EDITORIAL
ORÇAMENTO DO ESTADO 2022
O primeiro dia de um novo ciclo
Neste momento difícil de entender pelos cidadãos
preocupados com os danos do passado recente e ansiosos com os dilemas do
futuro, a impaciência e a agressividade são dispensáveis.
Manuel Carvalho
26 de Outubro de
2021, 22:45
https://www.publico.pt/2021/10/26/politica/editorial/dia-novo-ciclo-1982631
Num dia tenso e
com enormes repercussões para o futuro do PS, do seu próprio futuro político e
para o futuro do país, António Costa esteve calmo, excepcionalmente calmo.
Tentou ser pedagógico na defesa do Orçamento. Perante críticas contundentes do
PSD e da direita, moderou o tom das suas respostas. Confrontado com as
acusações de renúncia a um projecto de esquerda levadas ao plenário da Assembleia
pelo Bloco, PCP e Verdes, reagiu com parcimónia. Face à posição conciliadora do
PAN, expôs gratidão e enlevo. É tentador tentar perceber as causas desta
inabitual moderação do primeiro-ministro no dia que antevê o momento decisivo
desta quarta-feira.
O cuidado de
António Costa no tom e na substância das palavras prova que no seio do Governo
há ainda uma ténue réstia de esperança na aprovação do Orçamento. Em política,
o que é certo hoje é improvável amanhã. Nunca se sabe se no último minuto pode
haver mudanças no sentido de voto do PAN, em alguma das deputadas sem bancada,
ou até com deputados trânsfugas do PSD dispostos a viabilizar um orçamento
“limiano” eventualmente ornado com bordados da Madeira. Surgir neste cenário no
papel de conciliador, como o procurou fazer António Costa, só pode ter
vantagens.
Mas há nesta
atitude uma intenção voltada para o que pode vir a acontecer a seguir, para o
novo ciclo que se abriu com esta crise, aconteça o que acontecer. Se é
compreensível que o PSD culpe o Governo pelo fracasso do Orçamento num momento
em que, como o Presidente da República se esforçou por repetir, o país vive um
momento crucial, António Costa tem mais condições de sacudir essa
responsabilidade com humildade do que com poses ameaçadoras. O que mais lhe
interessa é passar a ideia de que ele e o seu Governo são mais vítimas do que
causadores do problema.
De resto, vai-se
instalando a ideia que este momento de irresponsabilidade da esquerda será
igualmente penalizador das ambições do PS. Seja por culpa própria ou por
intransigência alheia, aos olhos de muitos eleitores o PS falhou em manter a
solução que construiu no momento em que não podia falhar. Também por isso,
convém, moderar o ardor do debate, conservar o tom responsável que solidifica o
sentido de Estado e esperar pelo que está para vir.
Neste momento
difícil de entender pelos cidadãos preocupados com os danos do passado recente
e ansiosos com os dilemas do futuro, a impaciência e a agressividade são
dispensáveis. António Costa sabe-o. Se, como tudo indica, for derrotado, essa
será a melhor forma de se preparar para o que está para vir.
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