proteger o seu candidato e assim causar dificuldade a outro candidato que lhe causa algum incómodo, que sou eu. Mas esta é a leitura política do dr. António Costa enquanto comentador, que eu não faço, porque não estou nesse papel. Se a senhora que agora é ministra das Finanças, qualquer coisa swap Albuquerque, pretende investigar a SRU, tem todo o direito, como eu tenho de esperar que sejam investigadas as questões dos swaps. E espero que, da mesma forma que eu não tenho qualquer problema com a SRU, ela não tenha problema nenhum com os swaps. O problema é que este Governo tem, em relação à SRU, uma intenção muito precisa. E eu tenho muita honra em ser alvo dessa preocupação, em dar o corpo ao manifesto. Lamento é que a política seja feita assim. É exactamente por isso que o país está como está, porque os governantes confundiram política com a governação.

Rio já considerou a atitude do Governo uma ofensa ao Porto.
Não comento. Agora, há um dado claro para perceber o que está a acontecer. A maior intervenção de reabilitação urbana realizada no país foi a Expo-98, em Lisboa, e neste momento está em curso uma operação que tem algumas semelhanças com essa. Por trás da transferência dos contentores para a Trafaria - conheço particularmente bem este processo, que em termos do comércio externo português tem interesse zero - não está mais nada em causa do que fazer uma reabilitação da orla ribeirinha de Lisboa. Alguém até hoje questionou se é a Câmara de Lisboa ou o Estado que vai pagar? Alguém perguntou se a Câmara de Lisboa vai pagar 1% que seja? No entanto, o valor dessa intervenção resolveria o problema da reabilitação urbana no Porto para os próximos 20 anos. Portanto, quando alguns, sobretudo o candidato do Governo, que por acaso até fazia parte do Governo que decidiu a Expo-98, dizem que o Porto vai conseguir fazer a reabilitação com meios próprios, eu digo que há dois pesos e duas medidas. Comigo não há. Esta é uma situação que não pode ser tolerada e que precisava de um enorme consenso, e é lamentável que ele não exista. Como é tradição no Porto, aqueles que representam quem está no poder não têm a coragem de tomar posições que provavelmente tomariam, se não gostassem do Governo em funções.

Se ganhar a câmara e sem maioria absoluta com quem vai coligar-se?
A equação tem tantas incógnitas que neste momento não é possível traçar cenários. Mas não há qualquer razão para que não se possa governar em minoria.

Mas admite atribuir pelouros a candidatos de outras forças?
Dependerá de quem forem os eleitos. Nem sequer conheço as listas. Se ganharmos, exigiremos que os princípios basilares e prioridades da candidatura sejam respeitados.

E ficará como vereador, se não ganhar?
Se não ganhar, ficarei como vereador.



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