SEGURANÇA
Um “submundo” no centro do Porto: insegurança, ruído e
vandalismo preocupam moradores
Junto à discoteca Eskada, na Rua da Alegria, as
madrugadas são ruidosas e violentas. Moradores dizem-se “abandonados” e
reclamam intervenção da autarquia e autoridades
Mariana Correia
Pinto (texto) e Paulo Pimenta (fotografia)
3 de Janeiro de
2023, 6:40
Moradores queixam-se de ruído e insegurança nas
imediações da discoteca Eskada
A história
acontece de segunda a sábado há já muitos anos, mas acentuou-se depois de a
pandemia dar tréguas. Na Rua da Alegria, em frente à discoteca Eskada, dezenas
de frequentadores do espaço juntam-se nos passeios – e no meio da rua –
madrugada dentro. O botellón é, por ali, “desenfreado”. O ruído impede o
descanso de moradores da zona, eminentemente residencial, mas está longe de ser
o único problema. Há violência entre quem está na rua e ameaças a moradores,
assaltos a prédios e carros, venda e consumo de droga, sexo na via pública e
até corridas de automóveis em contramão, relatam vários moradores com quem o
PÚBLICO falou.
A Câmara do Porto
“está a par dos problemas”, mas argumenta que a situação foge, no essencial, da
sua responsabilidade. Na “grande maioria das vezes”, explica, as ocorrências
são registadas pela Polícia Municipal, mas encaminhadas para a PSP, por
considerar que “as queixas apresentadas não são da sua competência”. Já a PSP,
através da comandante do Comando Metropolitano do Porto, Maria dos Anjos,
garante que a zona tem recebido “uma atenção particular no que respeita à
segurança”.
Quem por ali mora
tem outra percepção. “Sentimo-nos abandonados”, lamenta João R., falando numa
situação que se perpetua e de queixas caídas em saco roto. Ao lado, outro
morador da zona desbloqueia o telemóvel para mostrar a lista das últimas
chamadas telefónicas. São quase todas para a Polícia de Segurança Pública, na
madrugada anterior à entrevista, mas “nenhuma foi atendida”, denuncia Rodrigo
J. Ele é um dos moradores que já fizeram exposições formais do assunto – mas
“nada mudou”. É um dos motivos pelos quais muitos, como Alberto V., já
desistiram de o fazer: “Na maior parte das vezes não atendem. Outras perguntam
se queremos apresentar queixa.”
O medo de
represálias – razão pela qual todos os entrevistados têm nomes fictícios neste
artigo – também pesa. Mas as provas do que ali se passa estão guardadas em
dezenas de fotografias e vídeos vistos pelo PÚBLICO. O cenário é semelhante ao
da zona nocturna da Baixa do Porto: dezenas de pessoas a beber e a conviver na
rua e muito ruído. As cenas de agressões entre quem está na rua são frequentes,
a interferência com o trânsito também. Há vários casos de vandalismo, assaltos
a casas e carros. Muito lixo no chão.
O problema é
tanto maior quanto maior a proximidade à discoteca. Mas os incómodos chegam aos
vizinhos mais e menos próximos, entre as ruas da Alegria, D. João IV, Santa
Catarina e Rampa da Escola Normal.
Por email,
responsáveis da discoteca (pertencente à empresa Feito d’Estrelas, com sede em
Vizela) dizem desconhecer a situação: “O Grupo Eskada não tem conhecimento de
qualquer tipo de problema de segurança com impacto na vida dos moradores da
zona circundante do estabelecimento.” O grupo, acrescentam, “está disponível
para ouvir os moradores das imediações do Eskada Porto e ajudar a resolver os
problemas de segurança, caso realmente existam.”
A porta de
entrada do prédio da Cooperativa dos Pedreiros, mesmo em frente, foi arrombada
várias vezes nos últimos meses. Ainda há uma semana houve assaltos aos carros
na garagem. Entrar ou sair do prédio a partir da meia-noite e durante as manhãs
pode ser um problema, ora porque há gente sentada ou a dormir à porta, ora
porque há urina e fezes no chão. O problema é comum a vários prédios da zona,
mas os sinais de degradação deste icónico edifício da cooperativa que construiu
os Paços do Concelho e até já recebeu a medalha de ouro da cidade são notórios.
Há alguns anos,
um grupo de moradores fez um abaixo-assinado a reclamar medidas que
conciliassem a diversão nocturna com o seu direito ao descanso. Mas o problema,
dizem, só se tem agravado.
A PSP avança que
estão a decorrer “inquéritos judiciais, que foram participados junto das
autoridades judiciárias”, relativos a “prática de crimes contra as pessoas e
contra o património”. Para já, tem realizado "operações de prevenção
criminal" com vários objectivos, diz a comandante Maria dos Anjos:
"Combate aos crimes contra as pessoas e contra o património, fiscalização
rodoviária, combate ao tráfico de estupefacientes, permanência ilegal em
território nacional, fiscalização do exercício da actividade de segurança
privada, fiscalização de venda ambulante ilegal, assim como na diminuição das
causas de contestação da população ali residente, no que diz respeito à prática
de incivilidades, comportamentos anti-sociais ou ruído na via pública."
Da parte da
autarquia, acusam os moradores, há apenas uma “operação de cosmética” às oito
da manhã, quando o camião do lixo passa e faz desaparecer o lixo depositado no
chão. Há embalagens de refrigerantes, copos, vidros, garrafas de cerveja, maços
de tabaco. No jardim José Moreira da Silva, a poucos metros, é habitual haver
vidros e sujidade. “É impossível estar lá com crianças ou andar de sandálias no
tempo quente”, denuncia Alberto V.
As queixas pelo
ruído já motivaram visitas de uma equipa camarária para fazer medições. Mas
nessas datas, o ruído “desapareceu milagrosamente”, conta João R., partilhando
a sua convicção: “Alguém os avisou.”
De dentro do
estabelecimento Eskada, aberto desde 2013, o ruído já foi, apesar de tudo, bem
mais acentuado. Se antes Alberto V. conseguia apontar as letras das músicas,
agora ouve apenas a batida e as vibrações. Na rua, no entanto, a história é
outra. E é exponenciada pela presença de uma carrinha branca que estaciona à
porta do Eskada a vender cachorros-quentes até de manhã.
Quando a Câmara
do Porto anunciou a intenção de rever o regulamento da movida, os moradores
recuperaram alguma esperança: talvez aquela zona da cidade pudesse ser incluída
na geografia da movida e passar, por isso, a obedecer a regras mais rígidas.
Nenhum dos moradores com quem o PÚBLICO falou participou no período de
discussão pública, por medo de represálias, mas alguns fizeram ouvir as suas
preocupações através dos vereadores do PS.
Os socialistas
propuseram ao município o alargamento do mapa e das regras da movida à “Rua da
Alegria, Rua de Santa Catarina e Rua de D. João IV, onde existem
estabelecimentos que, pela sua dimensão e impacto na vida dos moradores, devem
ser regulamentados como estabelecimentos integrados na movida”. Mas o executivo
de Rui Moreira não concordou.
Porquê? “O
perímetro da movida, no que toca à gestão do ruído, tem razão num contexto em
que as reclamações ou a concentração de estabelecimentos seja de tal modo
densa, e a socialização no exterior seja de tal modo impactante, que impeça uma
individualização de contributos com recurso a medição pelo laboratório
municipal de ruído”, responde ao PÚBLICO o gabinete de comunicação. Na situação
em causa, acrescenta, “faz sentido procurar controlar de forma transversal e
integrada as fontes amplificadas com limitador ou ajustar horários”.
São justificações
incompreensíveis para quem ali mora e tem de lidar diariamente com o problema,
como Rodrigo J.: “Se algum autarca tivesse esta discoteca à porta,
provavelmente já tinha sido fechada.” Para João R., o vereador com a pasta das
Actividades Económicas, Ricardo Valente, tem mais explicações a dar: “Ou é
incompetente ou algo nos escapa. A Câmara do Porto não quer saber destes
moradores.”
A violência é de
tal forma, em algumas noites, que traz à memória de João R. o ambiente vivido
no final de 2007, quando a Operação Noite Branca, na sequência de vários
homicídios entre gangs da noite, assustou a cidade: “Isto pode transformar-se
numa nova Noite Branca”, avisa.
Durante as
madrugadas, há ainda corridas de automóveis em contramão, passando pela Rua da
Alegria, Rampa da Escola Normal, Rua de Santa Catarina e Marquês, garantem
vários moradores. “Estou sempre à espera de ouvir um estrondo”, diz Rodrigo J.,
contando que as ambulâncias são frequentes, no seguimento de agressões ou
excesso de consumo de álcool. Muitos dos frequentadores do espaço aparentam ser
menores de idade, concordam também os moradores entrevistados pelo PÚBLICO. “Isto
é um submundo”, remata Rodrigo J.


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