quinta-feira, 16 de abril de 2015

“Écrasez l'infâme!” / RUI DE ALBUQUERQUE

V.P.V. desafia, sem mais, o ministro a “fechar imediatamente a Lusófona e entregar o caso à Procuradoria-Geral da República”

Lusófona “strikes back” …agora através de um artigo de Rui de Albuquerque, Professor da Universidade Lusófona
Ora, a passagem de VPV,  “Bandos políticos, religiosos, maçónicos ou puramente pessoais apoderaram-se de outras faculdades, institutos ou departamentos, que vêem e administram como se fossem quintas particulares.”, aplica-se provávelmente a todo o ensino Universitário , mas acima de tudo  pelo que temos visto de forma comprovada, com a agravante da relação qualidade / preço, ao ensino nas Privadas.
Talvez fosse imperativo e interessante aparecer uma versão dos Os Facilitadores/ Manipuladores dedicada às “redes”, agora no Ensino Universitário.
OVOODOCORVO

“Écrasez l'infâme!”
RUI DE ALBUQUERQUE 16/04/2015 - PÚBLICO

O corporativismo universitário e profissional tem sido, na verdade, o maior inimigo das ditas “universidades privadas”.

Vai já para mais de vinte e cinco anos, no longínquo ano de 1989, Vasco Pulido Valente (V.P.V.) escrevia, no desaparecido jornal O Independente, os seguintes comentários sobre a universidade portuguesa (“Direito à Portuguesa”): “O Estado português paga a Faculdade de Direito de Lisboa. Mas, pague ou não pague, os senhores professores consideram-na propriedade sua e não planeiam partilhar com ninguém os privilégios, o poder, os rendimentos que proporciona o estatuto de catedrático (…). Bandos políticos, religiosos, maçónicos ou puramente pessoais apoderaram-se de outras faculdades, institutos ou departamentos, que vêem e administram como se fossem quintas particulares.”

Duas décadas e meia depois, aparentemente reconciliado com a universidade pública, Pulido Valente elege como destinatário da sua reputada acrimónia o ensino superior privado e a liberdade de ensinar e de aprender. Foi o que fez num artigo recentemente saído no PÚBLICO (“Basta o que basta”), usando como pretexto a Universidade Lusófona.

Retomando a sua prédica habitual sobre os “malefícios” de um ensino superior que não se esgote num academicismo de elites, V.P.V. ataca a criação das “universidades privadas”, que, segundo ele, “não passavam de um negócio, em que a produção e a transmissão de ciência não ocupavam lugar e em que a educação não fazia parte dos fins gerais da empresa”. E daí passa para a Universidade Lusófona e para um caso que recentemente a envolveu com o Ministério da Educação, embora os seus motivos reais sejam menos os dessa circunstância do que a forma como encara a educação de nível superior. E é esta que merece alguma atenção, porque representa o que ainda pensa sobre o tema boa parte da sociedade portuguesa retrógrada e atrasada.

V.P.V. critica o modo como ocorreu a “democratização do ensino”, que diz considerar “uma política justa e necessária”, embora não explique como deveria ter sido realizada em Portugal. Ao invés, condena todas as medidas que, melhor ou pior, com mais ou menos sucesso, a ela efectivamente conduziram: a abertura das universidades públicas a “milhares de adolescentes” (segundo ele, colocados “em edifícios caducos do século XVIII ou XIX”), na década de 70, e a abertura das “universidades privadas”.

É certo que até à entrada em Portugal dos fundos da Comunidade Económica Europeia o país não dispunha de meios humanos, nem de recursos materiais de excelência para alicerçar o crescimento do ensino superior de que necessitava há muito. Porém, ainda que admitindo a insuficiência desses meios e dos edifícios onde, num primeiro momento, foram alojadas as novas universidades e cursos (a datação dos prédios não será seguramente critério, sob pena de terem de ser compulsivamente encerradas a maioria das universidades europeias, mesmo a de Oxford, onde Pulido Valente estudou), certamente que terão sido mais adequados do que a porta das universidades à qual teriam ficado milhares de jovens, que assim veriam frustradas as possibilidades de estudar e se educar.

Já quanto às universidades privadas, não é difícil descortinar na acusação de que teriam transformado os sacrossantos templos de saber universitário num vil “negócio” um verdadeiro preconceito estatista e jacobino contra a iniciativa privada. Bem vistas as coisas, V.P.V. incorre no paradoxo de defender as tais universidades “apoderadas” pelos “bandos” que fustigou no seu texto de 1989, contra instituições que não devem nada a ninguém e que não vivem das benesses do Estado, nem do dinheiro dos contribuintes, mas apenas da livre escolha dos seus alunos. O que efectivamente o incomoda, a ele e a muitos que criticam as “universidades privadas”, não é tanto a natureza do seu ensino, que se iguala ao das universidades públicas no que elas têm de melhor, mas que tenham sido elas os veículos da verdadeira “democratização” do ensino superior português. A tal democratização que dizem defender, mas que efectivamente nunca estimaram, porque lhes retirou o monopólio dos recursos que o Estado lhes destinava e os proventos materiais que daí decorriam. O corporativismo universitário e profissional tem sido, na verdade, o maior inimigo das ditas “universidades privadas”. E do progresso e do desenvolvimento do país, já agora.

Ora, esta ideia da universidade organizada pelo e ao serviço do Estado, distante das pessoas e da sua livre escolha, decorre da mentalidade jacobina da Revolução Francesa, que fez de universidade um monopólio do Estado, para que ela formasse “cidadãos” ideologicamente orientados, em vez de indivíduos e homens livres. Por isso, ainda hoje em França, o berço do estatismo europeu, o ensino superior é, na prática, exclusivamente público: pertence ao Estado e às suas elites dirigentes, aos tais “bandos” que também dele se apropriaram no Portugal do passado, e que tanto e tão justamente incomodavam V.P.V. O que, no fim de contas, está aqui em causa é a educação enquanto liberdade.

Em relação à Universidade Lusófona, por causa da intimação do ministério para que a instituição regularize administrativamente algumas dezenas de processos de equivalências, o que o próprio secretário de Estado já veio informar que está a ser feito, V.P.V. desafia, sem mais, o ministro a “fechar imediatamente a Lusófona e entregar o caso à Procuradoria-Geral da República” (“Écrasez l'infâme!”, diria Voltaire). E reforça mesmo este seu exaltado pedido chamando à colação a desgraça que vitimou na Praia do Meco seis jovens alunos e licenciados daquela universidade, fazendo-o de um modo que desmerece os seus pergaminhos intelectuais. De facto, escrever, como escreveu, que esse trágico acidente foi devido a práticas da universidade que “floresceram” graças à “absoluta ignorância da gente em posições de autoridade, a quem incumbia garantir a saúde e a segurança das crianças (porque eram crianças) que lhes tinham confiado”, raia o surreal, porque seria patético e risível, não fora a dimensão da tragédia que vitimou seis jovens por quem o autor dessas linhas demonstra um desprezo pouco mais do que instrumental aos seus preconceitos. A não ser que Vasco Pulido Valente, que também foi professor universitário, seja capaz de nos convencer que no exercício dessa profissão zelava paternalmente pela “saúde” das “crianças” que lhe foram “confiadas”, ao longo dos anos, enquanto alunos. Mas custa-nos a creditar que alguém que foi um académico exemplar se tenha então deixado levar por um zelo moral digno de um cura de aldeia.

Rui de Albuquerque


Professor da Universidade Lusófona

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