sexta-feira, 20 de setembro de 2013

Passos Coelho "tornou impossível uma aliança do Sul" face à Alemanha


Passos Coelho "tornou impossível uma aliança do Sul" face à Alemanha


Jorgo Chatzimarkakis Portugal e Grécia têm de ter perdão de 50% dos empréstimos da zona euro, defende o eurodeputado alemão do partido liberal
Nasceu, viveu toda a vida na Alemanha e fez quase toda a sua vida profissional no Partido Liberal alemão, que faz parte da coligação governamental de Angela Merkel. Mas é hoje um dos seus principais críticos por causa da gestão da crise do euro: Jorgo Chatzimarkakis, de origem grega, acredita que, depois das eleições de domingo, Merkel poderá suavizar as condições da ajuda externa, se Portugal e os outros países do Sul se juntarem para a pressionar. Em ruptura com os liberais, Chatzimarkakis abandonou a vida política na Alemanha e candidata-se às próximas eleições europeias de 2014 na Grécia.

Têm fundamento as expectativas europeias de que após as eleições de domingo a Alemanha mudará de política na gestão da crise do euro?
Absolutamente, porque os esforços para melhorar a política de salvamento do euro quase pararam nos últimos seis meses devido às eleições. As expectativas são muito altas, sobretudo na Grécia, onde a austeridade é particularmente dura.

Como é que Angela Merkel poderá mudar de política?
Depende do resultado [das eleições]. Há três cenários possíveis. O primeiro é a continuação da actual coligação, embora com menos peso para os liberais. Merkel sairá reforçada e com maior capacidade para impor o seu ponto de vista, que é menos austeridade do que os Liberais (FDP) queriam. Foi o FDP que carregou na austeridade, não Merkel. Depois das eleições ela sabe que terá de retomar o salvamento do euro e que tem poucos meses para resolver algumas coisas: o que fazer da dívida [de Portugal e Grécia], que tipo de união orçamental quer, essas coisas. Teremos mudanças, talvez não muito radicais, mas haverá uma pressão global, da China, EUA e dos outros europeus. O segundo cenário, que é o mais provável, é que os sociais-democratas (SPD) entrem numa grande coligação com os conservadores (CDU de Merkel), assumindo uma política no bom sentido. Só que o ímpeto desta grande coligação tenderá a ser travado, e é o terceiro cenário, se o novo partido [eurocéptico] Alternativa para a Alemanha (AfD) entrar no Parlamento.

Como assim, com a confortável maioria que terá uma grande coligação?
Por causa do poder simbólico de um novo partido: quando os Verdes entraram no Parlamento, todos os outros "se esverdearam". Este novo partido vai travar as soluções de socorro do euro de que não gostar. E será levado a sério, porque não é um partido radical e idiota de direita, é sobretudo um partido de velhos professores alemães que sabem do que falam. Mas mesmo que travem, a direcção assumida por uma grande coligação será no bom sentido, incluindo, e isso são boas notícias para Portugal e outros países do Sul, a criação de um orçamento para a zona euro.

De verdade?
Sim, porque numa união orçamental é preciso uma melhor coordenação das políticas de crescimento económico e uma abordagem equilibrada do investimento. É preciso investimento [nos países do Sul] vindo dos países ricos, que ganharam com a crise. Os alemães ganharam 114 mil milhões de euros com a crise do Sul por causa da redução das taxas de juro sobre a sua dívida pública. É imenso! Nenhum político na Alemanha diz que temos de ajudar Portugal e Grécia porque ganhámos esse dinheiro à sua custa.

Mas a Alemanha tem sido muito cautelosa sobre a ideia de um orçamento da zona euro...
Por causa das eleições. Em Dezembro de 2012, Merkel defendeu-o aqui junto de eurodeputados alemães, e falou de mais de 3% do PIB da zona euro. Quando regressou a Berlim, as pessoas à sua volta disseram para não o fazer, porque perderia as eleições se não mantivesse uma linha clara sobre o euro.
Com o SPD Merkel poderá sentir-se confortável para mudar rapidamente de rumo?
Confortável, sim, mas o problema com Merkel é que ela precisa de pressão. Ela mudou radicalmente de posição sobre a Grécia depois de visitar a China em Junho de 2012. O primeiro-ministr, Wen Jiabao, disse-lhe: "Parem de falar da saída da Grécia do euro. Investimos no porto de Atenas, comprámos dívida grega, tentámos ajudar-vos a estabilizar o euro e, se não nos ajudarem agora, perderemos muito dinheiro e vocês alemães serão prejudicados." Merkel regressou a Berlim e começou a falar da Grécia de forma positiva e conseguiu tirar as coisas negativas da agenda. Sem a pressão chinesa não teria havido mudança sobre a Grécia.

Se, ao invés, a actual maioria for renovada, os liberais serão um obstáculo a esta mudança de política?
Sim. Mesmo diminuídos e com menor influência, dirão não, sob pena de saírem da coligação.
Se Merkel só muda sob pressão, quer dizer que não sabe o que fazer para salvar a zona euro?
Pois. Toda a gente a respeita pensando que ela tem um plano, mas não tem. Não tem, e di-lo. Merkel só percebe pressão e acontecimentos, como aconteceu com o abandono súbito da energia nuclear depois [do desastre] de Fukushima. Mas se não há um acontecimento, se os portugueses, os gregos e os outros países do Sul não disserem nada, não acontecerá nada. Tenho criticado [o primeiro-ministro grego, Antonis] Samaras, por aceitar tudo o que os alemães impõem. Posso perceber que ele espere pelas eleições, mas se a partir da próxima semana continuar a ser o caniche de Merkel, estará a ir contra o interesse do seu país.

Talvez se sinta fragilizado por precisar de mais dinheiro da zona euro...
Não o diria. Ninguém testou o que aconteceria se Samaras dissesse: "Se não nos derem dinheiro, não dêem, adeus, mas então a bagunça na zona euro é o vosso problema." É preciso ter coragem para o dizer. Não estamos numa situação em que só os alemães têm algo a dizer. É absolutamente crucial que haja uma pressão sobre Merkel também dos países do Sul.

Que tipo de pressão?
Além de um orçamento para a zona euro e um novo plano Marshall, terá de haver uma pressão clara para a obtenção de condições mais suaves para o reembolso dos empréstimos a Portugal e Grécia. Depois da Segunda Guerra Mundial, a Alemanha teve um abatimento (haircut) de 50% da sua dívida. Tenho a certeza de que haverá um haircut para a Grécia e também para Portugal sobre os empréstimos oficiais da zona euro.

Merkel e a Alemanha estão prontas para isso?
Se o primeiro-ministro português se decidir finalmente a pôr os 114 mil milhões de euros na mesa do Conselho Europeu e disser: "Pensam que este dinheiro é vosso? Não é, porque sem o euro e sem a má imagem do meu país, vocês não teriam esta boa imagem" para atrair investidores." Idem para a Grécia. Por essa razão, estes países têm de pedir um haircut explicando que a Alemanha não perderá, porque já ganhou 114 mil milhões.
A Alemanha também teve um prazo de reembolso de 50 anos da sua dívida, acabou de a pagar em Outubro de 2010. Se Portugal tiver um período tão longo de reembolso, será facilmente aceite como um parceiro fiável nos mercados financeiros, e a Grécia também.

O Governo português procurou sempre distanciar-se da Grécia, dizendo que os dois países são diferentes...
Bom, todos os países são completamente diferentes, nisso ele tem razão. Só que ao dizê-lo, o primeiro ministro português tornou impossível uma aliança do Sul. E isso fragiliza-o. Merkel só reage, se os países se aliarem. A Itália e a França perceberam-no. Mas Portugal perdeu uma oportunidade para fazer equipa e construir uma aliança do Sul.

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