quarta-feira, 29 de abril de 2015

Um luxo inesperado / DIRECÇÃO EDITORIAL / PÚBLICO. Algumas perguntas já têm resposta, outras continuam por desvendar

Um luxo inesperado
DIRECÇÃO EDITORIAL / PÚBLICO / 28/04/2015

Numa semana tudo mudou. Até podemos vir a ter programas eleitorais quantificados e auditados.

Não há dúvida de que o cenário macroeconómico elaborado por 12 economistas, que servirá de base ao programa eleitoral do PS, agitou a maioria governamental. Desde logo pelo método. Um conjunto de especialistas, uns mais técnicos, outros mais políticos; uns mais liberais, outros mais sociais-democratas; uns com expectativa de ir para o governo, outros sem qualquer apetite pelo poder, estudaram as contas e apresentaram um conjunto de medidas alternativas às actuais políticas. Tudo foi feito by the book, ou seja, dentro das regras e dos constrangimentos impostos pela União Europeia, baseado em documentos e dados oficiais e sem violar quaisquer tipo de compromissos assumidos pelo Estado português. Independentemente da bondade ou não das propostas apresentadas – e algumas delas são muito controversas e até contrariam políticas sempre defendidas pelo PS –, a seriedade do processo atingiu em cheio os partidos do Governo que, de repente, ficaram sem discurso. Agora, será mais complicado seguir um guião construído em função do passado e cuja perspectiva era um futuro sem alternativa credível, quando em cima da mesa está um documento com propostas para suavizar a austeridade, sem radicalismos ou promessas megalómanas, muito mais difíceis de descredibilizar perante o eleitorado.

Apanhado em contramão, o PSD começou por reagir recorrendo ao velho guião para qualificar de “caminho miraculoso” o cenário apresentado pelos 12. Mas rapidamente se recompôs. Em quatro dias, resolveu o último tabu da política à portuguesa, que era saber se ia haver coligação ou divórcio entre os partidos do Governo. De um momento para o outro caíram por terra todas as "teorias" sopradas por quem queria vender caro uma nova aliança, arrastando especulações e fazendo de conta que tinha sondagens, essas sim, miraculosas, sobre hipotéticas vitórias a solo. A pressa foi tanta que a coligação acabou por ser decidida no segredo dos deuses entre Passos Coelho e Paulo Portas, sujeitando os dois partidos ao papel de meros espectadores de um facto consumado.

A rapidíssima formalização da coligação é reveladora de uma outra preocupação por parte da maioria. PSD e CDS perceberam que vão ter de se esforçar muito mais para poderem disputar as eleições taco a taco com o PS. Não basta agarrar no borrão do PEC e do Plano Nacional de Reformas e mais uns pozinhos tirados daqui e dali para construir um programa eleitoral. O método utilizado pelos socialistas teve o condão de elevar a fasquia e a carta agora enviada por Marco António Costa, vice-presidente do PSD, ao líder do PS, pedindo-lhe para sujeitar o documento dos 12 ao crivo da Unidade Técnica de Apoio Orçamental, consolida a certeza de que as campanhas eleitorais nunca mais serão as mesmas. Propostas políticas quantificadas e auditadas são um luxo que não se imaginava possível há uma semana. E, se assim for, vai ser cada vez mais difícil enganar os portugueses.

Algumas perguntas já têm resposta, outras continuam por desvendar
PEDRO CRISÓSTOMO e RAQUEL MARTINS 29/04/2015 - PÚBLICO
Na carta enviada ao PS, os sociais-democratas querem mais pormenores sobre os planos de António Costa para o país.

Entre as 29 questões colocadas pelo PSD a António Costa, há perguntas técnicas, de metodologia estatística e de compromisso político a que só o PS pode responder. Mas há outras questões que já estão respondidas no relatório ou que foram abordadas na apresentação do documento, na sede do PS na semana passada, embora em alguns casos não estejam totalmente esclarecidas.

Na área fiscal, por exemplo, os sociais-democratas questionam sobre o impacto nas contas públicas da proposta de baixar a sobretaxa de IRS de 3,5% para 1,75% em 2016 e de a eliminar no ano seguinte. No documento, os economistas não especificam o impacto orçamental, mas Mário Centeno, o coordenador do estudo, apontou na conferência de imprensa para uma redução de receita de 430 milhões de euros no segundo ano da medida. Não especificou o efeito em cada um dos anos, referindo antes que há um impacto positivo na actividade económica que limita a perda de receita.

O PSD questiona ainda sobre a proposta de “consolidação da derrama estadual” em sede de IRC. Na carta que enviou ao secretário-geral do PS, Marco António Costa diz que “não se alcança” o sentido desta proposta. No relatório dos 12 economistas, o PS propõe travar a descida do IRC prevista na reforma deste imposto (deixando o IRC em 21%) e refere-se apenas a uma “consolidação” da derrama estadual, sem mais nada especificar. Sobre a parte dos lucros acima de 1500.000 euros, aplicam-se taxas adicionais, em três escalões que vão de 3% a 7% em função do lucro tributável.

Há ainda uma questão sobre a proposta de descer o IVA da restauração dos actuais 23% para 13%. “Tendo presentes as iniciativas de combate à fraude e evasão fiscais já em vigor, com resultados comprovados, quanto se espera de benefício adicional decorrente da redução do IVA da restauração de 23% para 13% e através de que novas medidas?”, quer saber o PSD. Mas no relatório os economistas do PS deixam algumas pistas  sobre o impacto na receita, dizendo que vai implicar uma quebra de 260 milhões de euros, podendo ser inferior, “caso a redução da taxa induza uma redução da evasão do imposto”.

Uma questão sobre matéria de impostos que não está respondida no relatório é esta: “Qual é o impacto orçamental do agravamento da taxa de IMI [para as habitações não utilizadas como presidência], da não eliminação do IMT e das deduções do montante pago a título de IMT em casos específicos?”.

Na área da Segurança Social - para a qual o Governo também não apresentou qualquer proposta solução que lhe permita ter um impacto positivo na ordem dos 600 milhões de euros - o PSD pede mais detalhes sobre os planos do PS.

Entre várias questões, quer saber “exactamente” qual a proposta de reavaliação do factor de sustentabilidade. No relatório do PS, os economistas apenas referem que o objectivo é fortalecer a sua eficácia e a sua articulação com a idade da reforma. A formulação é genérica e não se esclarece se será retomado o regime anterior – mudado pelo actual Governo, - que fazia depender a idade da reforma da evolução da esperança média de vida, mas dava a possibilidade às pessoas de escolherem trabalhar mais uns meses ou receber uma pensão mais baixa.

Ainda na área das pensões, os sociais-democratas lembram que a convergência dos sistemas de pensões do regime geral e da Caixa Geral de Aposentações “já foi aprovada na legislatura corrente com efeitos em todas as pensões futuras”, e quer saber quais as medidas previstas e a quem se aplicarão, se apenas aos futuros ou também aos actuais pensionistas.

O PSD recupera, nas perguntas enviadas aos socialistas, um tema que, na semana passada, durante o debate do Programa de Estabilidade no Parlamento, opôs o deputado do PSD, Adão e Silva, ao deputado do PS, Vieira da Silva. O partido do Governo quer saber se a redução da TSU (Taxa Social Única) dos trabalhadores que irá reflectir-se no valor das pensões que vão receber no futuro é um plafonamento das pensões. A questão parte de um termo que nunca é usado no documento do PS e o próprio Vieira da Silva respondeu que não se prevê qualquer plafonamento dos descontos para a Segurança Social.

O PSD quer ainda que o PS diga se, com esta baixa da TSU, “o objectivo é estimular o consumo presente em troca de perda de rendimento futuro”. Contudo, o PS já dá a resposta no relatório quando refere que “com esta medida estimula-se a procura interna, provendo liquidez a famílias que trabalham e auferem baixos rendimentos”. E assume que a actual “geração pede emprestado a si própria”.

Na área da função pública, os sociais-democratas querem saber o custo da reversão dos salários em 2016 e 2017. Nas explicações dadas pelo PS após a divulgação do relatório, a estimativa é que ela custe 105 milhões de euros em 2016, já depois de levar em conta o aumento do consumo e a criação de emprego decorrente do aumento salarial dos funcionários públicos. Para 2017 não são apresentados impactos.

O PS também não diz quanto custará repor as progressões na carreira a partir de 2018 e como isso será feito, outra das perguntas deixadas pelo PSD.


Ainda na área da função pública, o PSD refere, na carta enviada a António Costa, que “não existe nem nunca existiu um congelamento de admissões”, apenas “o seu controlo mais rigoroso”. E por isso quer saber quais são as admissões que o PS se propõe descongelar. Ora, nos últimos anos, as admissões têm estado congeladas e os serviços só podem admitir pessoal com autorização do Ministério das Finanças. Os economistas do PS propõem um descongelamento nos sectores mais críticos, impondo a regra (que o Governo também propõe no Plano de Estabilidade) de uma entrada por cada saída.

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