sábado, 20 de julho de 2013

" Está tudo a desaparecer. Se subires o Chiado é tudo franchisings."


Sá da Costa. A livraria centenária despede-se dos leitores
Por Carolina Pelicano Falcão
publicado em 20 Jul 2013 in (jornal) i online

Hoje à noite é lançado o "Manifesto Contra o Desastroso Encerramento das Livrarias da Cidade de Lisboa"
Quando as portas da livraria Sá da Costa abriram, ontem, já o Chiado vivia o seu rotineiro reboliço de turistas e música brasileira ao vivo, apesar de pouco passar das 10h30. Mais um dia em que a livraria estava ali, a fazer parte da rotina matutina, como já fez, com toda a certeza, de tantas outras, a pensar nos 100 anos de vida que celebrou no passado dia 10 de Junho.

Mas, a fugir à rotina, esteve precisamente a manhã de ontem, coisa que facilmente se notava pela presença dos jornalistas que às portas da livraria se foram amontoando, com os seus tripés e microfones. O motivo da azáfama tem sido tema presente nos últimos dias: tudo indica que, na próxima segunda-feira, a livraria Sá da Costa encerre as suas portas. O motivo não são as férias de Verão mas sim o processo de insolvência a que está ancorada há já dois anos.

Quando entramos na livraria somos recebidos por um sorriso sarcástico, e uma sentença certeira sai, tão automática como se já estivesse preparada para ser resposta às perguntas que o senhor atrás do balcão adivinhava: "A livraria está insolvente há mais de dois anos. Agora está sujeita às decisões do tribunal. Não percebo a distracção dos jornais."

Ainda assim, arriscamos mais uma pergunta. Afinal, o que conduziu a Sá da Costa a esta situação? "É uma situação antiga que levaria muito tempo a falar", diz--nos o mesmo senhor, ainda atrás do balcão, de caneta na mão e a olhar para o papel onde escrevia, denotando a pouca vontade com que estava para conversas. Seria o proprietário?

"Não. Sou um dos funcionários que cá ficou para manter a livraria aberta nestes dois anos. Tem pouco significado dar a minha identificação. A questão não está nos nomes, está no país que temos. Se fosse um país culto ou houvesse essa pretensão não estaríamos nesta situação."

A livraria Sá da Costa parece, pois, estar condenada a seguir o rumo de outras duas livrarias lisboetas, também elas antigas, a Portugal e a Barateira, que no ano passado foram igualmente forçadas ao encerramento.

Desde 2010 que a livraria Sá da Costa foi posta à venda, "A tentativa de solução foi apresentada em tribunal. Se quer que lhe diga não houve grande interesse das entidades públicas e privadas." O fim da livraria "é uma perda grave para a cultura e para o país. Para nós, funcionários, é secundário. Estamos no desemprego", graceja, agora em cumplicidade com uma colega de trabalho, que, entretanto, acabava de chegar.

AGORA JÁ ERA: "Muita gente de dinheiro e da área da cultura sabia o que se estava a passar. Agora é tarde de mais. E pode citar-me se quiser." Estas palavras pertencem a Susana Pires. Está na livraria há 12 anos. "Nessa altura, esta era uma livraria generalista. Depois, tivemos de acorrer aos pequenos editores e passámos a vender livros de fotografia, de design, de poesia, de filosofia, de teoria da arte. E provou-se que se vende. Aliás, aguentaríamos a livraria se fosse só por isso. E aguentámos durante três anos, com tudo pago. O que aconteceu aqui foi um problema de passagem de administração, que deu cabo da livraria."

Ficamos por aqui. As movimentações de jornalistas continuam, num entra e sai que tem como barulho de fundo os "clicks" das máquinas fotográficas. Susana fala enquanto vende livros e passa facturas aos que constarão como últimos clientes. Entre eles uma turista, alta e loira, que compra um mapa de estradas do Algarve e que espelha no rosto a expressão de quem não percebe nada do que se está a passar. Mas vá lá, ainda teve direito a desconto.

E O DIA SEGUE: O espanto que tinha a turista perante a movimentação e respectiva fauna que povoava a livraria parece ter sido partilhado por um terceiro funcionário que entretanto atraca no local. À semelhança do nosso primeiro interlocutor, impõe um sorriso amargo de quem não quer conversas. "Vamos falar com a administradora hoje", é tudo o que nos diz, seguido de "Já bebeste café?". Dirigia-se a Susana.

E quando já nos preparávamos para fechar o caderno de notas, Susana solta num suspiro: "Sabe que não estou triste? É um alívio, ao menos já acabou. A solução seria talvez um grupo de pessoas com algum dinheiro. Aqui é tudo uma questão de dinheiro. Eu não sou uma pessoa romântica, sou realista. De outra maneira não se consegue. Está tudo a desaparecer. Se subires o Chiado é tudo franchisings."


Uma jornalista de microfone na mão entra e pergunta: "É possível falar com o gerente?" Susana sorri. "O gerente somos todos, é só escolher o que acha que ficará melhor na fotografia."

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