segunda-feira, 5 de agosto de 2013

A CGD contabiliza reformas a pagar a cerca de uma vintena de ex-administradores na ordem dos dois milhões de euros (brutos) por ano .

A CGD contabiliza reformas a pagar a cerca de uma vintena de ex-administradores na ordem dos dois milhões de euros (brutos) por ano

Caixa paga reformas a três presidentes de bancos rivais


Os actuais presidentes do Santander Totta, do Montepio Geral e do BIC Portugal recebem parte ou a totalidade da sua reforma do grupo estatal onde exerceram funções de administradores executivos
O fundo de pensões da instituição liderada por José Matos paga, total ou parcialmente, reformas a três presidentes executivos de bancos a operar em Portugal em concorrência com o grupo estatal: António Vieira Monteiro, do Santander Totta, Tomás Correia, do Montepio Geral, e Mira Amaral, do BIC Portugal. O presidente do Instituto Português de Corporate Governance (IPCG), Pedro Rebelo de Sousa, desvaloriza a situação: "Se não é a instituição [CGD] a pagar" directamente, "então não vejo conflitualidade, até porque o direito à reforma é um direito adquirido". Este três gestores recebem as suas pensões através da Caixa Geral de Aposentações (CGA), mas há uma parcela que é suportada pelo fundo dos trabalhadores do grupo público.
Depois dos cortes aplicados à função pública, as reformas mensais dos actuais presidentes do Santander Totta, do Montepio Geral e do BIC Portugal que, em 2006, oscilavam entre 16.400 euros e 13 mil euros, passaram a situar-se à volta dos 10 mil euros brutos. A presença dos três ex-gestores, reformados, em bancos rivais da Caixa não é ilegítima: os três descontaram para o sistema de previdência social e a lei consagra-lhes o direito a poderem trabalhar depois de se reformarem. Isto dado que as regras em vigor não exigem, a quem se mantém na vida activa, que peça a suspensão do pagamento da pensão. Por outro lado, nada impede a transferência de gestores para outras instituições rivais a menos que tenham assinado contratos com cláusulas de não- concorrência.
Mas a relação de Vieira Monteiro, de Tomás Correia e de Mira Amaral com a CGD difere entre si. Tomás Correia trabalhou mais de 20 anos no grupo estatal, onde fez um percurso de bancário, pelo que o grosso da sua reforma vem da Caixa. Já Vieira Monteiro exerceu o lugar de administrador durante vários anos e foi dos quadros durante um mês, enquanto Mira Amaral não esteve mais de dois anos na administração. Daí que as responsabilidades que a Caixa tem com cada um deles não seja igual e dependa das carreiras contributivas. Por exemplo, o Fundo de Pensões da CGD concorre mais para a pensão de Tomás Correia e menos para o do CEO do BIC. Ao contrário de Vieira Monteiro e Tomás Correia, Mira Amaral não transitou directamente da Caixa para o BIC.
"Não tenho conhecimento", começou por afirmar Pedro Rebelo de Sousa, questionado pelo PÚBLICO, na qualidade de presidente do IPCG, sobre a legitimidade de ex-gestores da CGD, reformados, liderarem grupos rivais. "A reforma é um direito adquirido, não cria um vínculo. As pessoas fizeram descontos e têm direito a receber." O advogado, que foi até Abril deste ano administrador não-executivo da Caixa, observou: "Esse era o caso do ministro Cadilhe [que recebia a reforma do fundo de pensões do BCP] e teve de rescindir para ir para o BPN. Foi um bom exemplo de governação." Por seu turno, na óptica do Banco de Portugal, o que interessa é que os principais executivos das instituições sejam idóneos, não estejam envolvidos em processos-crime e tenham experiência acumulada.
Também o actual presidente executivo do Banif (parcialmente nacionalizado) integrou conselhos de administração da CGD. Questionado pelo PÚBLICO para explicar qual o vínculo que mantém, neste momento, com a CGD, Jorge Tomé reagiu assim: "Pedi a demissão da CGD quando vim para o Banif, apesar de ter direito a pedir a reforma por ter tido um problema grave de doença."
Nos seus registos, a CGD contabiliza reformas a pagar a cerca de uma vintena de ex-administradores na ordem dos dois milhões de euros (brutos) por ano. Um dado que não escapa à polémica interna, num contexto em que a CGD, no primeiro semestre de 2013, apurou prejuízos de quase 190 milhões de euros. Por operar na esfera estatal, o grupo (os trabalhadores e reformados) está sujeito às medidas de austeridade que abrangem a função pública (cortes), para além de seguir um programa de controlo de custos, em consequência do recurso a fundos públicos para se recapitalizar.
Um dos casos que têm gerado mal-estar entre alguns funcionários da Caixa envolve o presidente do Santander Totta, Vieira Monteiro, ex-vice-presidente da CGD. De acordo com a documentação a que o PÚBLICO teve acesso, o seu mandato na administração terminou em Fevereiro de 2000, altura em que foi integrado nos quadros da Caixa como director. Semanas depois, a 28 de Março do mesmo ano, o gestor pediu a suspensão das funções para "exercer outras, de carácter profissional", para que foi convidado e, por ter, então, "30 anos de serviço, 24 dos quais" em cargos de administrador no sector financeiro, "em representação do Estado". E solicitou a passagem à pré-reforma com "suspensão de prestação de trabalho". Na mesma missiva, explicou que lhe faltam, então, "seis anos de serviço e seis de idade", para poder pedir a reforma definitiva, o que acabou por fazer em 2006, quando lhe foi concedida pela CGD uma pensão de 13.493,25 euros (brutos), valor entretanto corrigido. Vieira Monteiro está na administração do Santander Totta desde 2000 e só veio a assumir a liderança em 2011. O banqueiro confirmou ao PÚBLICO a reforma da CGD, mas especificou a "sua qualidade de director".
O actual presidente do BIC Portugal, que comprou, em 2012, o BPN ao Estado, protagonizou o caso mais mediático: depois de ter gerido a CGD, num sistema bicéfalo, partilhado por António Sousa, Mira Amaral deixou o banco "com estrondo". Os dois envolveram-se numa guerra aberta que os levou a abandonarem a instituição. Na sequência disso, Mira Amaral reformou-se pelo banco público. A 2 de Maio de 2006, o gabinete de relações de trabalho da CGD mencionava que os abonos acumulados durante a vida profissional do actual presidente do BIC Portugal totalizavam 16.456,49 euros, verba que foi também alvo de cortes. "Comecei a descontar aos 22 anos para a Caixa Geral de Aposentações e quando me reformei tive uma pensão de 38 anos de serviço, no regime unificado (CGA e Segurança Social)". Mira lembra que apenas uma pequena parte dos 11 mil euros brutos que recebe (em acumulação com o salário do BIC) está relacionada com a sua passagem pela CGD. "E ainda tenho um corte de 52% sobre os 11 mil euros". Concluiu: "O que é questionável é quando uma pessoa se reforma por invalidez e vai para outra empresa trabalhar."

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