Palácio Marim
Olhão. Câmara de Lisboa indemniza inquilino, mas admite que é
demais
João Pedro Pincha /
9/6/2016, OBSERVADOR
A indemnização de
329 mil euros foi definida há vários anos e a câmara de Lisboa diz
que a lei "apontaria para valores muito abaixo" disso.
Ainda assim, vai pagar. CDS fala de "gestão danosa".
A Câmara Municipal
de Lisboa vai pagar uma indemnização de 329 mil euros ao Sindicato
dos Trabalhadores de Transportes Rodoviários e Urbanos de Portugal
(STRUP) para acabar com o contrato de arrendamento que esta entidade
tem no Palácio Marim Olhão, na Calçada do Combro. A originalidade
da proposta, que vai ser discutida para a semana em reunião, é que
a própria autarquia considera esse valor excessivo — mas
mantém-no, em nome de negociações feitas há anos com o STRUP e
que nunca foram passadas a escrito.
O destino do Palácio
Marim Olhão há muito que está traçado. A câmara, proprietária
do edifício, quer vendê-lo. A sua localização no centro da
cidade, a dois passos do Chiado e de Santos, torna-o apetecível a
investidores e grupos hoteleiros. Antes da venda, porém, há um
assunto que a câmara tem de tratar: os inquilinos.
O STRUP ocupa o
segundo andar do palácio desde março de 1937. A câmara é dona do
edifício desde 1966. “A 31 de julho de 1998 [durante o mandato de
João Soares] foi acordada a saída temporária do STRUP” daquele
local, lê-se na proposta a que o Observador teve acesso e que é
assinada pelo vereador do Património e Urbanismo, Manuel Salgado. A
ideia era que o palácio tivesse obras e, mais tarde, o sindicato
regressasse. Nesse primeiro acordo, ficou estabelecido que o STRUP
receberia 599 euros mensalmente até poder voltar ao palácio. Ora,
“as obras, que deveriam durar dois anos, nunca foram realizadas,
mantendo-se o STRUP a receber a compensação mensal” até 2013.
Nesse momento, a câmara deixou de pagar o subsídio e, uma vez que a
intenção já não era fazer obras mas sim vender o edifício,
propôs ao sindicato o fim do contrato de arrendamento. Desde 1998
que o STRUP já não está na Calçada do Combro, à espera das obras
que nunca saíram do papel.
O fim do contrato
foi proposto apenas em 2013, mas o valor da indemnização foi
estabelecido com base num despacho de 2011 da então vereadora das
Finanças, Maria João Mendes. O critério para o valor definido —
328.946 euros — foi a “avaliação patrimonial do imóvel pela
Autoridade Tributária”. Segundo um parecer do atual diretor
municipal de Gestão Patrimonial, esse valor foi discutido oralmente
com o sindicato, que não aceitou.
Existem informações
no processo apresentando o valor que agora se retoma, o STRUP refere
que tal lhe foi referido em reuniões de negociação, mas não
existe nenhuma comunicação formal do município ao STRUP nesse
sentido”, lê-se no parecer.
Depois de 16 anos
deste impasse, o STRUP contactou a câmara para que finalmente se
chegasse a um desfecho, desta vez já concordando com a indemnização
de 329 mil euros.
Na proposta que vai
levar à reunião da próxima semana, Manuel Salgado dá a entender
que não concorda com o facto de a câmara ter pago um subsídio de
realojamento ao STRUP durante 16 anos, que perfez um total de cerca
de 100 mil euros. O vereador refere que “o que estaria em causa,
pelo menos em termos estritamente jurídicos, seria a caducidade do
contrato de arrendamento por perda do locado ou, quanto muito, o
pagamento de uma indemnização por cessação daquele contrato”.
E na alínea
seguinte escreve mesmo que “a verdade é que o critério da lei
apontaria para valores muito abaixo dos referidos” 329 mil euros,
mas que “este montante veio a ser fixado por critérios
legitimamente estabelecidos que mereceram a concordância da então
vereadora do pelouro”. O respeito por “anteriores compromissos”
também é invocado pelo diretor municipal de Gestão Patrimonial,
embora o parecer seja claro sobre estes não serem “os moldes mais
vantajosos para o município”.
Manuel Salgado usa
ainda um outro argumento para manter o valor da indemnização:
Apesar de se
entender que a não-aceitação da proposta de compensação
pecuniária pelo STRUP, naquela altura, desvincula o município de a
manter na presente data, fica sempre a questão ética e o facto de
aquela recusa ter ocorrido num contexto em que ainda se admitiria um
regresso ao locado no Palácio Marim Olhão”.
CDS fala em “gestão
danosa”
“É notável,
nunca tinha visto nada igual”. O vereador do CDS na câmara de
Lisboa critica todo este processo e diz que vai votar contra o
pagamento de uma indemnização que considera excessiva. “O
sindicato está a defender um interesse absolutamente legítimo, a
câmara é que devia defender melhor o seu interesse”, afirma João
Gonçalves Pereira, que não hesita em classificar a proposta como
“gestão danosa”.
“Então e as
condições de mercado? E a lei?”, questiona o centrista, que
considera que deveria haver uma nova negociação com o sindicato,
uma vez que já se passaram vários anos desde que se estabeleceu o
valor da indemnização. “Isto é uma péssima gestão dos
dinheiros públicos”, afirma Gonçalves Pereira, que vai estudar
“mecanismos para travar esta gestão danosa”.
O Observador tentou
obter esclarecimentos do STRUP, mas o coordenador da estrutura não
se mostrou disponível para falar. Já Manuel Salgado está em viagem
ao estrangeiro, pelo que não foi possível contactá-lo.
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