Euribor “rouba” centenas de euros ao orçamento mensal das
famílias
Taxas subiram entre 2,5 e 3,5 pontos no espaço de um ano
e ainda vão continuar a aumentar em 2023, mas em menor escala. Mais famílias
poderão precisar de renegociar contratos.
Rosa Soares
31 de Dezembro de
2022, 6:55
Em 12 meses,
verificou-se uma mudança radical no preço do dinheiro para quem tem crédito à
habitação associado às Euribor. As recentes subidas das taxas têm um impacto de
algumas centenas de euros na prestação mensal, especialmente nos créditos de
montante mais elevado e associados à taxa a 12 meses. O aumento violento das
taxas de juro demonstra como a descida para valores negativos constituiu uma
“armadilha” para as famílias que pediram empréstimos nos últimos anos, porque permitiram
aceder a montantes mais elevados, que agora têm dificuldade em suportar.
As taxas a três,
seis e 12 meses, presentes em cerca de 90% dos empréstimos à habitação
existentes em Portugal, atingiram, em Dezembro, valores médios de 2,063%, de
2,560%, e de 3%, respectivamente. Estes valores contrastam com os valores
negativos verificados em Dezembro de 2021, quando registaram os valores mais
baixos de sempre: a três meses em -0,572%, a seis meses em -0,546%, e a 12
meses em -0,501%.
Como ao valor das
taxas Euribor ainda é somado o spread ou a margem comercial do banco, a taxa
final suportada pelos particulares é ainda mais elevada. Contrariamente, no
período das Euribor negativas, o valor da margem comercial do banco era abatido
à taxa, o que limitou ou mesmo anulou o pagamento de juros em muitos
empréstimos.
Rendas só poderão ser actualizadas em 2%
A actualização
automática das rendas, prevista por lei, ficará limitada a um máximo de 2% em
2023, um valor que fica abaixo daquele que resultaria da aplicação da fórmula
de cálculo actualmente em vigor.
De acordo com a
lei, o valor das rendas dos contratos de arrendamento é actualizado,
anualmente, em função da variação média dos últimos 12 meses do índice de
preços no consumidor, sem a componente de habitação, registada em Agosto do ano
anterior. Considerando esse indicador, as rendas poderiam ser actualizadas em
5,43% no próximo ano, mas, no âmbito do pacote de medidas destinadas a apoiar
as famílias impactadas pela inflação, o Governo decidiu limitar esse aumento a
2%.
Assim, a título
de exemplo, uma renda de 500 euros poderá ser actualizada, no próximo ano, para
um máximo de 510 euros, em vez dos 527,15 euros que poderiam ser alcançados sem
a imposição deste limite dos 2%.
Esta medida
aplica-se apenas aos contratos de arrendamento já em vigor.
Quanto aos novos
contratos, os aumentos têm sido constantes. No terceiro trimestre deste ano, o
valor mediano das rendas dos novos contratos de arrendamento fixou-se em 6,55
euros por metro quadrado, valor que se mantém inalterado em relação ao segundo
trimestre deste ano mas que representa um aumento de 7,6% face a igual período
do ano passado.
Tendo em conta a
evolução dos valores praticados no mercado de arrendamento nos últimos anos,
tudo aponta para que, em 2023, as rendas dos novos contractos continuem a aumentar
a ritmo acelerado. Rafaela Burd Relvas
O impacto da
subida da prestação é muito significativa para quem tem empréstimos mais
elevados e associados à Euribor a 12 meses, como são boa parte dos contratos
celebrados nos últimos anos. Nos que estão associados aos prazos a três e seis
meses, a subida é menor e mais lenta, devido ao valor mais baixo destas duas
taxas, e ao facto de serem revistos mais vezes.
A partir de uma
simulação realizada pelo PÚBLICO, para um empréstimo de 150 mil euros, a 30 anos,
associado à média da Euribor a 12 meses de Dezembro de 2022, e um spread de 1%
(taxa final de 3,560%), a contratar ou a rever em Janeiro de 2023, é possível
verificar que a prestação mensal correspondente é de 717,68 euros. Um aumento
de 268,96 euros face ao valor que pagava com a taxa verificada em Dezembro de
2021 (-0,501% + 1% = 1,499%). Como o contrato associado a este prazo só seria
revisto em Janeiro de 2024, o impacto anual do aumento ascende a 3327,52 euros.
Se o montante do
empréstimo for mais elevado, de 200 mil euros, a prestação sobe para 952,91
euros, uma diferença de 354,62 euros tendo em conta o agravamento da taxa face
ao final de 2021. O impacto anual é de 4255,44 euros.
Na mesma
simulação para um empréstimo de 150 mil euros, associado à Euribor a seis
meses, a rever em Janeiro, a prestação sobe 232,84 euros face ao valor de há 12
meses, para 678,60 euros. Neste caso, o contrato é revisto a cada seis meses,
pelo que uma parte do aumento já foi incorporada. Assim, face à revisão realizada
em Julho, o aumento da prestação é de 184,9 euros.
Com a taxa a três
meses, a prestação resultante da simulação é de 637,51 euros na revisão a
ocorrer em Janeiro, um aumento de 193,45 euros face ao que pagava com a taxa de
Dezembro de 2021, e mais 82,26 face à última revisão, no passado mês de
Outubro.
A forte subida
das taxas Euribor acabou por anular uma das salvaguardas ao endividamento
excessivo das famílias, demonstrando a necessidade de uma alteração dos
pressupostos tidos em conta para o cálculo da taxa de esforço (peso dos
encargos com o crédito no orçamento familiar). Essa salvaguarda, em vigor
apenas a partir de Julho de 2018, consistiu na soma de mais 3% face à taxa
verificada no momento da contratualização, valor que a evolução da taxa já igualou
no prazo a 12 e seis meses.
Ou seja, face aos
mínimos em cerca de -0,5% verificados no final de 2021, e culminando um período
de cerca de sete anos abaixo de zero, a taxa a 12 meses já subiu 3,5 pontos; a
seis meses, três pontos; e a três meses, 2,5 pontos.
Renegociação dos contratos
Para muitas
famílias, é difícil assimilar os actuais aumentos e os que ainda ocorrerão em
2023. Embora de forma mais moderada, as perspectivas para o ano que agora se
inicia não são positivas. As Euribor vão continuar a subir, especialmente
durante o primeiro semestre.
O ritmo dessa
subida será ditado pelo Banco Central Europeu (BCE), que na última reunião
avisou que vai continuar a subir as suas taxas directoras, de referência para
as operações com os bancos, “de forma significativa e de forma regular”. As
decisões de política monetária do banco central influenciam o valor das
Euribor, fixadas diariamente no mercado interbancário, a partir das taxas a que
um conjunto alargado de instituições está disponível para emprestar dinheiro
entre si.
As famílias que
sofram aumentos mais expressivos podem recorrer à renegociação dos contratos,
de forma a evitar a entrada em incumprimento. O Plano de Acção para a Prevenção
do Incumprimento (PARI) foi melhorado recentemente, através de um diploma do
Governo, fixando novas obrigações aos bancos no acompanhamento da situação
financeira dos clientes e na apresentação de soluções quando for necessário. E
são muitos os particulares que têm sido contactados pelas instituições
financeiras, já com estimativas relativas aos próximos aumentos.
O Decreto-Lei n.º
80-A/2022, de 25 de Novembro, elimina alguns custos que estão habitualmente
associados às soluções que permitam a redução do valor a pagar mensalmente,
como é o caso, por exemplo, da comissão por alargamento do prazo do contrato. E
proíbe-se o aumento da taxa de juro. É ainda facilitada a amortização total ou
parcial dos empréstimos à habitação (independentemente do montante dos
empréstimos), ao ser eliminada a comissão de resgate, que é de 0,5% sobre o
capital a pagar. Quem tem planos de Poupança Reforma poderá resgatá-los, sem
penalização fiscal, para pagar as prestações, e quem tiver poupanças também as
pode amortizar no capital sem custos.
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