sábado, 6 de julho de 2013

"O ideal seria o Presidente pôr os meninos de castigo no parlamento"


"O ideal seria o Presidente pôr os meninos de castigo no parlamento"


Por Isabel Tavares
publicado em 6 Jul 2013 in (jornal) i online

O ex-ministro nem quer acreditar que isto possa ter sido uma encenação de Portas para fugir à reforma do Estado e a ter de cortar 4,7 mil milhões

António Capucho nunca saiu da cena política. Foi secretário de Estado de Pinto Balsemão, ministro de Mário Soares, deputado e líder parlamentar do PSD, vice-presidente do Parlamento Europeu, presidente da Câmara Municipal de Cascais e conselheiro de Estado. Fez uma pausa de dois anos por motivos de saúde mas está de volta e, para já, quer apenas ganhar a Assembleia Municipal de Sintra, nas autárquicas de 29 de Setembro. E ver Passos Coelho fora do governo e da liderança do PSD também.

Como é que olha para mais esta crise no governo?
Perplexo com a inexplicável garotice e irresponsabilidade que rodeia este processo. A demissão do ministro das Finanças não me surpreendeu, sabia que o mal-estar era crescente e que Vítor Gaspar já teria manifestado interesse em sair porque tinha, ele próprio o reconhece, falhado todas as previsões e não encontrava a coesão suficiente no governo para avançar. Agora, a forma como Paulo Portas bate com a porta, não sei se numa encenação - quero pensar que não -, se porque, efectivamente, não teve noção das consequências do seu gesto, isso sim, é muito triste.

Percebe os motivos de Paulo Portas?
Eu até dou razão a Paulo Portas na maioria das críticas que faz ao funcionamento do governo, à promoção da secretária de Estado a ministra e por aí fora. Mas na altura em que soube que era assim, tinha feito um ultimato simpático e frontal ao primeiro-ministro e negociava, não é dizer "vou-me embora", a "decisão é irrevogável" e, meia dúzia de dias depois, pressionado pelos seus pares, que perceberam que ele se precipitou, voltar à negociação.

Concorda com a escolha de Maria Luís Albuquerque para ministra das Finanças?
Não, discordo inteiramente. Tenho pena de discordar porque, embora esteja em rota de colisão com este governo, tenho de reconhecer a competência e a seriedade dela. Mas, de facto, é uma escolha provocatória, no sentido em que para a opinião pública em geral não é mais do que uma segunda ministra das Finanças à imagem do antecessor - portanto, dificilmente pode inverter o caminho, dando mais atenção ao crescimento que à austeridade -, e, por outro lado, está envolvida, porventura sem qualquer responsabilidade, num processo muito complicado dos swap. Enquanto esse processo não estiver devidamente esclarecido, acho que é uma precipitação escolhê-la.

Acredita que haverá resultados?
Se a Assembleia da República não for dissolvida entretanto, o que seria uma pena, admito que sim.

Voltando à demissão, Pedro Passos Coelho não tem experiência política, ao contrário de Paulo Portas...
Acho esta encenação muito bem feita - se é encenação. Se não é encenação, é uma precipitação pouco normal numa pessoa com a experiência política e o sentido de Estado do doutor Paulo Portas.

Tem havido uma sucessão de encontros entre Portas e Coelho. O que acha que estão a negociar?
Tudo indica que estão a negociar qualquer coisa para ficar tudo na mesma. Mudam uns detalhes, avançam com ajustamentos no governo e na política, visando as solicitações e preocupações que o CDS tem denunciado. Tenho a maior consideração e estima pessoal por Paulo Portas, mas, dada a experiência política dele, isto foi tão caricato que não é credível que não tenha pensado nas consequências e, designadamente, na chamada de atenção e no ralhete que terá levado na comissão executiva do CDS, que o mandou voltar para a arena.

Paulo Portas vai cumprir e voltar?
Se ele, neste momento, quisesse ter uma saída airosa, não se candidatava à liderança do CDS e mandava avançar alguém para vice-primeiro-ministro e ministro da Economia. Tem lá várias personalidades com capacidade para isso.

Quem?
Não vou indicar nomes? O presidente do conselho nacional, António Pires de Lima, tem mais do que competência para isso, não sei é se está disponível, nomeadamente porque tem responsabilidades empresariais muito relevantes. Aliás, devo confessar que, apesar de ser um pequeno partido, mais do que no PSD, o CDS tem pessoal político com competência para exercer estas funções. Não sei se alguém está disponível, porque é uma aposta a prazo e a prazo muito curto - e se o Presidente da República for nisso.

O que deveria passar-se agora?
O ideal seria o Presidente da República pôr os meninos de castigo no parlamento e avançar com um governo de iniciativa presidencial até à saída da troika. Tentando, claro, negociar com eles uma plataforma que cumpra os acordos internacionais e prossiga um caminho que não seja de negação daquilo que assinámos e, aí, chamando à pedra o arco governativo: Partido Socialista, PSD e CDS. Mas com independentes. As pessoas estão fartas dos partidos e julgo que isso teria aceitação popular, mesmo que tivesse de prosseguir - que tem de prosseguir -, uma política de austeridade severa.

E se não passasse na Assembleia da República?
Nesse caso a solução seria convocar eleições. Mas creio que a predisposição do Presidente da República não será essa, tudo indica que desde que apareça uma hipótese de restauração da coligação PSD-CDS ele embarca nisso - sabendo tão bem como eu que as perspectivas de futuro dessa coligação são paupérrimas.

As eleições teriam consequências graves para o país?
Em primeiro lugar temos a questão financeira. No essencial, o financiamento está garantido por um ano, não vejo que haja aí um problema maior. E seria uma resposta normal em qualquer país com um sistema democrático, podem os nossos parceiros não gostar, mas têm de ter paciência, porque o povo é quem mais ordena. Evidentemente, sabemos que as eleições podem dar um resultado que não traga uma diferença substancial em relação ao que está. Segundo alguns observadores será assim.

E em sua opinião?
Eu não acredito que seja assim. Em primeiro lugar, porque o PS tentará aplicar aspectos que tem defendido e com os quais eu, na generalidade, concordo, como renegociar o acordo desde o princípio, fundamentalmente a dívida e o défice. Segundo, o PS tem pessoal político com competência, eu não diabolizo nem equiparo António José Seguro a outros jovens que eram boas promessas mas que se verificou que, afinal de contas, fracassaram em toda a linha.

Como quem?
Como Pedro Passos Coelho. Mas acredito que se António José Seguro não tiver maioria absoluta, como provavelmente não terá, teremos no arco governativo dois partidos diferentes, ou desejavelmente diferentes. Com o CDS - porque admito que este congresso possa dar uma volta no CDS, não muito grande, porque Paulo Portas ficará sempre na sombra e, se calhar, regressará mais uma vez às lides, mais adiante -, ou mesmo com Paulo Portas - há quem diga que ele já tem um acordo feito com António José Seguro, uma coisa que eu não quero acreditar, mas não é um disparate pensar isso.

Vê-se a viver num país onde António José Seguro é primeiro-ministro?
Eu conheço-o mal e penso que há uma campanha para equipará-lo exactamente às características de Passos Coelho, para o denegrir. Não é justo e não me parece que ele vá pelo mesmo caminho.

Vê nele um líder?
Bom, alguém que ganha o Partido Socialista da forma como ele ganhou tem algum mérito, como Pedro Passos Coelho também teve, mas beneficiou um bocadinho da divisão dos outros dois candidatos, Paulo Rangel e Aguiar-Branco. O que acho, na minha imparcialidade aumentada pela ausência da cena política, é que ele tem pessoal experiente e capaz porventura disponível, porque grande parte está na Assembleia da República. Agora, se se sai bem a liderar o partido, que é um partido complicado?

Passos Coelho continua a ter a aceitação do parlamento. Porquê?
Porque tem a maioria e os deputados são disciplinados. E querem manter o lugar ou recandidatar-se e, um ou outro, querem até ser chamados para um novo governo.

E o PSD?
A minha expectativa é que o PSD, que é uma inexistência política, se possa regenerar. Por isso eu pedi a demissão de Pedro Passos Coelho, porque falhou em toda a linha. Tem de dar lugar a outra alternativa dentro do partido. Se houver a convocação de eleições antecipadas, caso o Presidente da República não coloque a hipótese de fazer um governo de convergência nacional, Pedro Passos Coelho tem a obrigação de se demitir e convocar um congresso eleitoral, um congresso extraordinário, de onde, provavelmente, sairá um novo líder.

Quem vê a assumir a liderança do PSD?
Há vários dirigentes nacionais do PSD, relativamente afastados da política partidária mas activos, que têm competência para isso. O nome que se fala mais e que me parece uma excelente escolha é Rui Rio. Tem uma gestão muito respeitada, muito saudável e características óptimas. Quando liderei o grupo parlamentar ele, com Manuela Ferreira Leite, foi vice-presidente, portanto sou suspeito, tenho a melhor das impressões, no plano humano e no plano político.

Fala na regeneração do PSD, não está demasiado estilhaçado?
Neste momento está a ser dominado por um conjunto de pessoas que constituem oligarquias, na maioria das secções e nas distritais, que é um órgão que não serve para nada. Extinguiram os governos civis, não percebo porque é que não extinguiram as distritais, é um disparate completo, mas eu sei porquê?

Porquê?
Porque são as distritais que, apesar de tudo, ainda têm um papel preponderante na escolha dos deputados e na escolha de alguns lugares dependentes do governo a nível distrital e regional. Mas, apesar das oligarquias, dos esquemas de manutenção do poder - que passam pelo pagamento de quotas aos militantes amigos e companheiros -, não há dúvida que sinto um crescimento que tem expressão em muitas secções, em alguns presidentes de câmara que me contactam e que estavam, aliás, para apresentar um manifesto de protesto por estes dias. Este movimento é gente que quer fazer renascer o PSD na sua matriz social-democrata, nos seus métodos democráticos, que estão um bocadinho afastados.

O que aconteceu ao manifesto?
Pediram-me opinião e eu corroborei a tese maioritária de suspender essa atitude enquanto a situação actual não se clarificar.

Falou num governo de iniciativa presidencial com independentes. Porque é tão difícil para um independente ter um papel activo na política?
A lei não permite, a nível nacional - permite a nível local, embora coloque as maiores dificuldades -, a candidatura de independentes. É pena que o faça. Eu veria com bons olhos que esse governo tivesse, por exemplo, três ministros de Estado, um de cada partido. Não é inédito, aconteceu a seguir ao 25 de Abril. Neste caso, era acertar com os três partidos quais são as reformas, os cortes e as negociações a conduzir junto da troika.

Quem seriam os três ministros de Estado?
Não deviam ser os líderes dos partidos, esses deviam estar na Assembleia da República a liderar os respectivos grupos parlamentares. Podiam ser segundas figuras ou até ministros sem pasta.

Quando fala em novo governo, renegociar com a troika, cria a expectativa do fim da austeridade...
Os portugueses não tenham ilusões, porque a política de austeridade vai continuar. Pode ser atenuada, se conseguirmos renegociar alguma coisa de jeito com a troika e se se adoptarem políticas para promover o crescimento económico, nomeadamente de combate ao desemprego. Mas o essencial era que aprovassem o Orçamento para 2014, que está neste momento a ser preparado.

A que é que chama alguma coisa de jeito?
Alguma coisa de jeito tem a ver com o défice, que, de facto, resulta numa terapêutica que tinha de ser adoptada mas que foi violentíssima, ou seja, está-se a matar o doente com a cura, e também com a dívida, que tem de ser reescalonada e renegociada. Depois, é preciso explicar à troika que fixar objectivos é normal, mas que tem de se meter menos - é uma coisa com que eu antipatizo visceralmente -, no detalhe da governação. Qualquer dia temos a troika a decidir o conteúdo dos manuais escolares, só falta isso.

E porque é que a troika está a interferir a este nível, com este pormenor?
Isso era uma grande história para eu lhe contar sobre o que se está a passar na Europa e nas organizações internacionais em termos de burocracia do funcionalismo público, que está nos lugares de chefia, que acham que eles é que sabem tudo e que os políticos não sabem nada.

O que é que isto tudo diz de Portugal?
Portugal está a atravessar um péssimo momento, fundamentalmente porque está nas mãos de pessoas que não têm a experiência mínima e não se fazem acompanhar por pessoas com essa experiência e têm revelado uma impreparação total para o exercício destas funções. Na prática, as três instituições relevantíssimas - os seus funcionários e não políticos -, que constituem a troika estão muito entendidas entre si e são insuportáveis.

As pessoas depositam demasiada esperança no Presidente da República?
Claro. Por isso eu defendo uma alteração substancial nos poderes presidenciais. Se é verdade que ele tem uma leitura muito minimalista da Constituição, o cidadão comum está convencido que o governo responde perante o Presidente da República e não é verdade, o governo responde perante o parlamento. O Presidente tem uma arma, que é a dissolução, ouvido o Conselho de Estado, mas que se usa em casos extremos.

Que poderes acha que o Presidente tinha de ter e não tem?
Sou defensor do sistema francês, em que o Presidente da República tem assento no Conselho de Ministros, lidera o Conselho de Ministros, a política externa e a defesa e, esse sim, tem uma intervenção muito maior e é quem vai às reuniões do Conselho Europeu.

Escreveu um livro sobre a União Europeia a 15. Em plena crise, vamos na Europa a 28, com a entrada da Croácia. É possível?
Ninguém pára para pensar e esse é que é o grande problema. Lembro-me das discussões que tínhamos na comissão dos Assuntos Institucionais, em que havia gente muito interessante, como Lucas Pires, Giscard d'Estaing, etc. Havia uma corrente que defendia que tínhamos de parar e cimentar o que já estava. Agora, Durão Barroso tem 28 comissários, isto é caricato.

A Europa tem conserto?
Dificilmente será mais do que um mercado comum. Porque, às pinguinhas, foram entrando estes países todos sem que as instituições estivessem criadas e não acredito que haja uma superestrutura que possa coordenar e dirigir politicamente a Europa, os grandes movimentam-se melhor e não estão interessados em partilhar poder.

Voltando ao governo, o executivo, mais ou menos remodelado, tem condições para continuar?
Pode continuar a existir, a arrastar-se, mas perdeu completamente a credibilidade.

E arrasta-se mais um ano ou só até depois das autárquicas?
Nas autárquicas, se levar mais uma machadada, pode ser fatal. Pode provocar uma movimentação mais forte de oposição interna dentro do PSD, sendo certo que o PSD vai ser muito prejudicado pela imagem do governo. Há muita gente que não vota em nada que tenha o símbolo do PSD ou do CDS, razão pela qual muitos candidatos, de Cascais ao Porto, inventam movimentos independentes para fazer de conta que não têm nada a ver com o PSD ou CDS. É por isso que temos grandes apoiantes de Passos Coelho e do PSD, de repente, a descolar e a criticar, o que não deixa de ser engraçado.

Quais foram as outras machadadas que debilitaram o governo?
A primeira grande machadada foi a TSU, a segunda foi a persistência em manter o Miguel Relvas e agora a terceira, o folhetim a que estamos assistir.

Onde está a grande reforma do Estado, que Paulo Portas chamou a si?
Pois, o que é que o doutor Paulo Portas andou a fazer este tempo todo? Andou a fugir com o dito cujo à seringa, porque não quis o ónus de ser ele a propor medidas extremamente impopulares. Depressa percebeu que essa reforma, para atingir os valores astronómicos que a troika nos exigia, 4700 milhões de euros, tinha de ir muito fundo nos cortes e atingir pensões, vencimentos de funcionários públicos e outros bens essenciais. Estranhamente, foi protelando, e o governo pactuou com isto, o primeiro-ministro pactuou com isto. Muito me fartava eu de rir se ele, agora, como vice-primeiro-ministro e como ministro da Economia ou o que for, deixasse de ter a incumbência de apresentar o draft da reforma do Estado.

Paulo Portas está a colocar os seus interesses pessoais à frente dos interesses do país?
Há afloramentos. Há atitudes que revelam afloramentos de colocar os interesses pessoais à frente dos do país, limito--me a constatar.

Onde se podem cortar 4700 milhões de euros?
Fundamentalmente nas rendas, que a troika continua a dizer que os esforços realizados até agora são insuficientes, nas parcerias público-privadas. Depois não sei.

Sobre a limitação de mandatos, é normal, a dois meses das eleições, não se saber quem pode ou não candidatar-se às autárquicas?
Aquilo é um artigo com três números e qualquer um deles é uma complicação. E os principais constitucionalistas não chegam a acordo sobre a sua interpretação.

Quem fez a lei não sabe explicar o que queria dizer?
Não sabe. Foi a Assembleia da República, são os senhores deputados que foram chamados para fazer leis. E essa lei é de gargalhada, eu não a consigo perceber.

O que acha que o Tribunal Constitucional vai decidir?
Um dos participantes neste processo, Paulo Rangel, explica porque é que quem já se candidatou três vezes à presidência de câmara ou à presidência de junta não se pode candidatar nessa câmara ou nessa junta ou a qualquer outra. E foi isso que me levou a desistir de me candidatar a uma das 17 câmaras para que estava convidado.

Qual? Porque de 17 havia uma?
Sim, Sintra era uma das hipóteses, mas não fui convidado para essa e, como sou amigo, admirador e apoiante de Marco Almeida, a partir do momento em que a secção o escolheu manifestei-lhe o meu apoio e ele imediatamente me convidou para liderar a lista à Assembleia Municipal. Ainda pensei ir para outro lado mas, reformado, com 68 anos e sem saber o que vai dizer o TC, não tenho pachorra.

Tem vontade de regressar à política activa?
À Assembleia da República nem morto.

Porquê?
Porque já dei para esse peditório várias vezes, já fui líder parlamentar duas vezes. Não gosto daquela Assembleia, tem gente a mais e não tenho muita paciência para a vida parlamentar. Não quer dizer que não se possa vir a proporcionar, mas não estou para aí virado. Neste momento a minha única ambição é ser eleito para a Assembleia Municipal de Sintra como independente.

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