José Pacheco
Pereira
Professor
Ontem
Alguma coisa de estranho no “Almirante das vacinas”
Dois ou três anos
de restrições intermitentes, regras moderadas e quase sempre violadas, parecem
atirar com toda a gente para a Psiquiatria. Estou a falar de uma parte da
burguesia, pequena e média, urbana, fechada num egoísmo individual.
Como toda a gente
congratulei-me pela boa gestão do processo das vacinas pelo vice-almirante
Gouveia e Melo. Nunca foi pela farda, que pelos comentários, uns populistas
outros irresponsáveis vindos de quem vêm, reforça o perigoso sentimento dos
militares eficientes versus os políticos incompetentes. Manifestei essas
reservas aqui mesmo. Por outro lado, elogiei-o pela atitude de confrontar uns
negacionistas que lhe apareceram à frente em vez de fazer de conta que eles não
existiam ou fugir pela porta do fundo.
Mas, depois de
terminar essa missão, e transformado no "homem do ano", com o nosso
habitual embasbacamento e ligeireza sebastianista, veio ao de cima uma espécie
de vaidade e ambição pura que, essa sim, me preocupa. Não porque entenda que
qualquer cidadão não tenha o direito de ter opiniões políticas e actuar em
função delas, incluindo fazer um partido ou movimento e concorrer às eleições.
Mas estamos perante um militar que foi nomeado para chefe da Armada, por razões
estritamente políticas e que, nem que seja por esse cargo, devia moderar a
tentação de, criticando os que se lhe seguiram, se engrandecer a si próprio. Se
quer criar um movimento cívico, se quer explicar como se situa entre a esquerda
e a direita (comparando percebe-se que está mais à direita do que à esquerda),
se quer vir a ser candidato presidencial, tudo muito bem. Mas nesse caso não
aceite as funções de chefe do Estado-Maior da Armada.(…)
OPINIÃO
O desastrado processo da nomeação do chefe do
Estado-Maior da Armada
Tudo isto é muito doloroso de escrever, mas seria
vantajoso que deste enorme erro se tirassem lições para o futuro. Será deste
modo que os principais responsáveis deste processo (ministro da Defesa e chefe
do Estado-Maior General das Forças Armadas) querem dirigir as FA? E julgam que
são respeitados?
José Eduardo
Garcia Leandro
30 de Dezembro de
2021, 18:50
Já com 81 anos e
depois de 1976, nunca assisti a um processo tão desastrado como o que ocorreu
com a novela que o atual Governo protagonizou com a nomeação do novo chefe do
Estado-Maior da Armada, embora muitos incidentes desnecessários tenham
acontecido noutras ocasiões. Ninguém que eu conheça ou que tenha ouvido sabe
bem o que se passou e as pessoas dividem-se em dois grupos: os que nada
perceberam; e os que pensam ter percebido e que são profundamente contra.
Os almirantes
Mendes Calado e Gouveia e Melo, se bem que centrais e importantes neste
processo, não são o foco do problema. A competência e a carreira de qualquer um
deles não estão em causa. As Forças Armadas não se regem pelo comportamento dos
partidos políticos, nem se gerem do mesmo modo; não se chega a general ou
almirante com a mesma facilidade com que se é nomeado ministro ou se é eleito
deputado, pois o mérito, o sentido da responsabilidade de comando desde muito
novo, a avaliação permanente, o sentido de Estado e a experiência ganha ao longo
de muitos anos fazem a diferença. É claro que também há exceções a esta norma
habitual. E nunca houve o circo mediático que agora surgiu!
O que está aqui
verdadeiramente em causa é o facto de alguns políticos com enormes
responsabilidades não perceberem as diferenças (ou não as quererem perceber) e
permanentemente desvalorizarem e menorizarem as suas Forças Armadas. Não se
substitui um chefe militar como acontece nos ministérios e nos partidos
políticos.
Não se chega a general ou almirante com a mesma facilidade
com que se é nomeado ministro ou se é eleito deputado (...). . Não se substitui
um chefe militar como acontece nos ministérios e nos partidos políticos
Neste caso
concreto, o almirante Gouveia e Melo fez um trabalho excecional como
coordenador de todo o sistema da vacinação anticovid-19 e a população ficou
deslumbrada, porque até aí tudo estava a correr mal, o Governo estava perdido e
depois passou a correr com grande eficiência. Mas depois ele foi arrastado para
a armadilha das entrevistas e homenagens repetidas e abriu-se demais sobre
assuntos que não lhe competiam e em que devia ter mais prudência.
O almirante
Mendes Calado cumpria com discrição e eficiência a sua missão de CEMA tendo
(parece) admitido sair mais cedo da sua função (situação que só se poria no 3.º
trimestre de 2022). Em setembro deste ano, o senhor ministro da Defesa Nacional
resolveu propor a sua substituição, o que não o ocorreu por oposição do nosso
Presidente, mas em dezembro aquilo que fora recusado três meses antes passou a
ser válido e Mendes Calado foi simplesmente despedido. Tem isto algum sentido?
Nem sequer se punha a questão do limite de idade de Gouveia e Melo que só
acontece em novembro de 2022. E não há alta condecoração, ainda que justa, que
resolva esta ofensa contra o Estado de Direito e à dignidade da pessoa e das
Forças Armadas. Todos somos o Almirante Calado!
O general Ramalho
Eanes (sempre uma referência ética e a quem o país muito deve) lembrou no seu
discurso de 7 de outubro no IUM (Instituto Universitário Militar) as
dificuldades que houve para se ultrapassar o PREC e defendeu que não
deveríamos, com uma renovada LOBOFA (Lei Orgânica de Bases da Organização das
Forças Armadas) - muito mal preparada - deixar cair num processo semelhante. Os
resultados estão à vista.
Não há alta condecoração, ainda que justa, que resolva
esta ofensa contra o Estado de Direito e à dignidade da pessoa e das Forças
Armadas. Todos somos o Almirante Calado!
Ainda
recentemente o senhor primeiro-ministro declarou que agora a população
compreende muito melhor as Forças Armadas pela sua importância nas missões
externas, na proteção civil e na vacinação anticovid. Pergunta: foi a população
ou foi ele que as descobriu e compreendeu melhor? Mas continua a dar cobertura
a decisões que as desvalorizam.
Agora o novo CEMA
vai encontrar uma Marinha dividida, quando precisaria de unidade.
E se, com a sua
forte personalidade, verificar que tudo o que pretende fazer na Marinha, que
envolverá meios e pessoal, não vai acontecer? Ainda pode bater com a porta e
dedicar-se a outras atividades. Vamos esperar para ver, até porque, se houver
mais meios para a Marinha, tal tem também de acontecer com o Exército e com a
Força Aérea.
E porquê toda
esta urgência do nosso primeiro-ministro em propor esta nomeação apenas um mês
antes das eleições legislativas, o que aparentemente não tem explicação. Será
que tem receio de perder as eleições e que depois as suas promessas a Gouveia e
Melo não se concretizem?
Será de lembrar
que o ciclo das Forças Armadas nada tem a ver com os ciclos políticos; estas
são apartidárias e cumprem sempre a sua missão independentemente do Governo em
funções. Gostaria de lembrar que, com a V República Francesa, e em sequência
dos Presidentes De Gaulle, Pompidou e Giscard d’Estaing, correspondentes a uma
linha política republicana conservadora, foi eleito Miterrand, socialista e
muito crítico do primeiro, que não substituiu ninguém da estrutura superior das
Forças armadas; só saiu o almirante Phillipe de Gaulle, filho do primeiro e a
seu pedido.
Porquê toda a urgência do nosso primeiro-ministro em
propor esta nomeação apenas um mês antes das eleições legislativas?
Tudo isto é muito
doloroso de escrever, mas seria vantajoso que deste enorme erro se tirassem
lições para o futuro. Será deste modo que os principais responsáveis deste
processo (ministro da Defesa Nacional e chefe do Estado-Maior General das
Forças Armadas) querem dirigir as FA? E julgam que são respeitados?
Seria bom não
esquecer que as pessoas vão passando, mas os seus erros ficam. O tempo é sempre
o Grande Juiz! Vamos esperar, mas os primeiros resultados estão à vista; em
pouco menos de um ano, seria impossível fazer pior.
Tenente-general
na reserva. Antigo vice-chefe do Estado-Maior do Exército. Governador de Macau
(1974-79). Antigo director do Instituto de Altos Estudos Militares e do
Instituto da Defesa Nacional
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