OPINIÃO
TAP: a grande vitória da falta de memória
Eis a grande vitória do Governo: admitir que a troika
tinha razão e que a TAP pública é inviável. Tivesse o PS percebido isso em 2015
e estaríamos 3,2 mil milhões mais ricos.
João Miguel
Tavares
30 de Dezembro de
2021, 0:40
https://www.publico.pt/2021/12/30/opiniao/opiniao/tap-vitoria-falta-memoria-1990243
Transformar a
bênção de Bruxelas à reestruturação da TAP numa grande vitória do Governo só é
possível se esquecermos tudo, mas mesmo tudo, aquilo que foi dito pelo PS e por
António Costa em 2015 e 2016, quando a privatização da companhia aérea foi
revertida. Convém recordar como as coisas se passaram.
O erro original
pertence ao Governo de Passos Coelho. A venda da TAP a David Neeleman nunca
deveria ter acontecido daquela forma. A privatização da companhia estava
prevista no memorando da troika, mas o processo arrastou-se de tal forma que,
quando o contrato foi assinado, estávamos em Novembro de 2015: o programa de
Governo da coligação PSD/CDS tinha sido chumbado no Parlamento e o Governo de
Passos Coelho encontrava-se em gestão. Mais: o negócio – a venda de 61% da TAP
ao consórcio privado – foi realizado à porta fechada, quando Passos sabia que a
esquerda se opunha e considerava a venda “inconstitucional e ilegítima”. PCP e
BE defendiam (e defendem) que a TAP deveria ser 100% estatal; António Costa
queria do lado do Estado pelo menos 51% do capital.
Costa acabou por
ficar com 50% meses depois, num negócio incompreensível, que resultou no actual
buraco. Na altura, essa reversão também foi apresentada como uma grande vitória
do PS. De vitória em vitória até à derrota final. António Costa fez voz grossa,
acusando o consórcio de ter assinado um contrato com o Estado português “numa
situação no mínimo precária” – e Neeleman e Pedrosa cederam. Cederam o quê,
exactamente? Por um lado, a gestão da TAP continuou privada, mas o Estado
passou a ter paridade no conselho de administração, o privilégio de nomear o
presidente e voto de qualidade nas decisões estratégicas. Na prática, ninguém
percebeu para que é que aquilo serviu. Em 2016, foi uma flor na lapela da
esquerda; cinco anos depois, foi uma desgraça para os contribuintes
portugueses, que ficaram com um bebé de 3,2 mil milhões de euros nos braços
quando tudo correu mal.
O meu ponto
central é este. Em 2015, António Costa foi absolutamente intransigente na
necessidade de manter pelo menos 51% da TAP sob controlo estatal. Ainda antes
de ser primeiro-ministro, Costa disse que se “disponibilizou para aceitar uma
privatização até 49 por cento”, mas que o Governo PSD/CDS recusou, e que
avançar com qualquer outro modelo contaria sempre com “a discordância do PS,
das estruturas sindicais e da generalidade dos portugueses”. Estas são palavras
de Maio de 2015. Não se percebe, muito francamente, como podem elas ser
compatíveis com aquilo que Pedro Nuno Santos defende hoje em dia, com a alegada
aquiescência do primeiro-ministro.
Ainda há uma
semana, Pedro Nuno Santos deu uma entrevista à CNN Portugal na qual disse que
Bruxelas não impõe a privatização da TAP em troca da aprovação do seu plano de
reestruturação, mas que existe, da parte do Governo, “a ideia muito clara que no
mercado global da aviação a TAP não pode sobreviver sozinha”. Donde, é
indispensável que a companhia se possa enquadrar “num grupo maior do que si
própria”. Traduzindo: a TAP está a ser reestruturada à custa do contribuinte
português para vir a ser vendida a um grande grupo estrangeiro. E a isto, que
representa tudo aquilo a que o PS se opôs em 2015 e 2016, muitos chamam “a
grande vitória de Pedro Nuno Santos e do Governo”. Eis a grande vitória:
admitir que a troika tinha razão e que a TAP pública é inviável. Tivesse o PS
percebido isso em 2015 e estaríamos 3,2 mil milhões mais ricos.
O autor é
colunista do PÚBLICO
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