OPINIÃO
Coisas certas, outras incertas e outras erradas sobre os resultados
eleitorais
Há duas razões para a desmobilização que afectou o PS: a
convicção da vitória, alimentada pelas sondagens, e o cansaço (nacional, em
particular) com uma governação exausta e cada vez pior.
José Pacheco
Pereira
2 de Outubro de
2021, 1:08
1. Os resultados
eleitorais de uma grande cidade, Lisboa em primeiro lugar, Porto e Coimbra a
seguir, têm sempre uma interpretação nacional. Seja porque o voto mudou (não é
o caso), seja porque o voto de uns diminuiu (PS) e de outros cresceu alguma
coisa (pouco, Novos Tempos), seja porque a mobilização de uns (CDU) tirou
espaço de manobra a outros (PS), seja porque não houve mobilização suficiente e
isso traduziu-se em abstenção (caso do PS), seja por que razão for, muitas das
atitudes dos votantes ou dos abstencionistas têm que ver com o partido no poder
e o Governo da nação. Pode não ter sido decisivo, mas certamente que contou.
2. Duas razões
para a desmobilização que afectou o PS: a convicção da vitória, alimentada
pelas sondagens, e o cansaço (nacional, em particular) com uma governação
exausta e cada vez pior.
3. O que se passa
hoje é que durante uma campanha eleitoral é muito difícil saber como as coisas
estão a correr. A rua é ficcional, é para as televisões. Resta a comunicação
social, em particular as sondagens. Não custa perceber que jornais e televisões
cobriram as campanhas na base das amizades e antipatias que tinham à cabeça com
os candidatos e partidos. Neste caso, as sondagens ajudaram. Enganaram-se e
enganaram.
4. Não houve
nenhuma alteração qualitativa, nenhum “novo ciclo”. Se as eleições para Lisboa
se repetissem hoje, sabendo os eleitores o que sabem, os dois lados aumentariam
a mobilização, uns para segurar o resultado, outros para o inverterem. Dado que
não houve transferências de voto, a coligação Novos Tempos iria buscar votos ao
ex-desânimo e o PS ao ex-“já ganhámos”. Ambos cresceriam, mas duvido que o
resultado se mantivesse, porque aí entrariam na ponderação dos eleitores
factores nacionais, em particular a correlação de forças PS-PSD. É
especulativo, mas não é irrealista.
5. Há uma
contradição de fundo entre o programa da coligação Novos Tempos e o programa
“real” das forças motoras internas ao grupo à volta de Moedas e à miríade de
pequenos partidos que o apoiaram. O programa dos Novos Tempos é o tipo de
programa que um partido como o BE ou o PS assinaria por baixo em muitos pontos,
exactamente o contrário do “conservadorismo fiscal”. Transportes gratuitos,
seguros de saúde gratuitos, descontos de 50% no estacionamento para os
residentes, e “um teatro em cada freguesia”, ou seja, 24 teatros, etc. Dou de
barato a “fábrica de unicórnios”.
6. Registe-se, no
entanto, que os programas eleitorais têm um papel irrelevante nesta escolha,
pelo que os Novos Tempos podiam lá pôr o que quisessem que a “direita” não
deixaria de ir lá votar como votou. O programa, em teoria, só seria
inaceitável, por razões ideológicas, para a Iniciativa Liberal, que tem um
dilema – ou faz parte da actual “direita radical”, ou mantém-se na posição de
que “não há almoços grátis”. O programa dos Novos Tempos estava cheio de
“almoços grátis”.
7. Rio ganhou
tempo e alguma folga comunicacional. O tempo é relevante em política, a folga
comunicacional é hipócrita e com o apoio da memória comunicacional, que é de
passarinho, rapidamente tudo vai voltar ao normal, o ataque a Rio e a promoção
dos seus adversários.
8. Estes, por sua
vez, continuarão amanhã a fazer o mesmo que faziam antes, até o PSD ser
capturado pela direita mais radical. Podem inclusive promover lideranças de
transição, como será o caso de Rangel, mas no fim o objectivo é colocar o PSD
como cabeça de uma frente de direita, sem centro, contra aquilo que acham que é
a “ditadura” de Costa e do PS.
9. É uma
estratégia mobilizadora para a direita, pode ser eficaz contra o PS isolado,
mas é perdedora contra uma aliança de esquerda pós-eleitoral. Não há nenhuma
indicação de que não seja assim, nem as eleições de Lisboa o revelam. Em
Lisboa, há sete vereadores dos Novos Tempos, sete do PS, dois do PCP e um do
Bloco. Se fosse no país e nas legislativas, tudo continuaria na mesma.
10. Para a
oposição interna a Rio os resultados de Lisboa foram simultaneamente bons e
maus. Bons, porque a candidatura de Moedas é “deles”, maus, porque o PSD ficou
mais de Rio. Vão separar a vitória de Lisboa de Rio e acusá-lo de estar a
“apropriar-se” do mérito alheio, e continuar na mesma.
11. A ideia de
que uma oposição eficaz é subir os decibéis da fala contra o Governo é um erro.
É isto a que chamam “fazer oposição”. Decibéis e “casos” não chegam. Decibéis
dão uma imagem de radicalização e colocam o PS e o Governo como moderados. Os
“casos” são mais relevantes neste ambiente de “nós” e “eles”, mas não vejo que
não haja um só deles que não tenha sido explorado, umas vezes bem e outras mal,
com excessos e exageros. Desgastam, mas não chegam para inverter
qualitativamente o ambiente político. Para já.
12. Os problemas
políticos mais graves que o Governo defrontou foram a pandemia e as suas
repercussões económicas. Em ambos os casos a oposição não conseguiu ir mais
longe do que críticas pontuais, seja de Rio, seja dos partidários dos decibéis.
A vacinação correu bem, e a situação económica está a melhorar, coisa que
ninguém discute ofuscada pela casuística, mas que as pessoas comuns e as
empresas “comuns” sabem e sentem. A “bazuca”, com todo o seu cortejo de
contradições, vai começar a funcionar e terá resultados.
13. Significa
isso que uma vitória do PS ou de uma união de esquerda pós-eleitoral são
imbatíveis? Não. Há um aspecto fundamental em que o Governo e o PS falham completamente,
que seria uma oportunidade única para a oposição, se não fosse a estratégia dos
decibéis. Esse aspecto é a impotência do Governo em fazer reformas de fundo
manietado pelo veto do PCP e da esquerda bloquista, e pela sua própria
fragilidade. Costa conseguiu muita coisa, mas nunca conseguiu contrariar a
fragilidade de um governo minoritário do PS que precisa de aliados orçamentais.
Estes não estão em condições para fazer uma política positiva, mas têm o poder
de fazer uma política negativa, vetar.
14. Este aspecto
de fragilidade do PS no Governo implica exactamente a política que os
opositores a Rio não são capazes de fazer, nem Rio tem feito no meio dos
ziguezagues à direita. E, quando o tenta fazer, promovendo documentos
sectoriais sérios e alternativos, fica a falar sozinho, perante o ruído dos
adversários e a hostilidade da imprensa, que acha que isso não é oposição e
favorece os decibéis. O que propõem os opositores de Rio não é nenhuma
alternativa consistente a não ser o regresso ao passado, e não pode ser nomeado
devido à memória viva da troika.
15. Que reformas?
Na Justiça, no sistema fiscal, na Educação, na segurança interna, no sistema
político, na luta contra a corrupção, no sistema eleitoral, em que muitos
problemas estão identificados, mas também estão bloqueados. Será matéria para
outro artigo.
16. O problema
complementar é que todas estas reformas têm de ser feitas para Portugal tal
como ele é, com muita gente pobre, com grande desigualdade, com exclusão e
marginalidade, com falta de mérito nas escolhas, com baixa qualificação da
mão-de-obra, desindustrializado, com excesso de slogans e ausência de vontade
de mudança. E que é tutelado por uma burocracia europeia dependente de alguns
países como a Alemanha. A perda de soberania em matérias fundamentais como o
Orçamento é mais grave do que se pensa, mas é substituída por um europeísmo
serventuário, agravado pela dependência externa. Não é fácil, mas é
possível.
Sem comentários:
Enviar um comentário