OPINIÃO
A República Popular da China, que desconhecemos
O socialismo de mercado e a crise da Evergrande.
António dos
Santos Queirós
1 de Outubro de
2021, 1:11
https://www.publico.pt/2021/10/01/opiniao/opiniao/republica-popular-china-desconhecemos-1979342
A Time chamou à República Popular da China (RPCh) “hybrid
model of quasi-state capitalism and semi democratic authoritarianism”.
O Senado
americano, no âmbito do National Debate Topic High Schools, 2016-2017,
consultou centenas de estudos, ouviu dezenas de especialistas, sobre a China. O
resultado deste processo pode ser traduzido na síntese da professora Chunjuan
Nancy Wei, da Universidade de Bridgeport. “A reforma bem-sucedida da
China produziu um sistema que não é soviético, nem anglo-americano, nem o
estado de desenvolvimento da Ásia Oriental. Possui elementos de todos os três”.
E o Senado concluiu: “Government Should Substantially Increase Economic and/or
Diplomatic Engagement with PRC”.
Se a República
Popular da China (RPCh) representa uma nova experiência histórica da democracia
e do socialismo, o quadro conceptual ocidental da hermenêutica política não é o
adequado para compreender a Nova China. Os intelectuais e líderes deste país
têm vindo a elaborar tais conceitos: escolhemos um, para o aplicar à atual
situação da Evergrande: “O socialismo de mercado.”
Da Nova
Democracia ao socialismo de mercado
A criação da
Frente Única contra a agressão japonesa foi crucial para a derrota
estratégica do Japão e do nazi-fascismo na II Guerra Mundial, e conduziu à
Conferência Consultiva Política do Povo Chinês concluída em 29/9/1949 - faz
72 anos nesta sexta-feira - que congregou o Partido Comunista Chinês, os
oito partidos democráticos e delegados sem partido de todos os setores sociais
da China e das suas 56 nacionalidades. Ali foram aprovados os princípios
constitucionais da Nova Democracia, proclamada a 1 de Outubro, na Praça
Tiananmen, a Praça da Paz Celestial!
A crítica à
cultura da corte feudal e à guerra constitui uma das heranças vivas da
filosofia taoista. Conjugada com cem anos de agressões e ocupações
estrangeiras, entre os séculos XIX e XX, moldou os cinco princípios da
coexistência pacífica da política externa chinesa. Mas contribui também,
através de outro dos seus princípios, o de agir com o mínimo de interferência -
mas com vontade firme e sentido moral -, para configurar às relações de
“governance” entre o estado socialista e o mercado.
Em síntese: O
governo pretende que o mercado decida, mas não lhe concede todo o poder. O
governo assegurará a estabilidade da macroeconomia. Continuará a prestar os
serviços públicos. Defenderá a justa competência no mercado. Procederá à
supervisão do mercado. Manterá um mercado ordenado. Promoverá o desenvolvimento
sustentável. Intervirá quando o mercado falhar.
“A economia
chinesa entrou num novo estado de normal, mudando a sua engrenagem da alta
velocidade de crescimento para a velocidade média-alta... Passando do investimento
em fatores de produção para o impulso da inovação”, anunciava o presidente Xi
em 2015. O crescimento da China abaixo de dois dígitos deveria então ser
interpretado à luz deste novo paradigma.
Na altura da
crise do subprime, prestigiados jornais, como The Economist, previam que
uma bolha gigante iria abalar a economia chinesa, como nos EUA. Mas o setor
desenvolveu-se com a deslocação para as cidades de centenas de milhões de
trabalhadores das áreas rurais, que, numa primeira fase, ultrapassavam
largamente a oferta privada e pública disponíveis, alojando-se em condições
precárias. O governo chinês, através do crédito acessível aos empreendedores e
da política nacional de habitação social, equilibrou então o mercado e a oferta
superou a procura.
A segurança
social da China, universal, inclui, além dos cinco direitos comuns ao ocidente,
o direito à habitação, subsidiada solidariamente por uma percentagem de
descontos na folha salarial e outra que integra a TSU. O plano de erradicação
da pobreza, proporcionou então às empresas do setor enormes oportunidades de
mercado.
A linha abaixo da
qual é definido o estado de pobreza, usada pelo Banco Mundial. é de US $ 1,90
por dia. Mas a China exigiu a si mesma um limiar acima de US $ 2,30. Acresce
que, enquanto o padrão internacional da UNESCO, e dos países em geral, resume a
libertação da pobreza à subida do rendimento, a China acrescenta-lhe as Duas
Garantias e os Três Direitos (Garantias de alimentação e roupas adequadas e
direitos de acesso à educação obrigatória, serviços médicos básicos e casa em
bom estado).
Este esforço de
reabilitação urbanística e habitação social permitiu que empresas como a
Evergrande, no seu segmento imobiliário, apresentasse uma carteira de 214
milhões de metros quadrados de área bruta em desenvolvimento, bem como 146
projetos de reabilitação urbana, em junho de 2021.
A Evergrande
China não é uma empresa dedicada apenas à imobiliária, mas um conglomerado com
participações em empresas dos media, Internet, bancos, serviços financeiros,
água, etc, pelo que, mesmo com a crise dos seus segmentos imobiliário e
de carros elétricos, continuou a obter resultados positivos globais,
embora os lucros brutos caíssem 16,5% para 222,69 bilhões de yuans (34,45
biliões de dólares) no primeiro semestre de 2021, e diminuísse em 28,87%
o lucro líquido, para 10,5 bilhões de yuans (1,6 biliões de dólares).
Para aumentar a
liquidez, a Evergrande vendeu 10 biliões de yuans em participações, renegociou
os prazos de pagamento de dívida de algumas subsidiárias, mas continua a perder
valor bolsista, sem conseguir atrair os investidores e acionistas de que
necessita para se reorganizar.
A empresa reduziu
o nível de endividamento graças a uma campanha de vendas promocionais, servindo
de mote ao discurso do governo contra as práticas especulativas e a favor de
viragem para o programa de construção de moradias para arrendamento,
subsidiadas pelo 14.º Plano Quinquenal (2021-25), dirigidas particularmente aos
jovens.
Sem a China, o
mundo estaria em recessão
O investimento
imobiliário na China cresceu 10,9 % de janeiro a agosto de 2021, face aos 12,7
% do ano passado, como resultado das medidas do governo chinês para combater a
especulação, nomeadamente um maior rigor na atribuição de créditos e garantias
bancárias.
O FMI e o Banco
Mundial afirmam que, desde 2011, a China ultrapassou os EUA em poder de compra
comparado, PPP [paridade de poder de compra], libertando da pobreza extrema 850
milhões de cidadãos, enquanto sem o contributo do PIB da China o mundo já teria
entrado em recessão em 2016. Notícias falsas e especulativas geram
instabilidade nos mercados bolsistas e podem “virar o feitiço contra o
feiticeiro!”. Não é uma boa ideia alinhar forças para a guerra económica contra
a República Popular da China.
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