CONGRESSO DO PS
Seis
pontos para entender o congresso do PS
Rita Dinis /
3/6/2016, 15:42 / OBSERVADOR
É um congresso no
meio da história: PS reúne-se pela 1ª vez no pós-geringonça, com
críticos a terem de tirar senha para falar. Costa vai falar de
passado e futuro. Dúvida: onde ficam os seguristas?
É um “novo tempo
político”, como escreve António Costa na moção com que se
recandidatou a secretário-geral do PS. Pouco mais de seis meses
depois de o PS ter assinado o acordo parlamentar com BE, PCP e PEV
que lhe permitiu formar governo, os socialistas reúnem pela primeira
vez o órgão máximo do partido para concertar a estratégia para os
próximos anos. E as circunstâncias são muito diferentes das que
marcaram o último encontro socialista, no início de novembro de
2014: o PS está no Governo, Sócrates já não está preso e António
Costa protagonizou o acordo histórico da esquerda portuguesa.
Os trabalhos começam
esta sexta-feira ao fim do dia, e à noite António Costa fará uma
intervenção dedicada ao passado, aguardando-se críticas aos
partidos da anterior coligação governamental: PSD e CDS. Mas também
se espera que sirva para o elogio à solução de apoio ao Governo
que se seguiu: a geringonça. Na sala, nestes dia, Costa vai contar
com poucos críticos — pelo menos dos que atacam a geringonça a
viva voz — e, em princípio, só contará com um ex-líder do PS:
Ferro Rodrigues. Todos foram convidados, por carta, há mais de um
mês, diz fonte da organização do congresso. Sócrates respondeu
que não poderá estar presente por ter outros compromissos. Mário
Soares recebeu a visita de Costa, na semana passada, e também não
estará presente. António Guterres, Jorge Sampaio, Vítor Constâncio
e António José Seguro não responderam.
Mas do que serão
feitos estes dias de encontro dos socialistas?
Os críticos: tirar
senha para falar
Nas últimas semanas
posicionaram-se duas vozes críticas que prometiam querer fazer
ouvir-se no púlpito do congresso socialista. Sérgio Sousa Pinto e
Francisco Assis são críticos da atual solução governativa e
vieram inclusivamente avisar que esperavam que as suas intervenções
não fossem remetidas para horas tardias — no último congresso,
Assis abandonou a FIL zangado por considerar que o seu discurso tinha
sido empurrado para uma hora pouco mediática. Nessa altura, as
intervenções dos delegados ao congresso eram geridas conforme a
importância que tinham no partido e colocadas nas horas com maior
visibilidade, mas desta vez a organização inovou.
Vai existir um
sistema de senhas para os delegados que queiram falar no congresso. É
atribuído um número, por ordem de chegada, a quem quiser intervir
no congresso e depois, durante cada discurso, um painel gigante vai
mostrar os três oradores seguintes e o respetivo número da senha.
“Transparência”, ou “não há militantes mais importantes que
outros”, argumenta a organização do congresso que rejeita que a
mudança de regras tenha sido feita com a intenção de responder às
críticas das tais vozes críticas. Mas mantém-se o privilégio do
secretário-geral de poder convidar pessoas para falar no congresso,
fora deste sistema de senhas.
O certo é que a
inovação veio, de forma hábil, contornar polémicas sobre a gestão
do acesso ao púlpito, ou pelo menos a direção lava as mãos dessa
questão, ao passar a responsabilidade de inscrição para os
delegados, sejam eles da primeira ou da terceira linha do partido. No
final de todas as mudanças, a dúvida inicial acaba por se manter:
vão os críticos da geringonça ter a palavra a horas mediáticas?
A geringonça: uma
no cravo outra na ferradura
É o congresso da
“geringonça”. Se no último congresso do PS, também na FIL, em
Lisboa, António Costa abria a porta a este cenário do PS aliado à
esquerda — rejeitando a expressão “partidos do arco da
governação” –, agora, quase dois anos depois, dá-se a
consumação. “Quando se fizer a história desta experiência
governativa haverá também que fazer justiça à capacidade que o PS
teve, no seu último congresso, de antecipar a necessidade dessa
mudança”, escrevia Costa na moção com que se apresenta ao
congresso. O elogio ao seu filho político preferido, o acordo da
esquerda, vai ser uma constante no líder e na direção socialista.
“O PS teve à sua
esquerda três partidos que manifestaram, no rescaldo das eleições
de outubro de 2015, um enorme sentido de responsabilidade e uma
grande capacidade de separar o essencial do acessório”, continua a
ler-se na moção do líder socialista, que elogia BE, PCP e Verdes
por terem ajudado o PS a formar um governo “com solidez” e com
“um horizonte de estabilidade superior à de qualquer dos governos
minoritários” que já existiram em Portugal.
É unânime que a
chamada “geringonça” se veio a confirmar mais estável e
duradoura do que muitos antecipariam à partida. Mas os congressos
são também os momentos-chave para os partidos falarem às bases e
ao seu eleitorado, tendo por isso que se distanciar dos restantes,
sobretudo quando há uma batalha eleitoral no horizonte (já lá
vamos no ponto seguinte). É este equilíbrio que se vai assistir no
palco da FIL este fim de semana, com o líder do PS consciente de que
parte do partido e do eleitorado está apenas conformado — e não
arrebatado — com a ideia da aliança à esquerda. Também terá de
falar para estes socialistas. Começou por fazê-lo, de resto, no
texto da moção, onde a direção socialista nega que tenha havido
uma “subversão radical do sistema de governo” e onde garante que
o PS não está “refém” dos partidos à sua esquerda — nem tão
pouco “manietado” ou “paralisado”.
Explicar o porquê
de ter feito o que fez e como tenciona manter a “geringonça” em
andamento sem desvirtuar os princípios socialistas democráticos
será pois um dos desafios da direção do PS no congresso deste fim
de semana. Bloco e PCP também terão oportunidade de o fazer. No
final de junho o Bloco de Esquerda reúne-se a convenção nacional e
em dezembro é a vez do PCP de reunir o seu congresso.
As autárquicas:
mini-geringonças locais?
2017 é ano de
eleições autárquicas e, como tal, é um tema incontornável neste
congresso. E um tema sensível. O objetivo do PS para as autárquicas
não podia ser outro: “renovar a maioria nos municípios e nas
juntas de freguesia” para manter a presidência da Associação
Nacional de Municípios (ANMP) e da Associação Nacional de
Freguesias (ANAFRE) e “consolidar” dessa maneira aquilo que o
partido conseguiu em 2013 — mas a fasquia é alta, porque esse ano
o PS conseguiu o seu melhor número de câmaras de sempre: 150. Agora
os tempos são outros e, numa altura em que PS e PCP (partido com
forte presença autárquica) têm uma aliança nacional, o que vai
acontecer ao nível local: poderá haver acordos também?
Costa já deixou
claro no texto da moção que está aberto a “plataformas de
diálogo com outras forças políticas, cidadãos independentes e
movimentos de cidadãos visando a procura das soluções de
governação local que melhor sirvam as populações”. Esta semana
o jornal Público escrevia que PS e PCP tinham estabelecido uma
espécie de “pacto de não-agressão” para as autárquicas,
informação que foi depois desmentida pela secretária-geral-adjunta
Ana Catarina Mendes, que afirmou em entrevista à Antena 1 que “não
há nenhum pacto de não-agressão com PCP nas eleições
autárquicas”, nem qualquer hipótese criar coligações
pré-eleitorais com o PCP ou Bloco de Esquerda. Em entrevista ao
Observador, Augusto Santos Silva avisa que o PS “não deve esquecer
na campanha que tem um acordo com PCP e BE”, dizendo que as
coligações de esquerda a nível local dependem “caso a acaso” e
da o exemplo de Braga como uma autarquia onde podia existir esse
encontro. Mas o ministro e dirigente socialista também diz que do
resultado dessas eleições não deve haver uma leitura nacional. O
presidente do partido, Carlos César, também já afastou esta
possibilidade.
Certo é que as
eleições autárquicas, tanto à esquerda como à direita, estão a
ser vistas como um momento importante de teste ao novo quadro
político. Em declarações ao Observador, o Presidente da República
disse na semana passada que não achava que o Governo fosse “cair”
por causa das autárquicas, e que tanto Costa como Passos Coelho eram
“duros e resistentes”, logo, inquebráveis nas eleições
intercalares. Mas o tema é, no mínimo sensível, já que as
eleições autárquicas são aquelas que mais mexem com as bases e
com a estrutura dos partidos. E não vai, por isso, passar em branco
no congresso.
A Europa: criticar
mas com cabeça
A sombra da Europa é
vista como um dos obstáculos à sobrevivência do Governo, já que
BE e PCP são assumidamente contra os compromissos internacionais e o
Tratado Orçamental. Neste capítulo, o PS puxa os galões de ser
historicamente “o partido mais europeísta” do espetro partidário
e é por isso que a gestão do dossiê tem de ser feita com pinças.
Na moção com que se apresenta ao congresso, o líder do PS puxa a
brasa à sua sardinha e garante que o Executivo “rompeu com a
atitude subserviente do Governo anterior e tem-se batido, por vezes
em condições muito difíceis, pela defesa dos interesses de
Portugal em Bruxelas”. Não é uma “atitude de confronto com as
instituições europeias” — para se distinguir dos gregos –,
mas sim uma escolha entre a “obediência e a subserviência”.
Há muito que o PS
de António Costa pede uma “leitura inteligente” do tratado
orçamental e diz que sem mudanças na Europa não haverá mudança
de políticas em Portugal. É o “novo impulso para a convergência”,
como lhe chama. PCP e BE têm visto com bons olhos a atitude do
Governo de estar a fazer o caminho para a “revisão” de alguns
conceitos do tratado orçamental, mas dizem que não chega. “Os
conceitos decisivos de ‘crescimento potencial’ e de ‘défice
estrutural’ são apenas exemplos de matérias que exigem revisão”,
escreveu o líder socialista no texto da moção.
A pairar no
congresso socialista estará ainda a questão da aplicação ou não
de sanções a Portugal e Espanha pelo não cumprimento da meta do
défice em 2015. Esta semana vários dirigentes do PS fizeram
intervenções, à boleia de um pedido de consensos do Presidente da
Assembleia da República, no sentido de procurar um entendimento
alargado contra as sanções — mas esse entendimento, apesar de
Passos Coelho e Maria Luís Albuquerque até já terem feito lóbi
junto da Comissão para Portugal não ser castigado, está longe de
acontecer.
Eutanásia, drogas
leves e prostituição: discutir, mas pouco
Despenalização da
eutanásia, despenalização da produção, venda e consumo de drogas
leves e regulamentação da prostituição como profissão legal:
entre as 10 moções setoriais que vão ser apresentadas ao congresso
do PS, três são sobre temas fraturantes.
De acordo com os
tempos estabelecidos para o conclave, as dez moções terão de ser
arrumadas em apenas 45 minutos do último dia de trabalhos. Ou seja,
só haverá tempo para serem apresentadas, mas não para serem
discutidas, nem tão pouco votadas. Essa discussão e votação será
feita depois na Comissão Nacional do partido, órgão máximo entre
congressos. Só nessa altura o PS poderá vincar uma posição sobre
estes temas.
Também há um
espaço previsto para a discussão de alterações aos estatutos do
partido (Costa não faz qualquer proposta para mexer nas regras de
funcionamento interno, ao contrário do que aconteceu no último
congresso), mas as decisões serão remetidas para a próxima reunião
da Comissão Nacional do partido.
Seguristas: à beira
da extinção?
Vem no final, mas na
verdade é um dos pontos centrais na cabeça dos delegados ao
congresso. Como fica a distribuição de lugares nos órgãos de
direção? No domingo de manhã votam-se as listas aos órgãos
nacionais, onde o debate e a decisão política vai ter lugar nos
dois próximos anos. É sempre um momento e gestão de
sensibilidades, para quem faz a lista melhor colocada para vencer.
Neste congresso, a disputa é feita entre a lista à Comissão
Nacional (o órgão máximo do partido entre congressos) de António
Costa e a do único concorrente à liderança do partido, Daniel
Adrião. Portanto, a pressão para integrar críticos recai sobre o
líder. Os que eram mais próximos do anterior secretário-geral,
António José Seguro, a alimentam a expectativa de ver representada
nos órgãos a minoria que representam no PS.
Este segurismo já
não tem António José Seguro, que tem estado afastado da atividade
política desde a disputa intensa (que perdeu) contra António Costa,
em 2014. Nessa altura deixou o cargo de secretário-geral e, no PS,
deixou alguns dos seus mais próximos, caso de Álvaro Beleza (que
vai estar no congresso) e de António Galamba (que não vai estar),
um dos críticos mais ferozes de António Costa. A crítica tem-se
mantido, mas não foi suficiente para obstaculizar a solução
governativa com que esta ala não concordava, tendo até pedido a
cabeça de Costa no pós-eleições. Tem representação no grupo
parlamentar, mas não está alinhada como um bloco de oposição
interna, o que se percebeu logo no arranque da sessão legislativa,
quando não se opôs à indicação de Ferro Rodrigues para a
presidência da Assembleia da República.
Maria de Belém, a
candidata presidencial que a ala segurista preferiu nas últimas
eleições, vai ter um lugar na comissão de honra deste congresso,
bem como Manuel Alegre, de acordo com o que foi divulgado pela
agência Lusa. Na presidência vai manter-se Carlos César, o único
candidato ao cargo, sendo eleito já nesta sexta-feira.
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