Aumentar
o IMI para as casas vazias e de Airbnb pode trazer mais gente para
Lisboa?
POR O CORVO • 7
JUNHO, 2016 •
A nova lei das
rendas, o alojamento turístico, os vistos gold, o crescimento dos
hotéis e hostels serão, de acordo com um grupo activistas urbanos,
os principais culpados da crise habitacional na capital portuguesa.
Faltam casas para a classe média em Lisboa e as que existem são
cada vez mais caras. Mas, afinal, o turismo e o investimento
estrangeiro no imobiliário são maus? Não, mas precisam de ser
regulados através de uma fiscalidade mais inteligente, defendeu-se
num debate realizado no Palácio Sinel de Cordes e organizado pela
Trienal de Arquitectura de Lisboa. Preparem-se porque “isto veio
para ficar”, ouviu-se.
Texto: Samuel Alemão
O debate apoiava-se
num diagnóstico nada animador, elaborado através do levantamento
das dificuldades sentidas pela generalidade das pessoas para
conseguir habitação digna na capital portuguesa, consequência do
enorme aumento das rendas e da escassez de oferta. E tinha como ponto
de partida uma pergunta – “Quem vai poder morar em Lisboa?” –
que antecedia um enunciado: “Da gentrificação e do turismo à
subida no preço da habitação: causas, consequências e propostas”.
A discussão
intensa, ocorrida entre o final de tarde e o princípio da noite
desta segunda-feira (6 de junho), no Palácio Sinel de Cordes, no
Campo de Santa Clara, em São Vicente, apenas adensou a sensação de
que este é um problema muito complexo. E que, por isso, exige uma
respostas a vários níveis. O ar tépido a prenunciar o verão foi
ambiente fértil para a troca de ideias, com a certeza de que existe
um grande descontentamento.
Da riqueza de
opiniões e contributos para a análise da actual crise habitacional
na maior cidade do país, no debate promovido Trienal de Arquitectura
de Lisboa, emergiu, contudo, uma quase certeza. É possível fazer
com que as muitas casas particulares que estão agora alocadas ao
aluguer de curta duração a turistas, ou mesmo as que estão
carentes de ocupação, sejam recolocadas no mercado habitacional de
longa duração através de uma agressiva política fiscal.
Ouviu-se, por
diversas vezes, durante a discussão que reuniu mais de quatro
centenas de pessoas no pátio do palácio situado junto ao sítio
onde se realiza a Feira da Ladra, que o Estado pode e deve aumentar o
Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) dessas casas. O que teria um
efeito benéfico na oferta de casas para habitação permanente.
A ideia foi lançada
por Pedro Bingre, investigador e docente no Instituto Politécnico de
Coimbra, especializado em Ambiente, Planeamento Regional e Urbano e
Políticas de Solos – e vereador naquela cidade, eleito pelo Livre
-, depois de fazer uma meticulosa análise das origens e implicações
financeiras e sociais da actual crise habitacional lisboeta.
“Portugal tem um
IMI irrisório, quando comparado com os outros países. Estamos a
falar de uma taxa de 0,35%, quando em muitos países ronda os 2%. Mas
tem um IRS e um IRC exorbitantes”, assinalou, antes de avançar com
a sugestão de que se deveria penalizar fiscalmente quem tem prédios
sem moradores. “Tem de ser demasiado caro manter o imóvel vazio”,
defendeu.
O investigador, que
reconheceu as enormes resistências culturais existentes na sociedade
portuguesa para se mexer nos impostos de propriedade – “para a
maioria das pessoas, o aumento do IMI é uma espécie de expropriação
virtual” –, foi especialmente crítico para com a política dos
“vistos dourados” e de atribuição de benefícios fiscais aos
estrangeiros que compram casa em território nacional.
“Tenho muitas
dúvidas sobre a constitucionalidade desses benefícios”, disse,
depois de reconhecer que o crescimento exponencial do alojamento
turístico e a sua influência no mercado imobiliário não podem ser
lidos a uma só luz, pois “há uma imensidão de pequenos
investidores que estão daí a tirar rendimentos”.
Existe muita gente
a ganhar dinheiro com o alojamento turístico. Mais que isso, existe
muita gente para quem esta tem sido uma forma decisiva de aumentar os
seus rendimentos ou até mesmo a única maneira de dar resposta à
falta de trabalho. Acabar de forma brusca com tal fonte de receita
familiar seria algo pouco sensato, alertou-se.
Esta ideia foi
frisada por diversas pessoas, entre elas o jornalista Daniel
Oliveira, que exprimiu a sua opinião no período aberto à discussão
com os espectadores do debate – o qual teve comunicações dos
investigadores João Seixas, Pedro Bingre e José Manuel Henriques,
do arquitecto Manuel Graça Dias e da jornalista Joana Gorjão
Henriques, para além da leitura das principais conclusões do
documento que serviu de mote à discussão, lidas pelos seus autores,
os activistas do Observatório das Transformações XXXX da Cidade de
Lisboa.
“Todas as
monoculturas são más, a bolha turística pode rebentar. Mas esta
bolha permitiu a muita gente ter um pé-de-meia, trouxe dinheiro que
entrou na vida das pessoas”, disse Daniel Oliveira, que se assumiu
como arrendatário e proprietário de imóveis. Oliveira acha que “a
situação vai piorar”, muito por culpa da “democratização do
turismo”. Por isso, propõe o aumento do IMI para as casas vazias,
que, diz, “iria trazer imensas casas para o mercado”.
Já antes, Manuel
Graça Dias havia defendido uma política de “discriminação
positiva”, assente no princípio de “redução do IMI para os
imóveis destinados a habitação e no seu aumento para as casas que
sirvam para aluguer de curta duração”. O arquitecto advogou que
uma maior carga fiscal sobre o turismo “seria mais rentável para o
Estado”, mas recusou a ideia de que se tenha de “afugentar” os
investidores estrangeiros e as hordas de turistas. “Lisboa precisa
de gente e de turismo”.
Numa discussão em
que se foram ouvindo fortes críticas à prevalecente “monocultura
turística”, alguns assinalaram o quão difícil é encontrar
respostas “totais” para o problema da falta de habitação e, por
isso, pouco sensato tomar medidas radicais. Até porque há vários
interesses em jogo e a fragilidade da nossa economia e a
imprevisibilidade da conjuntura aconselham cautela. Razões a
determinarem que o papel vital na mudança caiba, sobretudo, ao poder
público. Como regulador, como cobrador de impostos.
“Há que separar
muito bem a habitação permanente da habitação de curta duração.
Porque o turismo vai continuar”, salientou o investigador João
Seixas, que deixou a ideia de que “não vale a pena estar a culpar
a tecnologia e estas novas plataformas digitais que permitem às
pessoas encontrar alojamento”.
De acordo com dados
por si avançados, a cidade de Lisboa oferece, neste momento, cerca
de 11 mil alojamentos em casas particulares registadas no portal
Airbnb. “A questão é saber como se gere isto tudo, que está a
danificar a vida quotidiana de Lisboa, e não apenas no centro”.
Houve, porém, quem
criticasse as críticas feitas à predominância do turismo e às
leis das rendas e do alojamento local aprovadas pelo anterior
governo. “Critica-se a Lei das Rendas, como se fosse a razão de
todos os males, mas as pessoas esquecem-se que, antes, havia prédios
a cair em Lisboa, todas as semanas. A cidade tinha perdido
meio-milhão de habitantes e não existia um mercado de
arrendamento”, disse Rui Coelho, cidadão que interveio em
contracorrente ao consenso que se começava a desenhar.
Também Joana
Gorjão Henriques fez notar que “é muito fácil entrar na
turistofobia”, fenómeno que, diz, “tem grandes semelhanças com
o discurso contra os imigrantes”. A jornalista fez igualmente
referência ao facto de o aluguer de casas familiares aos turistas
ser uma “resposta à precariedade” para muita gente, embora os
investimentos imobiliários realizados, nos últimos anos, deixem
antever uma clara dinâmica de “elitização da cidade”.
Cada vez mais, são
os ricos e os muito ricos quem compra os imóveis disponíveis, para
os converter em alojamento turístico ou, simplesmente, deles tirar
rendimento especulativo, concordaram todos.
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