EDITORIAL
O
luto de Portas
DIRECÇÃO EDITORIAL
09/06/2016 – PÚBLICO
O
ex-vice-primeiro-ministro tornou-se consultor da Mota-Engil. Um
período de "luto" tão curto contraria o bom senso e as
boas práticas
É não só natural
como inevitável que as mais pujantes empresas portuguesas integrem,
repetidamente, as comitivas oficiais de Portugal ao estrangeiro.
Desde sempre que os chefes de Governo e os Presidentes se fazem
acompanhar por delegações de empresas e universidades de modo a
promover negócios, parcerias e projectos a longo prazo.
Um de muitos
exemplos: nos últimos quatro anos, a Mota-Engil integrou seis
missões lideradas por Paulo Portas a cinco países da América
Latina. Nada de extraordinário, pelo contrário. Não faria sentido
um governo convidar empresas de vão de escada. Todos ganham com
estas “embaixadas de negócios”: as empresas, que aumentam as
hipóteses de exportação; e os governos, que aumentam as hipóteses
de melhorar a economia.
O que levanta
dúvidas não é a Mota-Engil acompanhar Portas à América Latina. O
que levanta dúvidas é Portas ser hoje consultor da Mota-Engil para
a América Latina, apenas seis meses depois de ter deixado um cargo
público com tanto poder (no sentido das decisões e da informação
sigilosa que acumulou) e influência (no sentido da rede de
contactos).
Este não é um
debate legal, nem ideológico, mas sobre ética e transparência. As
boas práticas internacionais apontam para períodos de 12 a 18 meses
de cooling-off – ou luto – para os políticos que saem do público
e vão para o privado e vice-versa (o chamado “revolving door”).
É consensual que este vaivém entre público e privado pode gerar
conflitos de interesse e aumenta o risco de corrupção.
Este "trânsito"
não é necessariamente negativo. O saber, a qualidade da informação
e os contactos de um ex-governante são ouro para uma empresa privada
e podem trazer inovação e perspectivas diferentes para o “outro
lado”, um ou outro. Mas estes intervalos forçados existem e são
até cada vez mais longos – no Canadá chegam a ser de cinco anos
para os ministros – porque a prática mostra que são necessários.
Ou seja, quanto mais directa é a passagem pela “porta giratória”
mais provável é o ex-governante conseguir influenciar o processo de
decisão em benefício do novo patrão privado, prejudicando o
interesse público. Não acontece sempre. Mas acontece vezes
suficientes para ser bom "arrefecer" a cadeira.
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