terça-feira, 2 de julho de 2013

O hara-kiri de uma coligação. O governo morreu ontem. Paz à sua alma.

O Presidente não tem alternativa à convocação de eleições antecipadas. O país também não.


Editorial / Público
Mais do que trágica, a crise política em que o Governo está mergulhado desde segunda-feira é patética. E não tem saída. À demissão dos dois ministros mais importantes do seu Governo, num intervalo de 24 horas, Passos Coelho reagiu ontem, numa declaração ao país na qual ignorou que Vítor Gaspar tenha existido e fez de conta que Paulo Portas não se tinha demitido. O Presidente, pouco antes de dar posse aos novos membros de um Governo que era já coxo, fez profissão de fé de nunca o demitir por iniciativa sua, remetendo esse papel para o Parlamento. O ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros decidiu anunciar a sua demissão com estrondo cinematográfico, declarando ter avisado o primeiro-ministro de que não aceitaria Maria Luís Albuquerque nas Finanças, posição que o primeiro-ministro disse ter acolhido com surpresa.
O Governo morreu, implodido pelas suas contradições internas e pela incompetência de um primeiro-ministro incapaz de o manter coeso. E o Presidente, que deu o seu aval à escolha de Maria Luís Albuquerque quando esta já havia precipitado a saída de Portas, perdeu a face e a pouca capacidade de manobra que lhe restava. Cavaco Silva está a ser arrastado para o fundo por esta crise política. Tal como o país, que pagará um preço enorme pela irresponsabilidade dos líderes do PSD e do CDS, que decidiram suicidar-se politicamente no meio desta crise. Sim, porque não vale a pena ter dúvidas: aquilo a que estamos a assistir é ao hara-kiri de uma coligação. Portas tenta evitar a débâcle e, pelo caminho, procura posicionar-se para um futuro, quem sabe, ao lado do PS. Passos não parece saber o suficiente de política para saber o que fazer.
Mas não vale a pena ter ilusões. O Governo desmoronou-se por ter sido incapaz de se pôr de acordo quanto às reformas estruturais de que o país precisa. Se Passos ainda sonha continuar, é apenas uma questão de tempo até se aperceber da loucura da sua ilusão. Só que o país não pode pagar esse preço. A crise e os desafios que esta impõe tornam a clarificação inevitável. O Presidente terá que voltar com a palavra atrás e convocar eleições, a menos que queira ficar na história associado ao espectáculo ignaro que este Governo está a oferecer. Sendo que não há qualquer margem de manobra para um governo presidencial.
A Europa em pânico com a autodestruição do bom aluno da austeridade terá de aceitar que o caminho das eleições é o único possível. A crise portuguesa terá repercussões pesadas no debate europeu sobre os planos de resgate e reforçará a posição dos que querem deixar os países periféricos entregues a si próprios. A irresponsabilidade de Passos e Portas vai agravar a crise europeia.
O Governo que já tinha entrado em choque com o país destruiu-se a si próprio. Já não tem capacidade nem legitimidade para liderar. Mantê-lo em estado de semivida é agravar o estado de deterioração a que chegou ou deixar que seja a rua a demiti-lo. O Presidente não tem escolha. Nem o país.

O governo morreu ontem. Paz à sua alma


Por Luís Rosa
publicado em 3 Jul 2013 in (jornal) i online

Resta saber quem fica com o ónus da queda do governo: Pedro ou Paulo?

Confirmou-se o inevitável: Paulo Portas matou o governo quando menos se esperava e da forma mais mortífera possível. A passagem da certidão de óbito pode demorar dias ou meses, mas será quase um mero expediente burocrático para atestar o desaparecimento de uma coligação que funcionou bem pior do que no governo de Durão Barroso.
Ontem também se confirmou que Passos Coelho só será exonerado à força. Só conseguirão tirá-lo do governo se a esquerda convencer o CDS a viabilizar uma moção de censura no parlamento ou o Presidente da República entender que está em causa o normal funcionamento das instituições – o que parece pouco provável.
É verdade que o líder do CDS tem razões para discordar da nomeação de Maria Luís Albuquerque para ministra das Finanças e da não opção por uma remodelação de fundo que levasse a uma mudança na política de austeridade. Também é correcto dizer que a nomeação de Albuquerque prova a incapacidade de Passos Coelho de ir buscar um nome de peso para substituir Gaspar – fosse Paulo Macedo, titular da pasta da Saúde, fosse outra figura da sociedade civil – e desafia a lógica e o bom senso pelas fragilidades da nova ministra no caso dos contratos de swap. Mas a estabilidade é um valor a que Paulo Portas deu grande valor em casos anteriores, como a enorme subida de impostos decretada por Vítor Gaspar quando o CDS se apresentou aos eleitores como o partido dos contribuintes. A demissão de Portas um dia depois de Gaspar só reforça a ideia de que o ministro dos Negócios Estrangeiros quer provocar a queda do governo, por muitos cuidados que tenha tido na redacção do comunicado tornado público.
O que se vai passar nos próximos dias ou meses será apenas uma encenação política para tentar perceber quem fica com a responsabilidade da queda do governo. A declaração de Passos Coelho (a melhor do primeiro-ministro em largos meses) a pressionar o CDSa assumir esse ónus, insere-se nesse jogo. Oprimeiro-ministro faz bem em recusar a demissão de Portas e em forçar uma negociação, mas a manutenção do apoio parlamentar do CDS não será duradouro. Com Portas fora do governo (e mesmo que continuem os dois restantes ministros e secretários de Estado centristas – o que não é certo), o CDS terá ainda maior autonomia para não aprovar propostas do executivo que não satisfaçam os seus interesses eleitorais. A instabilidade política, num contexto de um acordo de incidência parlamentar, seria assim mais intensa do que já é hoje.
Não é disso que o país precisa. Necessita sim de um governo forte que possa negociar com a troika a mudança da política de austeridade. Se tal objectivo será alcançado é outra conversa, mas a tentativa tem de ser feita. Apesar do segundo resgate parecer inevitável.

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