OPINIÃO
Dez coisas que eu sei sobre ela (a crise)
O ponto sem retorno que Costa e Jerónimo criaram da
possibilidade de acordos PS-PCP-BE não se alterou: a direita só governará se
tiver uma maioria absoluta.
José Pacheco
Pereira
30 de Outubro de
2021, 6:59
https://www.publico.pt/2021/10/30/opiniao/opiniao/dez-sei-crise-1983059
Há crise? Claro
que há. Há crise política e, por arrasto, a potencialidade de uma crise
económica e social. Todas as fragilidades institucionais do nosso sistema
político-partidário estão à vista: dificuldades em haver governos estáveis sem
maiorias absolutas, dificuldades de coligações, acentuação da dicotomia
esquerda-direita, crise do centro, excessos e exageros de linguagem impeditivos
de entendimentos, intervencionismo excessivo do Presidente, mudanças de opinião
e mobilização política sem expressão na representação política, crise
generalizada dos grandes partidos de poder – fragmentação do PSD, excesso de
obediência no PS –, com perda significativa do seu peso eleitoral, etc.
As eleições são a
única forma de sair da crise? Não são a única, mas são a melhor em democracia.
Apesar disso, é
possível que não alterem significativamente os dados da correlação de forças
actual. Mesmo assim, por pequenas que sejam as mudanças, é melhor defrontar os
problemas de Outubro de 2021, em Janeiro de 2022, depois de eleições.
Há fim de um
ciclo político? Depende de que “fim” estamos a falar. Se nos referirmos à forma
de entendimento que tem havido nos últimos dois anos com um PS sem maioria
absoluta e dependente de acordos orçamentais (pessimamente geridos) pontuais
com o PCP, sim, acabou este ciclo. Se nos referirmos à solução chamada
habitualmente como “geringonça”, a resposta é não. Pode vir a ser repetida, em
particular, se se tratar de impedir governos de direita. Por muito que a actual
crise fragmente a esquerda, o ponto sem retorno que Costa e Jerónimo criaram da
possibilidade de acordos PS-PCP-BE não se alterou: a direita só governará
se tiver uma maioria absoluta.
Mas há um aspecto
relevante em que não há provas ainda de “fim de ciclo” que é saber se existe
uma significativa deslocação de voto do PS para o PSD, a única a que podemos
chamar “mudança de ciclo”. Veremos os estudos de opinião, mas tudo indica que
não existe, para já.
A data das
eleições vai ser muito relevante pelos processos de fractura interna no PSD e
no CDS. Mas será muito difícil que o Presidente ceda a propostas como a que fez
Rangel de atirar as eleições para fim de Fevereiro, quando PS – a opinião que
do ponto de vista institucional tem mais peso – PCP, PSD (é ainda Rio que fala
pelo PSD) e CDS querem eleições o mais depressa possível. Aliás, será difícil
ao Presidente ignorar a sua própria afirmação da gravidade da crise e adiar as
eleições para além do prazo constitucional mínimo. A consideração dos conflitos
internos no PSD e CDS é de carácter partidário, e não é nem constitucional nem
nacional.
Rangel parte no
conflito interno no PSD com vantagem no aparelho partidário, Rio só pode
competir através da decisão livre dos sindicatos de voto, e precisa de
mobilização dos militantes e de debates alargados. Por isso, a proposta de
Rangel de antecipar as eleições prejudica essa mobilização e debate e prejudica
Rio e fragiliza o resultado final, se este lhe for favorável.
Nas eleições no
PSD não se trata neste contexto de escolher apenas o líder do partido, mas o
candidato a primeiro-ministro. Esta dimensão tem sido esquecida pela
agressividade do confronto e pelo desequilíbrio do tratamento da comunicação
social, claramente favorável a Rangel. Também aqui será interessante ver, com a
falibilidade conhecida, que resposta dão os estudos de opinião a Rio ou a
Rangel, na perspectiva não de agradar ao PSD, ou de “fazer melhor oposição”,
mas de revelarem, fora do partido, para o grande eleitorado, quem se entende
poder vir a ser melhor primeiro-ministro.
O PS tem muito a perder, porque o desgaste governativo e
a depressão pós-Lisboa diminui a possibilidade de manter a força dos dias de
hoje, mesmo que ganhe as eleições
Costa e o PS
ficaram genuinamente surpreendidos pela votação contra o Orçamento, o que é, em
política, um erro de avaliação. Apesar das teses conspirativas de que tudo
aconteceu porque o PS queria ir a eleições, que servem para “desculpar” o PCP e
o BE, o PS tem muito a perder, porque o desgaste governativo e a depressão
pós-Lisboa diminui a possibilidade de poder manter a mesma força dos dias de
hoje, mesmo que ganhe as eleições. Do mesmo modo, PCP e BE podem perder
posições, ficando enfraquecidos.
O único partido
que se pode prever com alguma segurança que cresça é o Chega. Tudo depende da
capacidade que o PSD tenha para bipolarizar as eleições com o PS. Se tal não
acontecer, os partidos das margens à direita, o Chega e a Iniciativa Liberal, podem
crescer talvez menos do que pensam, mas mesmo assim crescer. O CDS não conta
para nenhum cálculo sério. Como o Chega é, a julgar pelas declarações
politicamente correctas anteriores às eleições, “incoligável”, a capacidade de
haver um governo à direita será muito difícil. Mas, como as coisas só são o que
são depois das eleições, os únicos prognósticos válidos são o fim do jogo.
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