“Não sei como é na sua família, mas na minha não é
assim”. Fecho dos centros para sem-abrigo motiva discussão azeda entre
vereadoras
22.12.2021 às
21h15
JOÃO AMARAL
SANTOS
JORNALISTA
A reunião pública
da Câmara Municipal de Lisboa, realizada esta quarta-feira, ficou marcada pela
discussão acalorada entre Laurinda Alves e Beatriz Gomes Dias. “Não sei como é
na sua família, mas na minha não é assim. A decisão está tomada e aqueles centros
não vão reabrir”, disparou, visivelmente indignada e irritada, a vereadora do
Executivo de Carlos Moedas, com o pelouro dos Direitos Humanos e Sociais
Já era expectável
que o anúncio do encerramento de dois dos quatro centros de acolhimento de
emergência a pessoas em situação de sem-abrigo, por alegada falta de “condições
dignas” daqueles espaços, abertos em março de 2020 pelo Executivo de Fernando
Medina (PS e BE), como resposta à pandemia, dominasse (parte) da reunião
pública da Câmara Municipal de Lisboa, realizada esta quarta-feira. E, de
facto, assim foi. O tom em que decorreu a conversa, por sua vez, surpreenderia
os presentes.
O registo cordial
de Carlos Moedas – “somos todos uma equipa”, diria, a certa altura, à oposição,
o presidente – acabaria traído, logo no primeiro terço do encontro, na
sequência de uma acesa troca de palavras entre Laurinda Alves, vereadora com o
pelouro dos Direitos Humanos e Sociais (eleita pela coligação Novos Tempos de
Moedas) e Beatriz Gomes Dias, vereadora do Bloco de Esquerda.
Nas últimas
horas, Beatriz Gomes Dias insistira nas criticas. E, esta quarta-feira,
apresentou mesmo à Câmara Municipal de Lisboa uma moção para “reverter” a
decisão, considerando o encerramento dos dois centros de acolhimento de
emergência como uma opção “errada” e desadequada”. Na resposta, Laurinda Alves
não escondeu a indignação e irritação, classificando as queixas da vereadora do
BE como “uma espécie de guerrilha”, tendo a comunicação social como palco.
Não sei como é na
sua família, como é na sua família política, se as pessoas, podendo ser
acolhidas em casa, são acolhidas na cave, no vão de escadas ou na varanda, mas
na minha família não é assim
“Chega a ser
repugnante ouvir alguém gritar por esta solução. Não posso manter as pessoas
numa varanda, numa cave, num vão de escada, a fingir que as estamos a acolher.
Não posso tolerar que venha gritar para os media que sejam abertos dois centros
de acolhimento, que não eram centros, mas espaços improvisados sem condições
indignas. Não sei como é na sua família, como é na sua família política, se as
pessoas, podendo ser acolhidas em casa, são acolhidas na cave, no vão de
escadas ou na varanda, mas na minha família não é assim. Se quiser gritar, fica
a gritar sozinha. A decisão está tomada e aqueles centros não vão reabrir”,
afirmou, de rajada, Laurinda Alves.
As palavras da
vereadora dos Direitos Humanos e Sociais motivaram reação imediata de Beatriz
Gomes Dias, que, apesar de não ter tempo, obrigou Carlos Moedas a intervir,
para colocar “água na fervura”: “Não houve ataque pessoal, não houve ataque
pessoal aqui, a senhora vereadora [Beatriz Gomes Dias] não foi atacada
pessoalmente, foi apenas uma resposta”, esclareceu, prontamente, Carlos Moedas.
Pessoas
sem-abrigo realojadas
As cerca de 40
pessoas em situação de sem-abrigo que ocupavam os dois centros de alojamento de
emergência municipal (CAEM) agora encerrados – a Pousada da Juventude, em
Moscavide, e a Casa dos Direitos Sociais, em Marvila – já foram, entretanto,
realojadas, à exceção de duas, garantiu Laurinda Alves. As duas pessoas que,
neste momento, se mantêm em trânsito foram, para já, alojadas na Casa dos
Direitos Sociais, na Bela Vista, mas a vereadora indicou que também estas
situações serão resolvidas até ao final do ano.
Já ontem, na
reunião da Assembleia Municipal de Lisboa, Carlos Moedas tinha confirmado a
decisão, justificando-a o facto de estes espaços funcionarem “sem condições
dignas” e que todas as pessoas estão a ser “acompanhadas e reencaminhadas”.
Esta quarta-feira, Laurinda Alves confirmou o diagnóstico, descrevendo que as
pessoas sem-abrigo, colocadas naqueles espaços, estavam sujeitas “a pragas” e
eram “picadas” que lhes provocavam “chagas abertas”. Versão que Beatriz Gomes
Dias, vereadora do BE – partido que, no Executivo de Fernando Medina, tinha o
pelouro dos Direitos Sociais –, negou. No futuro, ninguém vai estar “falsamente
alojado”, garantiu Laurinda Alves, que, a encerrar a discussão, confirmou que
Lisboa ainda “tem 628 vagas no caso de haver mais pessoas a vir parar à rua”.
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