Merkel termina o ano com discurso
contra a xenofobia
JOÃO RUELA RIBEIRO
31/12/2014 – PÚBLICO
A chanceler pediu aos alemães para não participarem nas manifestações
semanais promovidas por grupos anti-islâmicos e defendeu a política de asilo do
país.
A chanceler
alemã, Angela Merkel, insurgiu-se contra o movimento anti-islâmico que tem
ganho notoriedade no país através de manifestações semanais. No discurso de Ano
Novo, Merkel fez um apelo muito directo aos alemães para que não participem
nessas acções.
A imigração é “um
ganho para todos nós”, afirmou Merkel, durante um discurso fortemente crítico
em que também se dirigiu à Rússia. “Digo a todos aqueles que vão a essas
manifestações: não sigam os que vos chamam a participar! Porque frequentemente,
os seus corações estão cheios de preconceitos, frieza, e mesmo ódio”, disse
Merkel, citada pela AFP, que teve acesso ao texto do discurso que a chanceler
vai ler numa emissão televisiva esta quarta-feira à noite.
Em várias cidades
alemãs têm sido organizadas manifestações anti-imigração, apoiadas pelo grupo
“Patriotas europeus contra a islamização do país” (PEGIDA, na sigla em alemão)
– uma nova organização de cariz xenófobo criada em Outubro e que tem ganho popularidade.
É sobretudo às segundas-feiras que são marcados os protestos que chegaram a
atrair 15 mil pessoas em Dresden ainda este mês.
O objectivo das
“manifestações de segunda-feira” é reproduzir as acções de protesto que, no
final dos anos 1980, se realizaram em várias cidades da Alemanha de Leste e
aceleraram a queda do regime comunista. O próprio slogan que presidia às
manifestações na antiga RDA – “nós somos o povo” – foi apropriado. Agora, a
luta é contra aquilo que o PEGIDA e vários grupúsculos neonazis e de
extrema-direita dizem ser a “islamização” da Alemanha.
“Hoje, muitas
pessoas gritam de novo às segundas-feiras ‘Nós somos o povo’. Mas na verdade
elas querem dizer ‘Vocês não pertencem por causa da cor da vossa pele ou da
vossa religião’”, disse Angela Merkel. A chanceler já se tinha pronunciado
sobre as manifestações, dizendo que na Alemanha “não há lugar” ao ódio racial. O
ministro da Justiça, Heiko Maas, descreveu-as recentemente como uma “vergonha”
para o país.
A verdade é que
numa Alemanha que se assume cada vez mais como o motor económico do bloco
europeu e com um desemprego em mínimos históricos, é a imigração a grande
clivagem interna que causa algumas dores de cabeça a Merkel – a sua taxa de
aprovação está nos 67%, de acordo com sondagens recentes, algo inaudito
actualmente na Europa.
Sintomática é a
subida de popularidade do partido eurocéptico Alternativa para a Alemanha
(AfD), que tem também adoptado um discurso xenófobo. O partido que condena os
programas de assistência financeira a Estados da União Europeia conseguiu
eleger sete eurodeputados em Maio e alcançou representação em três estados
federais.
Um dos pontos
mais críticos é a política de asilo, considerada pelos sectores mais
conservadores demasiado permissiva. Este ano, a Alemanha recebeu cerca de 200
mil refugiados, o quádruplo do número de 2012, muito por causa do
recrudescimento da guerra civil na Síria.
Não se
perspectivam, contudo, alterações à orientação das políticas de acolhimento de
pedidos de asilo, pelo menos a fazer crer nas palavras de Merkel. “É claro que
ajudamos e acolhemos aqueles que aqui buscam refúgio. É um elogio à Alemanha o
facto de filhos de indivíduos perseguidos poderem ter crescido sem medo no
país”, afirmou.
Angela Merkel
dirigiu ainda algumas palavras à Rússia, no final de um ano marcado pelo mais
sério confronto entre o Ocidente e Moscovo desde o final da Guerra Fria, por
causa do conflito ucraniano. “A Europa não pode e não irá aceitar que um
suposto direito do mais forte despreze o direito internacional”, disse a
chanceler.
A Alemanha, no
âmbito da UE e em conjunto com os Estados Unidos, Canadá e Austrália, foi um
dos países que aplicou sanções económicas à Rússia pela anexação da península
da Crimeia e pela desestabilização do Leste da Ucrânia. Ainda assim, Merkel
quis deixar uma porta aberta a uma solução política para as relações entre o
Ocidente e a Rússia. “Obviamente que desejamos estabelecer a nossa segurança na
Europa com a Rússia e não contra a Rússia.”
O pontapé de
saída do próximo ano relativamente ao dossiê ucraniano será dado já a 15 de
Janeiro no Cazaquistão, data em que está previsto um encontro entre o
Presidente ucraniano, Petro Poroshenko, e o homólogo russo, Vladimir Putin.
Sem comentários:
Enviar um comentário