quarta-feira, 27 de outubro de 2021

O primeiro dia de um novo ciclo

 


EDITORIAL ORÇAMENTO DO ESTADO 2022

O primeiro dia de um novo ciclo

 

Neste momento difícil de entender pelos cidadãos preocupados com os danos do passado recente e ansiosos com os dilemas do futuro, a impaciência e a agressividade são dispensáveis.

 

Manuel Carvalho

26 de Outubro de 2021, 22:45

https://www.publico.pt/2021/10/26/politica/editorial/dia-novo-ciclo-1982631

 

Num dia tenso e com enormes repercussões para o futuro do PS, do seu próprio futuro político e para o futuro do país, António Costa esteve calmo, excepcionalmente calmo. Tentou ser pedagógico na defesa do Orçamento. Perante críticas contundentes do PSD e da direita, moderou o tom das suas respostas. Confrontado com as acusações de renúncia a um projecto de esquerda levadas ao plenário da Assembleia pelo Bloco, PCP e Verdes, reagiu com parcimónia. Face à posição conciliadora do PAN, expôs gratidão e enlevo. É tentador tentar perceber as causas desta inabitual moderação do primeiro-ministro no dia que antevê o momento decisivo desta quarta-feira.

 

O cuidado de António Costa no tom e na substância das palavras prova que no seio do Governo há ainda uma ténue réstia de esperança na aprovação do Orçamento. Em política, o que é certo hoje é improvável amanhã. Nunca se sabe se no último minuto pode haver mudanças no sentido de voto do PAN, em alguma das deputadas sem bancada, ou até com deputados trânsfugas do PSD dispostos a viabilizar um orçamento “limiano” eventualmente ornado com bordados da Madeira. Surgir neste cenário no papel de conciliador, como o procurou fazer António Costa, só pode ter vantagens.

 

Mas há nesta atitude uma intenção voltada para o que pode vir a acontecer a seguir, para o novo ciclo que se abriu com esta crise, aconteça o que acontecer. Se é compreensível que o PSD culpe o Governo pelo fracasso do Orçamento num momento em que, como o Presidente da República se esforçou por repetir, o país vive um momento crucial, António Costa tem mais condições de sacudir essa responsabilidade com humildade do que com poses ameaçadoras. O que mais lhe interessa é passar a ideia de que ele e o seu Governo são mais vítimas do que causadores do problema.

 

De resto, vai-se instalando a ideia que este momento de irresponsabilidade da esquerda será igualmente penalizador das ambições do PS. Seja por culpa própria ou por intransigência alheia, aos olhos de muitos eleitores o PS falhou em manter a solução que construiu no momento em que não podia falhar. Também por isso, convém, moderar o ardor do debate, conservar o tom responsável que solidifica o sentido de Estado e esperar pelo que está para vir.

 

Neste momento difícil de entender pelos cidadãos preocupados com os danos do passado recente e ansiosos com os dilemas do futuro, a impaciência e a agressividade são dispensáveis. António Costa sabe-o. Se, como tudo indica, for derrotado, essa será a melhor forma de se preparar para o que está para vir.  

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