Alfaiates do século XXI. A
tradição casou-se com a modernidade
Ana Pimentel / 15 Janeiro 2015 / OBSERVADOR
Slägen & Zonen e BGentleman são dois projetos portugueses que
reinventam a alfaiataria para produzir camisas à medida. O "comércio da
nostalgia" é a tendência crescente da indústria têxtil?
Ana Pimentel /
15-1-2015 / OBSERVADOR
É um revivalismo.
Lembrar a figura do alfaiate e transformá-lo num negócio – aliar a tradição à
modernidade. E colocá-la online. Público-alvo: o executivo. Alguém com poder de
compra, que pertence à classe média-alta e que gosta de ter uma imagem cuidada.
Ou um fashionista, como diz David Santos, da BGentleman. Renato Braz, da Slägen
& Zonen acrescenta: as mulheres também querem surpreender os homens com
produtos personalizados. Pensava que a alfaiataria era profissão do século
passado? A reinvenção da indústria têxtil também pode passar pelas mangas de
camisa.
Renato Braz
lançou a Slägen & Zonen no final de 2013, com Adriano Prates e João Paulo
Rodrigues, o alfaiate de serviço à empresa. “Pode uma camisa ser
psicotrópica?”, lê-se no site da marca que produz camisas feitas por medida
para homem. São colarinhos, tecidos, botões de punho, com ou sem monogramas
(combinação de dois ou mais elementos gráficos, que forma um símbolo) que cada
cliente pode personalizar. Como? Através do site. Depois, agenda a visita do
alfaiate a casa ou ao escritório, escolhe as suas preferências e espera que a
camisa chegue. Os dados ficam guardados numa espécie de arquivo e na próxima
encomenda basta efetuar o pedido.
João Paulo
Rodrigues, empreendedor e alfaiate da Slägen & Zonen
Na recém-criada
BGentleman – cujo site será lançado em fevereiro -, não há visita do alfaiate.
É o cliente que insere as medidas na encomenda, depois de personalizar a
camisa. Para esse efeito, a empresa disponibiliza um guia que ajuda a medir
corretamente a cintura, braços ou ombros. Se preferir, também pode optar pelos
tamanhos padrão disponíveis. A ideia partiu de David Santos e de Rui Cabral,
ambos com 31 anos, e o facto de terem vencido o concurso de empreendedorismo da
Sage Portugal, o “Sage Elevator Pitch”, levou-os a encontrar casa na incubadora
Startup Lisboa.
O motivo que
levou os cinco empreendedores, de dois projetos distintos, a aventurarem-se na
moda masculina, que foge da rua e dos centros comerciais, foi o mesmo:
necessidade pessoal. “Eu e o Adriano não gostávamos dos produtos que víamos no
mercado e os que gostávamos eram muito caros. E algumas camisas tinham cortes
um pouco antiquados”, explica Renato Braz. A ideia de lançarem uma empresa
juntos não era nova. Encontrado o produto que queriam desenvolver, convidaram o
designer de moda João Paulo Rodrigues a juntar-se ao projeto.
"Enquanto um cliente português
pede duas a três camisas por encomenda, os franceses pedem entre sete a
dez".
Renato Braz,
fundador da Slägen & Zonen
Todos os
empreendedores mantêm empregos fora dos projetos. João Paulo Rodrigues, por
exemplo, trabalha na marca de moda masculina Cifonelli, em Paris. E foi para a
cidade da luz que levou também a Slägen & Zonen, em 2014. Para Lisboa,
contrataram outro alfaiate, Rafael Saldanha. Renato Braz conta que a adesão dos
parisienses ao projeto tem superado as expectativas. Apesar de terem menos
clientes em Paris do que em Lisboa, têm maior volume de encomendas. “Enquanto
um cliente português pede duas a três camisas por encomenda, os franceses pedem
entre sete a dez”, explica.
As camisas que a
Slägen & Zonen está a exportar para França são produzidas em Portugal. Os
tecidos são italianos e o algodão é egípcio. Renato Braz explica que têm
procurado tecidos portugueses, mas que ainda não encontraram a qualidade – do
tecido e do serviço – que pretendiam, por cá. “O nosso primeiro critério é a qualidade
dos tecidos e o segundo é o nível do serviço. Em Portugal, ainda não
encontrámos, sobretudo a nível do serviço, uma oferta que nos agrade”, contou.
Em Lisboa, os
clientes da empresa portuguesa com nome holandês, são advogados, bancários,
pessoas que trabalham no setor financeiro, entre outras. Há duas ofertas: uma
que se baseia mais nos brancos e azuis, que custa 90 euros. E outra que se foca
em padrões um pouco mais ousados e em tecidos ligeiramente superiores, que
custa 120 euros. Estes valores já incluem a visita do alfaiate, que aconselha o
cliente quanto ao colarinho adequado ao tipo de rosto, o tipo de tecido que
favorece o corpo, entre outros pormenores.
Imagem da Slägen
& Zonen, onde é possível personalizar punhos ou colarinhos
Na BGentleman,
também há duas ofertas disponíveis: uma que parte de um preço base de 75 euros
e outra de 89 euros, que tem uma confeção mais premium, “um cuidado maior nos
acabamentos”. Com produção nacional, David Santos conta que os moldes das
camisas são feitos à mão e que a confeção é “quase artesanal”. Os tecidos são
portugueses “de qualidade média alta e alta” e, para breve, estão na mira os
tecidos italianos.
“Nós percebemos
que havia procura, que não éramos as únicas pessoas que queriam camisas à
medida. Não são só as mulheres que falam de roupa, os homens também falam”,
conta David Santos, que, tal como Rui Cabral, trabalha numa consultora. A
BGentleman não quer ser apenas um projeto de camisas por medida online. “Nós
queremos ter um conjunto de fashion advisers (consultores de moda), para
aconselhar as pessoas e também gostávamos de ter um espaço físico, para quem
não gosta de comprar online.
"Nós
percebemos que havia procura, que não éramos as únicas pessoas que queriam
camisas à medida. Não são só as mulheres que falam de roupa, os homens também
falam".
David Santos,
fundador da BGentleman
O projeto nasceu
online, porque os empreendedores querem que Portugal sirva como base de
lançamento da marca, como teste para atuar noutros países. O objetivo é a
expansão internacional. Primeiro, querem chegar a destinos como Angola,
Moçambique, Brasil e alguns países europeus. E querem que “BGentleman” seja
mais do que um nome.”Nós queremos que o homem aprenda a ser um gentleman
[cavalheiro, em português], a vestir-se como um gentleman e queremos ter uma
componente editorial forte em todo o projeto. É um bocadinho como quando a
Apple vende um telefone. Não é só um telefone, é um modo de estar na vida”,
conta.
David Santos e
Rui Cabral, finalistas do prémio Acredita Portugal
A estratégia da
Slägen & Zonen é outra: Norte da Europa, como Suécia ou Noruega. “É onde há
muito poder de compra, mas não há tanta oferta”, explica Renato Braz. Não é por
acaso que o nome da empresa é holandês. “Slägen” é o nome de uma rapariga
holandesa que “inspirou” um dos empreendedores que estudou e viveu no país das
tulipas. “Zonen” quer dizer “filhos”, como é típico em várias empresas
familiares portuguesas. Lançaram a “Slägen & Filhos”.
Em 2015, vai
haver novidades. Renato Braz não adianta quais, mas diz que vão permitir
acelerar a internacionalização da empresa. Para que isso aconteça, é necessário
investimento. Mas antes de contactarem investidores, precisam de fechar uma
parceria tecnológica. A empresa foi lançada no final de 2013 com capitais
próprios e está a caminho dos 100 clientes.
Distinção para
estimular a economia local
Nos primeiros
três trimestres de 2014, as exportações de vestuário foram as que mais
evoluíram em Portugal: cresceram 11,2% quando comparadas com o mesmo período em
2013, segundo os dados publicados pelo Instituto Nacional de Estatística. Os
produtos de moda masculina, como fatos, casacos, calças ou jardineiras foram o
segundo tipo de vestuário exportado. Espanha foi o país que mais comprou roupa
a Portugal, tendo sido responsável por mais de metade da subida das exportações
para a União Europeia. As empresas no Norte do país asseguraram 85% do valor
exportado por este tipo de bem.
Em 2013, a indústria têxtil
produziu cerca de 5,9 mil milhões de euros em vestuário, tendo gerado um volume
de negócios de 6,1 mil milhões de euros, mais 14,5% do que em 2009. Ainda
assim, os valores não chegam perto dos registados em 2004, quando o setor
registou perto de 7,5 milhões de euros em volume de negócios e produziu cerca
de 7,2 mil milhões de euros.
Os dados são da
Associação Têxtil e Vestuário de Portugal, que vê no empreendedorismo uma
prioridade estratégica para o país. Objetivo: regenerar a fileira com novas
empresas, novos empreendedores e novos profissionais. Como pretendem
desenvolver o setor? Com a aposta na criação de coleções próprias e na inovação
tecnológica. Em 2013, as exportações cresceram 9,2% – foi o terceiro ano
consecutivo de crescimento. Em 2014, parecem ir pelo mesmo caminho.
É o regresso à
tradição uma forma de reinventar uma das indústrias que já foi pilar da
economia portuguesa? Para Renato Braz, é “ótimo” que estes projetos surjam,
para que se “estimulem” as economias locais. “Faz mais sentido esta produção
local e há proximidade. Gosto mais desta sociedade do que aquela em que as
coisas são feitas do outro lado do mundo. E pode ser competitivo”, diz. Renato
Braz refere-se às camisas mais baratas, à venda no mercado, “que ao fim de seis
lavagens já não são aquilo que se comprou”.
“Não há dúvidas
de que a personalização do artigo à medida do cliente vai ser uma tendência
crescente. Pouco a pouco, vão-se ultrapassando os obstáculos”, explica Helder
Rosendo, subdiretor do centro tecnológico da indústria têxtil CITEVE ao
Observador. “Antigamente, era muito mais difícil concretizar a produção em
massa destes produtos, mas hoje é mais fácil. As empresas estão mais preparadas
e disponíveis para fazer coisas mais personalizadas”, acrescenta.
"Existem
muitas pessoas que estão a virar-se para os negócios do antigamente. Queremos
trazer a alfaiataria para a tecnologia moderna"
David Santos,
fundador da BGentleman
David Santos
refere: “vivemos na era da imagem”. E acrescenta que as pessoas procuram a
“individualização, distinguir-se”. Isto, “juntamente com a crise e com as
memórias do passado, levou a um certo revivalismo do comércio tradicional.
Existem muitas pessoas que estão a virar-se para os negócios do antigamente.
Queremos trazer a alfaiataria para a tecnologia moderna. Daí optarmos pelo
comércio eletrónico”, explica.
O empreendedor
adianta que as pessoas gostam de ter “a sua camisa”, de saber que aquele
produto é feito só para elas. “Isso vai atrás do conceito de alfaiate, mas a
verdade é que, nos dias de hoje, as pessoas não têm tempo para irem cinco vezes
ao alfaiate fazer a prova de uma camisa”, afirma, acrescentando que não é uma
questão de moda. “É o comércio da nostalgia. Nós queremos acreditar que somos
uma nostalgia moderna. Um look moderno, sem esquecer as regras de etiqueta mais
tradicionais”, diz.
Na BGentleman,
investiram-se 15 mil euros, em capitais próprios, mas os promotores precisam de
mais dinheiro para escalar o negócio. Por isso, andam à procura de quem invista
no projeto. “Isso é o primeiro passo para conseguirmos internacionalizar o
negócio”, acrescenta David Santos.
"Para
o consumidor, é uma mais-valia comprar um produto feito na Europa, porque está
mais preocupado em proteger o emprego e a economia europeia"
Hélder Rosendo,
subdiretor do CITEVE
O comércio
eletrónico é uma das tendências do setor, refere Helder Rosendo. O fato de os
produtos serem comercializados online permite que as margens de poupança (como
o aluguer das lojas físicas) sejam reinvestidas no produtor. Ou seja, permitem
trabalhar de uma forma rentável menor quantidade de produto, mas mais
personalizado. “É trazer uma nota de personalização para cima de um produto de
massa. Trazer a alfaiataria para a esfera do negócio é importante”, diz.
Helder Rosendo
lembra que Portugal tem uma indústria têxtil “forte e poderosa” e que existem
alguns projetos de marca própria a consolidarem-se. O facto de o consumidor
europeu se preocupar cada vez mais com a etiqueta do “Made in” também tem
ajudado Portugal a exportar. “Nota-se muito quando vamos às feiras
internacionais. Para o consumidor, é uma mais-valia comprar um produto feito na
Europa, porque está mais preocupado em proteger o emprego e a economia
europeia”, revela.
Para que o ritmo
de exportações e de novos negócios continue a crescer, refere que é importante
não parar de inovar nos materiais e nos modelos de negócio. “Há uma coisa que é
evidente: vamos ter sempre de fazer diferente. Não vamos conseguir sobreviver a
fazer mais do mesmo. E há outra coisa – o cliente, hoje, quer tudo para ontem.
As empresas têm de estar preparadas para fazer rápido e bem”, diz. Os negócios
à medida não são feitos para serem à medida do país, mas à medida do mundo.
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