quarta-feira, 27 de outubro de 2021

Na despedida da “geringonça”, Costa quer continuar a ser o protagonista do futuro

 


GOVERNO

Na despedida da “geringonça”, Costa quer continuar a ser o protagonista do futuro

 

Proposta do OE2022 deverá ser chumbada esta quarta-feira, com os partidos à esquerda a manterem a intenção de votarem contra. No debate desta terça-feira, a direita já vê a morte da maioria parlamentar de apoio ao Governo.

 

Sofia Rodrigues e Liliana Borges

27 de Outubro de 2021, 0:42

https://www.publico.pt/2021/10/27/politica/noticia/despedida-geringonca-costa-quer-continuar-protagonista-futuro-1982629

 

António Costa garantiu que se houver eleições antecipadas, irá liderar o PS

 

Com a ameaça do chumbo do Orçamento do Estado para 2022 a pairar no ar, o ministro Pedro Nuno Santos foi o primeiro membro do Governo a entrar no hemiciclo e a dirigir-se aos líderes do PCP e do Bloco, já sentados nas bancadas, para os cumprimentar calorosamente. A imagem pode ser a da despedida da “geringonça” ou do princípio de um novo ciclo, minutos antes de o debate revelar já um ensaio de campanha eleitoral. António Costa garantiu que não se demite e até já desfez o tabu: será o líder do PS a ir às legislativas antecipadas se se confirmarem.

 

Enquanto no debate em plenário o primeiro-ministro e os parceiros do PCP e BE ainda esgrimiam argumentos sobre as negociações orçamentais, nos bastidores parecia desenhar-se ainda um cenário alternativo. O presidente do governo regional da Madeira, Miguel Albuquerque, mostrava-se disponível para negociar com António Costa, abrindo a porta a que os três deputados do PSD-Madeira pudessem ter um sentido de voto diferente do da bancada do PSD, que é contra.

 

Só que o líder social-democrata, Rui Rio, veio colocar água na fervura, assegurando ter a garantia de que o PSD-Madeira será solidário com o partido nacional e que a Madeira “não está à venda”. Já sobre as diligências do Presidente da República para tentar a viabilização do OE, o líder do PSD compreende esse esforço se o mesmo for feito junto dos partidos, mas seria estranho se fosse realizado “avulsamente”.

 

Ao mesmo tempo, a bancada do PAN quase assumia as dores do Governo e lamentava o chumbo do Orçamento, o que foi lido como um sinal de que o sentido de voto podia mudar da abstenção para o voto favorável, o que poderia afastar a garantia de chumbo. Neste cenário em que PAN e os deputados do PSD-Madeira votavam a favor, só era necessário mais um voto favorável de uma deputada não inscrita para salvar o OE. Mas até ao fecho desta edição, Cristina Rodrigues mantinha a intenção de se abster.

 

Com ou sem OE para 2022 aprovado, a direita já vê o fim da actual maioria parlamentar que suportou o Governo nos últimos seis anos. A “geringonça”, apontou Rui Rio, “não tem pernas para andar, está numa cadeira de rodas à espera que alguém a empurre e ninguém a quer empurrar”. 

 

O líder social-democrata questionou Costa: “Como é que quer governar neste cenário? Está tão agarrado ao lugar que não consegue ver o que todo o Portugal está a ver?”. António Costa reiterou que não se demite e não quis dar como certa – “veremos” - a decisão do Presidente da República de dissolver o Parlamento. Mais à direita, Telmo Correia, líder da bancada do CDS, concluiu: “A ‘geringonça’ matou a ‘geringonça'”. O líder do Chega também declarou o óbito à solução de Governo gerada em 2015: “Esta maioria parlamentar conheceu hoje o seu dia fúnebre”. 

 

A mesma constatação levou o deputado da Iniciativa Liberal, João Cotrim Figueiredo, a questionar o primeiro-ministro sobre o seu estado de alma. “Se a maioria que se formou em Novembro de 2015 se considerar esgotada, e se já não tem mais caminho para andar, é uma enorme frustração pessoal”, admitiu o também líder socialista.

 

No arranque do debate – e ainda antes de ouvir as interpelações das bancadas – o primeiro-ministro assegurou que o Governo não faz “chantagens ou ultimatos”, nem tão pouco fecha “as portas ao diálogo” e disse que se a esquerda está genuinamente preocupada em aprovar as suas propostas, então a solução é viabilizar o orçamento, para que as negociações possam avançar para a próxima fase. “A fase da especialidade é o momento adequado para a discussão em detalhe das propostas e redacções”, desafiou António Costa, dirigindo-se às bancadas do BE, PCP e PEV.

 

Esquerda responsabiliza Governo

Pelo BE, a deputada Mariana Mortágua lamentou os “ataques” do Governo e a “incapacidade de assumir compromissos viáveis”, acrescentando que "cada frase dos ministros ou deputados a condenarem a esquerda ribomba no país como a demonstração de que o Governo prefere a acusação à solução”.

 

Já o deputado comunista Duarte Alves – depois de o socialista Ascenso Simões ter apelado à mudança de voto com um “Avante, camarada! Juntem a vossa à nossa voz” – justificou que “não se pode esperar que seja o PCP a desistir de lutar” pelas suas prioridades. E culpou "a opção feita pelo Governo” de “seleccionar isoladamente algumas dessas soluções, na sua maior parte de forma parcial”. A mensagem chegaria já depois de o primeiro-ministro ter afirmado que “ninguém compreende” o voto contra do PCP num OE que traz medidas de “gratuidade das creches, progresso fiscal e reforço na função pública”.

 

Antes ainda, em resposta ao BE – que insistiu no fim do factor de sustentabilidade, nas alterações à legislação laboral e reforço do SNS –, Costa ironizou que o partido estava a ter dificuldades em justificar o seu voto contra e registou que, na sua intervenção, a coordenadora bloquista, Catarina Martins, não falara do Orçamento, mas de discussões extra-orçamentais, “que constam do estatuto do SNS e de alterações laborais”. E lançou um repto e uma acusação: “Se está contra as nossas propostas de legislação laboral, porque é que não reserva o voto contra e quer votar contra o orçamento que não tem nada a ver?”

 

O mesmo desafio seria feito repetidamente em resposta ao PCP, desafiando a bancada a mudar o seu voto para que o OE pudesse incorporar reivindicações comunistas. “Está disponível para regulamentar na fase da especialidade? É que para isso temos de chegar à fase da especialidade”, insistiu. E depois virou-se para o PAN, a quem reconheceu e agradeceu “a contribuição” e apelos lançados para levar a discussão à especialidade. Repetidamente, os deputados do PAN fizeram questão de se afirmar como um parceiro responsável e disponível para estar “ao lado da solução”.

 

Cá fora, depois de um encontro com o presidente da Assembleia da República, Ferro Rodrigues, a deputada Bebiana Cunha dava também sinais de que o partido poderia alterar o seu sentido de voto, defendendo que “este Orçamento precisa de ir à especialidade” para poder ser “melhorado”, ressalvando, no entanto, que, sozinhos, os três deputados do PAN não conseguem dar ao PS uma maioria parlamentar que permita evitar o chumbo do documento.

 

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