Lisboa
debate turismo entre a "oportunidade" e a "catástrofe"
TERESA SERAFIM
07/06/2016 – PÚBLICO
Debate
na Trienal de Arquitectura lançou algumas propostas para lidar com a
pressão do turismo na capital como o aumento do IMI do alojamento
local e o aumento da circulação de eléctricos.
As cadeiras
distribuídas pelo pátio exterior da Trienal de Arquitectura não
foram suficientes para as 450 pessoas que, segundo a organização,
entraram no espaço durante as duas horas e meia de debate. Quem vai
poder morar em Lisboa? foi a conversa organizada por um grupo
informal de habitantes de Lisboa, com o objectivo de perceber a
alteração da dinâmica da cidade e o aumento do preço da habitação
provocada pelo boom do turismo na capital.
”Este é um debate
sobre possíveis soluções”, anunciava Joana Braga, organizadora
no arranque da conversa. Remetendo para a projecção internacional
de Lisboa, esta moradora anunciava a profunda alteração no acesso à
habitação na cidade, enfatizando em particular o crescimento do
alojamento local (arrendamento de curta duração). Leonor Duarte,
também membro da organização, ia mais longe: “É preciso
apresentar propostas concretas”.
Orador convidado,
João Seixas informou que, nos cinco minutos disponíveis para falar,
iria “colocar o Rossio na rua da Betesga, como diria um bom
lisboeta". O geógrafo salientou que o que se está a passar em
Lisboa “é mais do que uma questão turística, são alterações
na vida partilhada”, e que é necessária uma forma mais intensa de
civismo. Deu como exemplo a controversa plataforma Airbnb. “A
questão não está nas plataformas, está em como se utilizam”.
Para se ter uma
ideia da dimensão deste sector de actividade, no último snapshot
feito pela aplicação Inside Airbnb, no dia 1 de Junho, existiam 11
mil alojamentos locais só no município de Lisboa (Catarina Botelho,
outra das organizadoras, disse que apenas 7500 estão disponíveis em
anúncios de arrendamento). Também durante esta semana a Associação
dos Profissionais e Empresas de Mediação Imobiliária de Portugal
(APEMIP) divulgou que a oferta de casas na capital caiu 33%.
João Seixas
argumentou que algo a fazer é separar a habitação permanente da
habitação de curta duração e criar mecanismos de regulamentação
para as práticas de alojamento local. Depois, acrescentou, há que
terminar com a visão redutora do monofuncionalismo, em que a
construção é sempre a protagonista. O geógrafo vê com bons olhos
a criação de mercados de preços protegidos e de fóruns e
assembleias permanentes entre habitantes da cidade e o poder
político.
O aumento do IMI
como solução
O arquitecto Manuel
Graça Dias mostrou-se de acordo com as medidas apresentadas pelos
organizadores. Contudo, levantou questões relativamente à limitação
do acesso ao estatuto de residentes em áreas específicas. Os
organizadores propõem que a habitação desses residentes seja feita
em zonas interiores ou despovoadas. “Não concordo que se enviem os
vistos gold para Beja”, ironizou, provocando risos na plateia.
“Lisboa precisa de gente e de turismo”. O arquitecto sugeriu o
aumento de eléctricos a circular na cidade, assim como cartões para
moradores e turistas (mais caros). Manuel Graça Dias destacou ainda
o aumento "expressivo" do IMI sobre o alojamento local.
Foi também esse um
dos pontos referidos por Pedro Bingre. “Portugal tem um IMI
irrisório e um IRS, IRC e IVA exorbitantes”. Para o professor da
Universidade de Coimbra, o IMI deveria ser ajustado para evitar a
proliferação de alojamentos locais. Numa exposição que se focou
num “aspecto que não se vê, o financeiro”, Pedro Bingre referiu
que faria todo o sentido que edifícios inteiros destinados ao
alojamento local fossem ilegais. O referendo local foi outra das
medidas propostas. “É uma figura que não é muito usada e poderia
ser um mecanismo de cidadania para os habitantes”, afirmou.
José Manuel
Henriques destacou que este não é um fenómeno novo e Lisboa não
está a perder população apenas nestes últimos anos. Segundo dados
da Pordata, se existiam 802.230 habitantes em 1960, nos últimos
censos reduziram para 513.064. Para o académico, a novidade são os
tempos imprevisíveis ocasionados pela crise económica numa bolha
que rebentou em 2007, com a crise do imobiliário. José Manuel
Henriques salientou que esta situação deixa os residentes
fragilizados. “Se nos tornarmos vulneráveis ao turismo, não
ficamos isentos a que a galinha dos ovos de ouro se vá embora”.
Na plateia, as
participações juntaram mais de dez vozes diferentes. “Porque não
a criação de uma entidade mediadora entre proprietário e
inquilino?”, sugeriu o alfacinha Manuel Lopes. Também no público,
o comentador Daniel Oliveira confessou-se um beneficiário e vítima
do processo, afirmando-se arrendador e arrendatário. Oliveira
alertou para pontos-chave da situação: os voos low cost e a
democratização do turismo. “O turismo trouxe dinheiro que entra
na vida das pessoas”, salientou, contextualizando que o momento
vivido se deu numa “brutal” crise económica.
Num final assinalado
pelo preenchimento de um cartaz gigante com uma tabela com dados, o
que fazer e medidas retidas durante o debate, Catarina Botellho
declarou ao PÚBLICO: “Ainda não está definido o que vai ser, mas
vamos tornar estas medidas num documento público”. Num debate onde
moradores que fazem alojamento local estiveram presentes, a
organizadora afirmou que “é preciso ouvir todos os interesses,
desde proprietários, moradores e arrendatários”.
Catarina Botellho
não quis deixar de salientar que a organização do debate não tem
nada contra o turismo, mas as pessoas têm de ter direito à
habitação. “Tem de se regulamentar o sector em benefício dos
habitantes, tal e qual como outra actividade”. Ainda sem novas
datas de debate, Catarina Botelho revela que esta era uma forma de
perceber o interesse que havia no tema. “A adesão não nos
surpreendeu. Os moradores estão fartos e cansados, mas preparados
para agir”.
Outro dos
organizadores, Luís Mendes, investigador do Instituto de Geografia e
Ordenamento do Território (IGOT), falou dos efeitos da gentrificação
no turismo e disse que os poderes central e local deveriam ter um
papel regulador mais eficaz. "Temos de descontruir a dicotomia
entre o turismo de catástrofe e de oportunidade", disse,
apelando a um trabalho em rede que inclua moradores, associações e
colectividades dos bairros.
Texto editado por
Hugo Torres
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